Relatório da Oxford Insights classifica os países sobre o nível de preparação para o uso pleno da Inteligência Artificial (IA), ranking em que o Brasil fica em 40º lugar. Temos 100% em visão, 82,3% em disponibilidade de dados, 75,7% em representatividade de informações e 64,5% em infraestrutura, mas é por aí que param os bons números. Abaixo dos 60%, o País ainda está atrasado em capacidade digital, capital humano, habilidade para inovação, governança e ética, adaptabilidade e tamanho. É com base nesses pilares que o governo brasileiro busca regulamentar, educar e incentivar sobre o uso da IA. Com consultas públicas como pilar principal para entender as necessidades específicas do segmento empresarial, a IBM entra na discussão com Fabio Rua, diretor de Relações Governamentais e Assuntos Regulatórios da IBM América Latina. Para ele, a discussão está longe de terminar e deve ser renovada conforme a tecnologia evolui.

O que é Inteligência Artificial para a IBM?
Eu diria que a Inteligência Artificial é hoje uma das principais verticais de atuação da IBM e somos protagonistas no desenvolvimento dessa tecnologia. Esse é um tema caro para a gente, tema que faz com que a gente possa efetivamente se diferenciar da nossa concorrência em relação à forma como o desenvolvemos. Com transparência, com ética e com responsabilidade algorítmica, que é nada mais é do que dar visibilidade ao usuário do processo pelo qual o algoritmo toma uma decisão ou recomenda algum insight.

Como você chegou nesse projeto?
Como líder de relações governamentais, tenho o dever de influenciar positivamente o processo de construção de políticas públicas nessa área. Eu não tenho formação tecnológica e costumo dizer que do bit e byte da tecnologia eu pouco entendo, mas do conceito por trás da tecnologia e sobre como ela pode impulsionar o desenvolvimento e as oportunidades, das mais democráticas possíveis, disso eu acho que eu entendo.

Quais são as dificuldades básicas dessa tecnologia hoje no Brasil?
Entender e desmistificar a Inteligência Artificial como ferramenta. Ela não é a substituição do funcionário, não é algo que vai trazer impactos negativos pra nada, nem para ninguém. A Inteligência Artificial quando desenvolvida com ética, transparência e bons propósitos, é um game changer [mudança de jogo] no processo de desenvolvimento econômico.

O que faz ser mais que um tema exclusivo da tecnologia?
Infelizmente muitas pessoas ainda entendem a Inteligência Artificial como um tema de ciência, tecnologia, de laboratório. Não é. A IA é um tema geopolítico, geoestratégico, geoeconômico, um tema que tem impacto social no dia a dia do cidadão. A gente está falando de cifras trilionárias, segundo os últimos dados. O impacto econômico da IA até 2030 vai chegar a US$ 16 trilhões, estamos falando de alguns PIBs do Brasil. O quanto vamos receber desse quinhão trilionário vai depender da forma como encaramos o assunto. Se continuar circunspecto num ambiente de laboratório, vai ser pouco. O governo e as empresas têm de entender isso como uma ferramenta fundamental para posicionar o Brasil na vanguarda do desenvolvimento tecnológico.

Qual o papel das entidades públicas e privadas perante o tema hoje?
Existem algumas ações governamentais que visam incentivar, por um lado, educar de outro e regular por outro. Temos também a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), um documento elaborado sob a responsabilidade do Ministério de Ciência e Tecnologia, mas que envolve vários atores da sociedade. Uma entidade ampla e transversal. Ela não pega só o impacto da tecnologia, ela foca em absolutamente todos os pilares necessários para que a inteligência artificial ressoe e impacte. Está sendo desmembrada agora em ações específicas que o governo e o setor privado precisam adotar, sobre infraestrutura, implementação na saúde, 5G…

E na parte legislativa?
Temos um projeto de lei que foi aprovado na Câmara dos Deputados que teve uma participação considerável da sociedade civil, inclusive de empresas como a IBM, e todas as outras desenvolvedoras de tecnologia direta ou indiretamente. Nós participamos ativamente na consulta pública, mandamos recomendações e entendemos que, neste momento, o Brasil não pode avançar num processo regulatório da tecnologia. Precisamos avançar sim num processo de governança do uso da tecnologia, e isso é diferente. O que temos hoje no projeto aprovado na Câmara é um conjunto de princípios, uma carta de intenções, digamos assim.

Por que ainda não é o momento de regulamentar?
Quando regula a tecnologiapode travar inovação, pode impactar negativamente a habilidade do país de desenvolver uma tecnologia nascente. Como esse é um tema extremamente complexo, regulamentar por regulamentar é perigoso. A gente ainda tem um Congresso de certa forma analógico, que não está pronto e não tem conhecimento técnico necessário para regulamentar uma tecnologia tão complexa quanto essa. Esse projeto está no Senado e o próprio presidente do Senado [Rodrigo Pacheco] entendeu que não estava pronto para discutir esse tema. Então, ele convocou uma comissão de juristas para estudar e ouvir a sociedade, para buscar subsídios dos mais variados, inclusive internacionais, e produzir um relatório que no futuro vai se transformar num novo projeto.

Como estão as discussões globalmente?
A Europa está se debruçando sobre a regulamentação de IA há anos e ainda não tem uma lei específica para regular essa tecnologia. É a postura correta. Eles estão olhando o risco tecnológico que essa tecnologia traz, por setores ou por áreas de atuação. Regular de forma genérica é preocupante porque o genérico acaba virando específico. O Brasil não é um desenvolvedor líquido de IA, nós somos consumidores crescentes de inteligência artificial. A União Europeia, os Estados Unidos e a China são os atores importantes nesse processo. A batalha é por uma governança global da Inteligência Artificial.

Como a discussão de soberania digital atrapalha o avanço do tema?
Isso é um debate global que, inclusive, está chegando no Brasil. É basicamente: meu País, minhas regras, né? O problema disso são os efeitos. No conceito de computação em nuvem, por exemplo, pode inviabilizar que os dados circulem livremente entre geografias e obrigar as empresas a localizarem os seus dados em data centers nos próprios países, o que aumenta o custo e a complexidade, além de gerar uma discriminação do nível de investimento. Não funciona muito bem.

Qual é o futuro da IA?
Por mais que tenha avançado nos últimos anos, a Inteligência Artificial ainda é um bebê e vai se desenvolver muito nos próximos dez anos. O que a gente conhece hoje como ofertas dessa tecnologia das empresas, com o desenvolvimento do 5G e com a chegada da computação quântica, vai escalar a tecnologia num nível sem precedentes.