“Espero que as plataformas internacionais não reproduzam as condições de trabalho e as explorações do mercado asiático”

Edmundo Lima é atuante na Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex) desde a fundação, em 1999. Atual diretor-executivo, ele guia a associação rumo a um caminho mais sustentável do setor, seja com práticas ligadas à sustentabilidade ambiental ou social. A Abvtex é formada por 115 marcas, que representam 26% do fragmentado mercado nacional.

Em entrevista para a DINHEIRO, Lima aborda os desafios do varejo de moda no País, além das condições macroeconômicas não muito favoráveis. “Foi uma conjugação de forças e de ocorrências que acabou fazendo com que o varejo de maneira geral vivesse momentos bem desafiadores”, disse.

Na pauta da Abvtex, está a redução da carga tributária para o setor e a condição de isonomia na concorrência com os negócios estrangeiros, que desde a pandemia abalou o setor de forma mais intensa com seus preços baixos e digitalização assertiva. Com a Shein como principal representante dessa concorrência iniciando a produção no País, entra a preocupação com as práticas comerciais e sociais.

“Há um receio da nossa parte de que não haja um retrocesso em todo o trabalho que a Abvtex e os varejistas associados vêm fazendo”, disse Lima.

Como você analisa o primeiro semestre para o varejo considerando todos os acontecimentos que tivemos no período?
A gente teve uma grande transformação do varejo a partir de janeiro com a questão envolvendo as lojas Americanas. Isso trouxe a atenção de todos os atores da economia, principalmente do mercado financeiro, e acabou impactando algumas redes do varejo de moda que estavam mais sensíveis. Eu diria que foi uma conjugação de forças e de ocorrências que acabou fazendo com que o varejo de maneira geral vivesse momentos bem desafiadores.

Qual é a expectativa para o segundo semestre deste ano?
A expectativa é que a gente tenha um segundo semestre mais positivo, principalmente com a manutenção dos benefícios do governo e com a renegociação de dívidas das famílias. Além de todos os desafios que já comentamos, nosso segmento é muito sazonal, impactado pelas estações do ano. Isso também tem impacto no hábito de consumo das pessoas. A gente tem um segundo semestre diferente do ano passado, sem todos os eventos como Copa do Mundo e eleições. Então, a gente acredita que o consumidor vai estar mais atento e mais envolvido com outras questões, o que deve ajudar na recuperação das vendas.

Qual a sua visão em relação à primeira versão da Reforma Tributária?
Como regra geral a visão é positiva. É uma Reforma Tributária que já vem sendo discutida há décadas e a gente conseguiu dar um passo adiante, então por si só já é um fator positivo. É óbvio que para o varejo ainda tem uma série de desafios dentro dessa proposta. A gente precisa discutir isso com o governo, então ainda não tenho como te falar uma avaliação mais precisa, até porque ela ainda está em tramitação. Mas a gente enquanto varejo tem algumas demandas em relação a essa reforma, principalmente no intuito de que ela não acarrete aumento de carga tributária do varejo ou para serviços.

Quais são as demandas do setor em relação à Reforma Tributária?
O que a gente almeja enquanto questão final é que uma alíquota única é importante para nós porque simplifica o modelo tributário nacional, principalmente dos grandes varejistas. A redução dessa carga tributária também é o ideal. Em alguns momentos aqui a gente viu que em determinados segmentos ou a carga tributária se mantém ou ela até aumenta em relação ao que temos hoje. Isso é uma preocupação para nós, por mais que ela possa beneficiar outros segmentos, porque é um governo que precisa arrecadar, que tem os seus desafios em termos orçamentários, então ao abrir mão de tributação para determinados segmentos invariavelmente vai buscar uma compensação em outros.

O que a concorrência com as plataformas internacionais representa?
Elas vêm ano após ano, principalmente depois de 2020 e 2021 ganhando espaço no mercado brasileiro com apelo muito forte de preço baixo, isso muito em função do não pagamento de tributos. Viemos discutindo com os governos, tanto com o anterior como com esse governo atual, formas de ter isonomia tributária entre o varejo nacional e esse varejo das plataformas internacionais. Essa é uma discussão que está latente. Nós fomos surpreendidos com a última portaria do ministro da Fazenda que reduziu a zero a alíquota de Imposto de importação para remessas comerciais até o limite de US$ 50, isso é inaceitável. Uma concorrência desleal.

Como o crescimento das varejistas estrangeiras impacta na sua visão positiva para o segundo semestre?
A gente está falando de uma expectativa positiva desde que o governo também tome medidas para trazer essa isonomia nas plataformas internacionais. Elas vêm crescendo a participação no market share no Brasil ano após ano, e com essa concorrência desleal. A gente entende também que isso atenta contra as condições de trabalho da cadeia produtiva, porque enquanto varejo formal, atuando dentro da legalidade, sabe quanto custam as mercadorias, então na medida em que você traz preços abaixo do preço de custo normal de uma mercadoria isso certamente às custas de exploração do trabalho de condições degradantes ao longo dessa produção, além desse não pagamento de tributos dessa evasão fiscal.

Como o movimento de nacionalização da produção dessas plataformas modifica a relação com o mercado brasileiro?
Ao prospectar fornecedores nacionais buscando praticar os mesmos preços que se pratica na Ásia, a gente sabe que não tem outra forma a não ser também que esses fornecedores comecem a ser pressionados no sentido de buscar alternativas de redução de custo, exploração da mão de obra, jornadas exaustivas, condições de trabalho também não adequadas.

Quais são as ações da Abvtex para garantir as condições trabalhistas?
A gente tem um programa de monitoramento dessa cadeia produtiva para verificar se as empresas são formais e se elas atendem a todos os requisitos legais tanto na parte trabalhista, nas questões sociais, de meio ambiente e de governança. A gente monitora essa cadeia com auditorias presenciais em 100% das fábricas que abastecem as marcas associadas à Abvtex. São quase 4 mil empresas presentes em 17 estados da federação, mais de 650 municípios envolvidos e que empregam diretamente na produção de vestuário e calçados mais de 430 mil trabalhadores formais registrados de acordo com a CLT. Então, espero que essas plataformas internacionais ao desembarcar no Brasil não reproduzam as condições de trabalho e as explorações que são feitas principalmente no mercado asiático.

A indústria nacional é frágil nesse sentido de sucumbir a essas pressões?
É frágil, porque ela é majoritariamente composta por Micro e Pequenas Empresas. Então naturalmente são empresas que sofrem uma pressão maior em termos de custo pelos grandes varejistas, principalmente com esse viés de oferecer custo baixo, que muitas vezes pode impactar o não cumprimento das regras legais aqui no Brasil. A gente tem uma outra questão que é informalidade tanto no varejo como na indústria. Hoje no segmento têxtil, a gente tem uma estimativa de que mais de um terço do que se comercializa de vestuário tem alto grau de irregularidade ou informalidade, que drena recursos do mercado formal e prejudica a concorrência leal do segmento.

O sucesso dos varejistas estrangeiros está no uso da tecnologia. Como as empresas nacionais estão nessa
caminhada digital?
Esse é um ponto positivo das plataformas internacionais no sentido de provocarem o varejo e as empresas a sempre estarem
olhando essa questão de tecnologia, investindo e facilitando a vida do consumidor.