Encontrar, atrair e reter talentos. Tarefas antes básicas para os departamentos de recursos humanos ganharam ares mais complexos nos últimos anos. Além das mudanças que surgiram nas relações de trabalho em decorrência da pandemia da Covid-19 como a demanda pelo trabalho híbrido, o recrudescimento da agenda ESG está desafiando o sistema a mudar para ser mais diversificado e inclusivo. Nesta entrevista à DINHEIRO, Fernando Mantovani, executivo que comanda as operações da recrutadora Robert Half na América do Sul, fala sobre os impactos dessas e outras tendências e alerta as companhias dos riscos que correm ao não modernizar a proposta de valor que oferecem a seus funcionários. “A mão de obra está escassa e é ela que traz diferencial para as companhias. Sem talentos não há futuro”, afirmou.

Na pandemia, o modelo de trabalho foi colocado em xeque e as relações entre funcionário e empresa mudaram. O que ficará e o que será descartado?
Essa não é uma resposta simples. Durante a pandemia, as empresas foram forçadas a tomar decisões rápidas. A crise passou e algumas delas estão voltando atrás precipitadamente, principalmente quando os resultados alcançados não estão no patamar que se considera ideal. O engraçado é que muitas dessas mesmas companhias passaram os dois anos de home office registrando excelentes resultados. Ao menor sinal de redução de desempenho, porém, atribuem o fato ao novo modelo de trabalho. Mas isso é natural. Em uma crise, a tendência do ser humano é voltar ao passado. Na outra ponta, a consequência é o grande descontentamento dos trabalhadores obrigados a voltar para um sistema antigo porque o chefe quer. As empresas que não oferecem alguma flexibilidade terão dificuldades de atrair talentos.

Uma dessas novas tendências é o nomadismo digital — trabalhando em home office, o profissional pode morar em qualquer cidade, estado ou país. Essa tendência arrefeceu?
Acho prematuro dizer que isso é uma tendência. O nomadismo foi mais comum em empresas de TI ou para profissionais delas. Ainda que pessoas de outras áreas o tenham experimentado, falar em escala é difícil porque há limitações como a questão do fuso horário. Para mim, o mais interessante nesse campo é que, ao contrário do que acontecia, um funcionário tem mais chances de pleitear e conseguir autorização para ficar três, seis meses em outro país estudando, por exemplo, do que antes. É mais difícil para um líder moderno barrar um pedido assim.

O senhor usou a expressão líder moderno, mas ainda há possibilidades de líderes que não entendem os avanços nas relações se manterem nos empregos?
Um monte. Temos líderes de empresas modernas com posições muito conservadoras nas relações de trabalho. Empresas de tecnologia que querem 100% do time presencialmente. É aqui que o funcionário se pergunta: ‘É sério isso?’ Funcionou durante dois anos, por que não vai funcionar agora? Só que em tempos de crise, a tendência é que as pessoas busquem segurança no modelo no qual foram doutrinados e aí volta tudo para trás.

Qual o impacto na atração de talentos?
Fica mais difícil contratar bons profissionais. E aqui está o problema. A mão de obra está escassa e é ela quem traz diferencial para as companhias. Ou as empresas entendem que o funcionário é um cliente, ou não vão acessar os grandes talentos. Mas sabe qual é a verdade? Elas vão continuar contratando. Sempre haverá gente que precisa trabalhar a qualquer custo. Como conseguem contratar, admitem que estão fazendo certo e que está indo tudo bem. A questão é quão bem essa empresa quer ir. Ainda mais se pensarmos no longo prazo.

Do lado do profissional, uma mudança importante que começou bem antes da pandemia e se fortaleceu com a polarização política do último ano é a impressão de que não há consequências para a liberdade de expressão possível nas redes sociais. Como lidar com a confusão entre o público e privado?
Ambos os lados precisam ter cuidado. Soube de um caso em que um executivo são-paulino trabalhava para uma empresa que patrocinou uma ação de marketing de um time adversário. O São Paulo venceu e ele fez uma brincadeira nas redes sociais com o time perdedor. Foi demitido. Isso é uma grande bobagem. Ambas as partes precisam agir de maneira institucional. Agora, os funcionários precisam entender que qualquer opinião pública pode ter um impacto. Ele precisa ser maduro o suficiente para entender que terá de lidar com as consequências de sua escolha. E nem sempre as consequências são o que ele enxerga como justas.

Outro movimento ainda mais recente foi o quite quitting, em que os jovens expressavam seu descontentamento no trabalho fazendo uma espécie de corpo-mole, sem performar o que era esperado. É um movimento relevante?
Esse é um movimento que rodou o mundo inteiro e que aconteceu em decorrência da pandemia. Muitas pessoas trabalharam excessivamente durante o isolamento social. Trabalhar era a grande distração naquele momento, e agora elas estão estressadas. Não acho que o quite quitting é um movimento tão orquestrado assim. Ele é uma reação natural do ser humano. Acho que isso faz parte do pêndulo de acomodação do mercado pós-pandêmico.

Recentemente, a Robert Half divulgou o dado de que 49% dos profissionais empregados querem mudar de emprego. Vocês chegaram a identificar as causas?
Historicamente, as pessoas mudam de emprego por quatro motivos: qualidade de vida, relação com o líder, perspectivas de carreira e dinheiro. As pessoas andam falando muito sobre alinhamento de propósito, mas ainda não existe um movimento tão forte a ponto de dizer que esse fator influencia efetivamente. A ordem dessa lista muda dependendo da época do estudo. Agora, por exemplo, o dinheiro está começando a aparecer mais frequentemente. Por quê? Porque está mais caro viver.

Essa incidência de pessoas procurando emprego está maior?
Está crescendo. Normalmente quando a taxa de desemprego cai, o desejo de mudar de emprego aumenta. As empresas começam a assediar as pessoas empregadas, oferecem salários maiores, benefícios melhores. O resultado é um ambiente em que as pessoas começam a pensar mais em mudanças. Além disso, tem pessoas que depois de um pico emocional, como aconteceu durante a pandemia, resolvem mudar de vida e o emprego entra nesse pacote.

Do lado das empresas há uma busca pela diversidade. Há uma preocupação real na inclusão ou é só uma questão estatística?
Diversidade e inclusão são assuntos novos para as empresas e tratar disso custa dinheiro, porque não basta atrair tem que reter. Então, é preciso investir tempo e recursos em um processo de educação e isso tem gasto. Diversidade ainda não é assunto para toda e qualquer empresa. Já começou nas empresas maiores e tende a se espalhar pela cadeia, mas levará tempo.

O Chat GPT está provocando muitas reflexões sobre o seu impacto no mercado de trabalho. Qual sua avaliação do uso da inteligência artificial em substituição ao talento humano?
Revolução tecnológica é fato dado, não temos que lutar contra e sim saber usar. Do mesmo jeito que morrem profissões nascem outras. Essa é a evolução da sociedade.