Atirador desde 1989, quando tinha 19 anos, Demetrius Oliveira é presidente do Conselho da Associação Brasileira dos Importadores de Armas e Materiais Bélicos (Abiamb). Neto e filho de militares ­— o avô chegou a ser adido militar na França e o pai enveredou, de certa forma, pelas artes e foi dono de uma rede de lojas de discos que se tornou a maior revendedora da gravadora Som Livre no Brasil —, Oliveira está à frente de um segmento que foi totalmente paralisado no primeiro ato do governo Lula III, no começo de janeiro. No revogaço federal, pelo menos 8 mil empresários do setor, que movimenta (incluindo os produtores nacionais) US$ 5 bilhões, encerraram abruptamente suas atividades. “Sem qualquer conversa, sem negociação”, afirmou Oliveira à DINHEIRO. Para ele, a saída a essa situação está no diálogo. “Vamos sentar, conversar, mostrar que este mercado é positivo ao País e que nossa posição sempre será a de cooperação”. A seguir, trechos de sua entrevista.

É difícil defender um segmento que trata de armas no contexto de violência que caracteriza a sociedade brasileira desde sempre, não?
Temos muito orgulho de dizer que as armas que trazemos nem residualmente vão parar onde não deveriam. Não é a arma legal que vai pro crime. O bandido não está nem aí pra gente. Ele não quer as nossas armas porque trata-se de um setor muito sério, é tudo arma registrada, com origem definida, vai dar trabalho a ele. Bandido não quer isso. Quando eles contrabandeiam as drogas, eles já contrabandeiam as armas.

Qual o papel da Abiamb nesse cenário crítico de proibição?
Nosso papel é auxiliar na regulação do setor, e quem o regula é o Exército. Tenho experiência com isso desde que presidi a Confederação Brasileira de Tiro Prática [entidade esportiva] e fui conselheiro do Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados [vinculado ao Exército], que tem 15 temas e mais de 100 portarias. Não apenas para armas e munições, mas também para coletes, blindados, explosivos usados na mineração, alguns insumos da indústria farmacêutica… Tudo que é produto controlado. O mercado regulado é muito grande. Especificamente sobre armas, a primeira lei que recadastrou, anistiou e passou a regular o setor é de 1997. Antes havia uma portaria de 1993 para importação, mas que caiu muito rapidamente por lobby nacional. Sempre foi um mercado monopolista. Mudou no governo Temer. Até então, a importação era [praticamente] individualizada.

Mesmo para forças de Estado?
Elas só usavam produtos nacionais?
A maioria. Poucas as forças enfrentaram o sistema. A Marinha foi exceção. Há muito não usa equipamento nacional.

O quanto a decisão do governo Lula foi abrupta, já que não houve qualquer conversa com o setor?
Ele está mexendo num mercado próspero e interessante não só pro meio civil, mas principalmente no meio institucional, na segurança pública e privada, no esporte, que é a grande maioria que possui as nossas armas. E há ainda outras áreas que trabalham com produtos de uso controlado, como o setor farmacêutico. Quando veio o revogaço, nós sentamos com o governo e falamos: ‘Olha, é melhor pensarem um pouco melhor, porque vocês vão paralisar não só as armas e sim outros vários mercados, como parte da indústria farmacêutica.’ Nós acabamos salvando [o setor] dessa situação. Eles enxergavam que tinham de revogar tudo o que Bolsonaro fez. Apagar o nome de Bolsonaro de qualquer maneira. E esquecem que o mercado não é político. O mercado, de qualquer segmento, é dependente de segurança jurídica.

Qual o tamanho do setor?
Temos 70 associados, mas ao todo são 8 mil CNPJs, isso sem falar de empresas que nem entram nesse bojo, como as que atuam com fardamento, mais pro lado tático. Essas morrem junto [com o revogaço]. Em volume, o monopólio é de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões, de Taurus e CBC juntas, que empregam diretamente 7 mil a 7,5 mil pessoas. O restante todo emprega muito mais e tudo somado movimenta em torno de US$ 5 bilhões.

A importação também qualificou o mercado nacional?
Um pouco como aconteceu com a liberação de importação de carros no governo Collor. A indústria nacional passou a se preocupar mais com qualidade, segurança, desempenho. Indústria nacional muito protegida é ruim em qualquer setor. Chega a ser cômico [no segmento de armas e munições] ela ser uma das maiores exportadoras mundiais e pedir restrição de importados. Fora benefícios fiscais, porque eles são considerados como indústria de defesa, então há vantagens tributárias muito elevadas. Isso eles não contam.

Em 2005 houve um referendo e a decisão popular foi pela aprovação do comércio de armas no Brasil. Isso não dá base jurídica para vocês?
No referendo, 64% dos brasileiros disseram que queriam que se mantivesse o comércio de armas aqui. Uma decisão que nunca foi respeitada. A gente trabalha muito em cima disso. Primeiro porque acreditamos que todo cidadão que quer possuir uma arma de fogo tem direito à defesa. Direito universal e constitucional. Direito à vida. Simples assim. Armas não cometem crimes, quem comete são as pessoas. Então é preciso trabalhar na formação das pessoas, nas questões de conceitos, cultura.

E vocês sempre argumentam que a curva de homicídios no Brasil não variou com a liberação da importação…
Houve um pico na curva em 2017 [pré-liberação, com 30,9 mortes por 100 mil habitantes] e depois só caiu [22,3 mortes para 100 mil em 2021]. E faltam dados consistentes para outras análises aprofundadas. Por exemplo: no Brasil, em 2021, foram roubados 850 mil celulares [Fórum Brasileiro de Segurança Pública] e em parte dos casos houve latrocínio [com morte]. Incrivelmente não há dados sobre a origem dessas armas.

O que a Abiamb deve fazer para tentar reverter o revogaço?
Tínhamos uma visão de ajuizar uma ação. Mas como o setor não é unido, houve precipitação e outras pessoas tomaram a iniciativa, o que levou a uma decisão no STF, pelo Gilmar Mendes. Ele já decidiu contra. E as decisões de um ministro cada vez mais têm tomado efeito em cascata no colegiado. Isso tecnicamente atrapalhou qualquer estratégia nesse sentido. Também temos de tomar cuidado muito grande porque qualquer crítica ao Supremo pode ser altamente retaliada. Mas não vai haver fôlego pra aguentar muito tempo. O mercado vai ser estrangulado se não mudar rapidamente isso, porque todo dia é uma empresa quebrada. A saída vai ser sentar e conversar. Via governo, via Congresso. É o que estamos fazendo e tem avançado. No Congresso, e em grupos de trabalho.

Virou um tema político?
Mas a política não deveria interferir. Houve uma consulta popular e dois terços das pessoas pediram isso. A essência do que foi decidido é ignorada. É como se o plebiscito do parlamentarismo, que deu presidencialismo, tivesse ignorado o resultado. Nós temos 1 milhão de CACs e 500 mil civis com armas de fogo — num universo total de 4,4 milhões de armas (segurança pública, privada, CAC, tudo…) para 215 milhões de habitantes. E 60 milhões [64% no referendo de 2005] disseram que era direito delas. E isso foi negado. A decisão não pode ser restrita a um revanchismo entre dois polítcos.