09/05/2017 - 15:21
François Hollande tinha prometido ser um “presidente normal”, próximo do povo. Mas no domingo, ele sairá do Palácio do Eliseu como um dos chefes de Estado mais impopulares da França, deixando para trás um cenário político muito complexo.
A isto se soma a humilhação de ceder as rédeas do poder a um ex-ministro de 39 anos, Emmanuel Macron, praticamente um novato na política, eleito com a promessa de uma ruptura com o governo de seu ex-chefe.
Incompreendido, criticado até mesmo dentro de sua própria maioria, François Hollande se impôs como chefe de guerra, encadeando operações militares no exterior com uma determinação em total contradição com sua imagem na política interna.
Após cada golpe terrorista – atentados extremistas deixaram 239 mortos na França desde 2015 -, adotou com sucesso seu papel de pai da nação, consolando um país traumatizado.
Mas não foi o suficiente para melhorar sua imagem negativa, agravada ainda mais por um livro de confidências a dois jornalistas, publicado em outubro de 2016, e por sua incapacidade de conseguir uma maioria para aplicar seu programa econômico.
Ao final de seu mandato, a função presidencial ficou cambaleante. “É preciso restaurá-la (…) Encontrar um presidente que saiba traçar o caminho”, resumiu o ex-ministro das Relações Exteriores Dominique de Villepin.
Em 2012, Hollande, o primeiro presidente socialista desde François Mitterrand (1981-1995) prometeu ser o contrário de seu antecessor, Nicolas Sarkozy. Sua Presidência “modesta” devia romper com o estilo “espalhafatoso” do rival.
‘Sonhos demais’
No entanto, sua popularidade começou a decair desde seus primeiros meses no poder. As cíticas se amontoaram: “Não sabe tomar uma decisão”, “Não tem autoridade”, “É tático demais”.
Em 2013, uma reforma prometida durante sua campanha que legalizou o casamento gay provocou um profundo racha na sociedade francesa.
O aumento sem precedentes da pressão fiscal nas residências e nas empresas, acompanhado de uma redução dos gastos públicos, provocou hostilidade em boa parte da classe média.
Para combater taxas de desemprego de cerca de 10%, o presidente optou por uma guinada sócio-liberal, que lhe rendeu uma chuva de críticas da ala à esquerda do Partido Socialista e a deserção de vários ministros.
Essa hostilidade a uma política considerada favorável demais às empresas culminou no começo de 2016 com uma guerra no Parlamento com os “rebeldes” de seu próprio partido, contrários a uma reforma da lei trabalhista.
Esta levou, ao mesmo tempo, dezenas de milhares de trabalhadores, jovens e estudantes às ruas em manifestações multitudinárias.
“Muitos de seus eleitores tiveram a desagradável sensação de terem sido enganados. Simplesmente porque vendeu a eles sonhos demais”, avaliaram os dois jornalistas que publicaram o livro de confidências, Gérard Davet e Fabrice Lhomme.
Macron: seu herdeiro?
Em janeiro de 2015, a França foi atingida por um primeiro atentado contra o semanário satírico Charlie Hebdo. Seguiu-se a este uma onda mortal de ataques extremistas em vários locais do país.
Hollande reagiu endurecendo a intervenção francesa no Iraque e na Síria contra o grupo jihadista Estado Islâmico.
“Gostaria que dissessem de mim, uma vez que é verdade, que fui corajoso nesse período”, disse o presidente de 62 anos, segundo o livro com o título premonitório “Un président ne devrait pas dire ça” (Um presidente não deveria dizer isto, em tradução literal).
No plano privado, o presidente francês também viveu momentos complicados, como a separação de Valérie Trierweiler, em janeiro de 2014, após uma revelação por uma revista de fofocas de seu relacionamento com a atriz francesa Julie Gayet.
A onda de críticas gerada pelo livro de confidências, à qual aderiram inclusive seus ministros mais fiéis, e a impopularidade recorde fizeram com que, em dezembro de 2016, François Hollande renunciasse a se apresentar à reeleição – algo inédito desde 1958.
Ele deixa atrás dele um partido socialista em ruínas (cerca de 6% dos votos nas eleições presidenciais), uma extrema-direita no auge (10,6 milhões de votos) e um desemprego de cerca de 10%.
No entanto, a vitória de Macron é, em parte, também a de suas ideias, a de uma social-democracia liberta dos dogmatismos. “Talvez seja o homem que realizará os sonhos inconfessos de seu antecessor”, afirmou o ex-eurodeputado centrista Jean-Louis Bourlanges.