05/04/2017 - 18:54
Neste período que tenho passado aqui no MIT, venho refletindo sobre como as profundas transformações trazidas pelo desenvolvimento da indústria de software irão demandar cada vez mais o nascimento de uma nova geração de líderes com habilidades para cruzar a ponte entre a revolução industrial e a revolução digital.
Se na revolução industrial o líder era avaliado pela sua capacidade de inventar e ter visão para comandar numa hierarquia top-down; na revolução digital, já emergente em frenética velocidade, o líder que encara o desafio de comandar um negócio sustentado pela contínua transformação deve reunir habilidades para uma gestão bottom-up, associando sensemaking e relacionamento para engajar talentos, compartilhar conhecimento, analisar e interpretar dados que permitam o despertar da inovação de qualquer departamento da organização.
Há alguns dias cumpri uma excitante agenda de visitas no Vale do Silício a empresas que tem grande foco na Digital Transformation, o que me levou a pensar no tema deste artigo – qual o perfil do líder que as empresas precisam para comandar a transformação digital?
A General Electric fez parte do roteiro e nem precisa dizer o quão impactante é desvendar, ainda que por poucas horas, o universo de uma companhia que atravessou mais de um século sem perder o compasso da inovação e a liderança de mercado.
Apenas para uma rápida contextualização histórica, a GE foi fundada em 1878 por Thomas Alva Edison (sim, ele, o inventor da lâmpada incandescente elétrica, o primeiro produto da empresa), com a razão social Edison Electric Light Company. Em 1892, a JP Morgan, que já era dona da empresa, fez uma fusão com a Thomson-Houston Company e a batizou de General Electric Company.
Como a GE, que nasceu no século XIX, consegue se manter inovadora?
Meu grupo foi recebido pelo simpático David Bartlett, CTO da GE, que nos embeveceu com um fantástico relato sobre como a companhia está construindo o futuro da revolução digital. Nesta direção, a GE Digital desenvolveu o Predix, primeira plataforma para indústrias baseada em cloud, que estabeleceu uma nova forma das pessoas se conectarem com seus dados, equipamentos e máquinas, trazendo a Internet das Coisas para realidade e transformando digitalmente negócios de indústrias tão distintas como aviação, automotiva, transporte, saúde, química, comidas e bebidas.
Concebida antes mesmo da invenção da lâmpada, a GE desenvolveu talentos e um mindset voltado para inovação, estimulando seu time a ser incansável em oferecer aos seus clientes as ferramentas que precisam para ingressar na era digital e estruturar negócios disruptivos.
E qual o perfil do novo líder?
Seja em uma empresa que está passando pela transformação ou naquela já concebida com DNA digital, há um óbvio sinal de que já não cabe mais a existência de líderes temidos que exercem seu poder de forma autocrática e não conquistam seus times pela admiração, como mentores que iluminam o caminho para que todos possam ser inovadores.
O novo líder deve reunir, de acordo com o relatório ‘Global Human Capital Trends 2017’, da consultoria Deloitte, habilidades distintas, como “construir times, manter as pessoas conectadas e engajadas e conduzir uma cultura de inovação, tolerância ao risco e desenvolvimento contínuo”. Em suma, como já sublinhei, deve associar habilidades como sensemaking e relacionamento
Cabe abrir parênteses, a mudança do drive de negócios para o digital ganhará nuances ainda mais intensas com a adoção de tecnologias que irão certamente causar grande impacto nos modelos de trabalho e nas próprias funções hoje exercidas pelos colaboradores.
O avanço da Internet das Coisas, da robótica, da inteligência artificial e do machine learning, apenas para citar algumas tendências, irão trazer desafios para o capital humano em que irão se destacar os talentos com capacidade de criar, inovar e desenvolver negócios, exigindo que o líder passe a ter um perfil muito mais de retaguarda para, dos bastidores, estruturar um ambiente colaborativo onde todos, inclusive e principalmente os millennials, possam participar ativamente e contribuir para transformação digital.
Diversas pesquisas mostram que a revolução dos bits não é mais uma tendência; é uma urgência, especialmente para empresas que ainda não iniciaram a travessia e estão alicerçadas em modelos arcaicos e com legados de décadas que tornam ainda mais difícil o ingresso nos novos tempos.
Uma delas, encomendada pela ChristianSteven Software para GITNS com mais de 500 executivos de alto escalão dos Estados Unidos e Europa, mostrou que dois terços (65%) acreditam que 40% das Fortune 500 companies não existirão em 10 anos. Mais ainda: 53% confessaram estar preocupados com a competição vinda de negócios disruptivos. Um número representativo, 91%, afirmaram ser otimistas com o futuro da tecnologia em suas organizações.
A empresa de análise 451 Research mostra em seu recente estudo que ainda há um longo caminho pela frente, mas que a transposição para o digital já está em curso. Menos de um quarto (22%) das empresas informaram ter uma estratégia bem definida, 36% estão considerando ou planejando e 29% não têm nenhuma estratégia.
Tecnologia não supera capital humano
Para a organização se tornar competitiva na era dos negócios digitais, o relatório da Deloitte toca em outro ponto crucial – a tecnologia é criticamente importante, mas o capital humano continua indispensável e é essencial entender a necessidade de passar a liderar de forma mais horizontal, trabalhando junto com o time e sendo capaz de estruturar rapidamente novos modelos.
Afinal, a tecnologia trouxe a reboque uma demanda cada vez maior de acelerar o ‘time to market’ e somente com líderes com habilidades interdisciplinares, times engajados, antenados e com sede de inovação será possível sair na frente da concorrência.
Legítima representante da cultura organizacional do Vale do Silício, a Amazon foi apontada pela revista Fast Company como a empresa mais inovadora de 2017 e se mantem no topo da curva da inovação empoderando seus colaboradores e os estimulando a tomar e compartilhar decisões, um estilo de liderança também seguida pelo Google, Uber e Apple, que completam as primeiras posições do ranking de inovação.
Nestas organizações, os líderes privilegiam uma estrutura mais horizontal, aberta a riscos, onde para ganhar o jogo é permitido errar, corrigir e aprender em um ciclo interminável de inovação. Em um ambiente sem hierarquias, o líder é um guru de times multidisciplinares que seguem o propósito de inventar produtos e serviços que os consumidores ainda sequer sabe que irão se tornar tão indispensáveis quanto a lâmpada elétrica. E, numa liderança bottom-up, uma boa ideia pode vir de qualquer lugar.
Uma dica? Aposte nos Millennials.
Para colocar seu negócio na estrada digital e da inovação, a primeira providência é reconhecer que já não se fazem mais líderes como antigamente.
Montar times interdisciplinares dando vez e voz aos millennials certamente irá acelerar sua jornada rumo à digitalização. O relatório da Deloitte reforça esta necessidade, com 28% dos nativos digitais alegando que as empresas ainda não tiram toda vantagem que poderiam de suas habilidades.
Para comandar esta viagem rumo ao desconhecido, seu negócio precisa de mais líderes e menos chefes. Se na revolução industrial as corporações eram operadas por estruturas hierárquicas engessadas e opressoras, na revolução digital, vale repetir, o líder exerce não um papel de chefe, mas de mentor, um maestro que compartilha com sua orquestra os aplausos e as decisões estratégicas para criar modelos disruptivos.
Jeff Bezos, CEO da Amazon, reforça a receita para o novo líder: assumir riscos. “Se você quer ser inventivo, tem que estar disposto a cair”. E na primeira carta aos acionistas, em 1997, já alertava: “Este é o primeiro dia da Internet. Ainda temos muito a aprender”. Jeff Immelt, CEO da GE, também liga o despertador: “Se você foi para cama na noite passada como uma empresa industrial, você irá acordar esta manhã como uma empresa de software e analytics”.
E você? Está pronto para ser um líder para comandar a transformação digital do seu negócio ou continuará estagnado como um chefe da velha economia?
Venâncio Velloso é empreendedor, fundador do WebPesados e da consultoria DIB (Digital Innovation Builders). No momento, está fazendo MBA no MIT (Massachusetts Institute of Technology)