Nenhum país do mundo tem uma carga tão pesada de impostos sobre a folha de pagamento como o Brasil. Esse fato é reconhecido até pelo primeiro escalão do governo federal. “Nós estamos num estágio bem antiquado”, diz o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Para reduzir o atraso, a presidente Dilma Rousseff lançou, em agosto, o Plano Brasil Maior,  uma tentativa de modernizar o sistema tributário. “É uma mudança que podemos fazer sem muito alarde, sem tentar fazer reforma tributária, que dá um problema danado no Congresso”, diz Pimentel. 

DINHEIRO — Por que o governo elegeu a desoneração sobre a folha de pagamento para estimular quatro setores da indústria?

Pimentel — Não há nenhum país no mundo que tribute a folha de pagamento tão pesadamente quanto o Brasil. Nenhum. Se nós quisermos ser modernos, competitivos e tornar o País uma grande potência econômica, é preciso rever isso. É fundamental. Não há como continuar tributando na proporção que tributamos. O caminho correto que o governo está começando a tomar é desonerar a folha e financiar a Previdência de outra forma, transferindo para o faturamento bruto uma alíquota bem inferior. Acho que vai funcionar muito bem e propiciar um nível de formalização muito alto. Por enquanto, já temos fechado que tecnologia terá alíquota de 2,5% sobre o faturamento; e têxteis, calçados e móveis pagarão 1,5%.

 

DINHEIRO — Desonerar a folha e tributar a receita é o modelo que será adotado em toda a economia?

Pimentel — A tributação moderna busca alcançar os bens finais e tenta desonerar ao máximo a cadeia produtiva. O Brasil ainda está num estágio bem antiquado porque nós tributamos pesadamente insumos, combustível, energia, telecomunicações. Se você pega a estrutura tributária dos países mais competitivos, é o contrário: esses segmentos são desonerados e tributa-se na ponta.

 

DINHEIRO — O governo se preocupa com a desaceleração da indústria, que está voltando a um patamar baixo de utilização da capacidade instalada e substituindo a produção por produtos importados?

Pimentel — O crescimento das importações já vem de três ou quatro anos. A indústria se preocupa e nós também. Um dos objetivos do Plano Brasil Maior é darmos mais competitividade e condições para a nossa indústria. Também temos ações de defesa comercial para proteger nosso mercado interno das importações desleais e fortalecer a nossa indústria utilizando o poder das compras governamentais.

 

DINHEIRO — Isso é suficiente para combater os efeitos da importação barata, e reverter a perda de competitividade?

Pimentel — É um processo, porque o plano não é um conjunto de medidas fechadas. Nós apresentamos as linhas gerais e estamos elaborando os decretos para a desoneração da folha. Isso será estendido para outros setores, mas não este ano. 

 

DINHEIRO — E dentro do governo há consenso para mudar isso?

Pimentel — Já estamos mudando e o Brasil Maior aponta nessa direção. Gradativamente, temos de construir um caminho para desonerar a folha. Vamos dar um exemplo do automóvel: quantas folhas de pagamento têm num carro? Dez mil, vinte mil? Não sabemos, mas vamos saber. Falo isso porque a folha é absolutamente não compensável. Acho, e estamos cada vez mais próximos disso, que é uma mudança que podemos fazer sem muito alarde – sem tentar fazer reforma tributária, que cada vez que tentamos fazer dá um problema danado no Congresso. Veja um exemplo: um banco de couro do carro tem a folha de pagamento do sujeito que criou o boi, depois a folha do curtume, a folha do transportador. Se incluirmos todas as etapas de cada peça de um automóvel, é muita coisa. Qual percentual desse produto tem essa tributação perversa, que não é possível compensar?

 

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DINHEIRO — Então o objetivo não é apenas criar mais empregos, mas também desonerar o produto.

Pimentel — Exato. Isso é competitividade. Isso não vai ser feito de hoje para amanhã, mas, se nós conseguirmos mudar a forma de tributação, teremos um salto de competitividade. Podemos tributar só o produto. Quanto mais longa a cadeia, mais tributo não compensável. Isso precisa mudar. 

 

DINHEIRO — O câmbio vem subindo. O sr. acha que isso pode dar um refresco para a indústria exportadora?

Pimentel — Subiu no mundo inteiro em função da crise europeia, e houve nova corrida para os papéis dos EUA, mas não sei se isso se sustenta. Está tudo muito indefinido. Que nome deve se dar para essa situação que vivemos? Incerteza. Não é o momento de fazermos nenhum movimento brusco.

 

DINHEIRO — Vale deixar a inflação num nível acima do teto da meta, em nome do crescimento?

Pimentel — Não, ninguém vai deixar a inflação mais alta. Ela está cadente. Para chegarmos a 4,5%, é preciso passar por estágios. Vamos perseguir o crescimento com menos inflação. Veja a ordem: crescimento, com menos inflação. Dessa forma, é colocar uma escolha de Sofia cruel: de que, para ter crescimento, é preciso ter inflação. Não tem e não vai ter. Ao contrário, tomamos as medidas macroprudenciais, caiu o crédito ao consumidor. E continuará caindo, porque vínhamos de uma economia muito aquecida. Mas se o Brasil crescer 4% está bom. 

 

DINHEIRO — O Brasil tem um mercado interno forte, mas que consequência pode haver se ocorrer uma forte recessão no resto do mundo?

Pimentel — Se a China reduzir as compras,  nós vamos passar um aperto. O Brasil está dependente, do ponto de vista da balança comercial. Se não tivermos isso, nós vamos morrer? Não. Nós temos o mercado interno. A balança se ajusta. O que desequilibra nossas contas hoje é a balança de serviços – os brasileiros viajam muito para o Exterior, compram serviços lá fora. Mas isso é um efeito do crescimento econômico. 

 

DINHEIRO — Como é possível continuar crescendo sem dependermos lá de fora?

Pimentel — Isso não tem jeito. Conhece algum país que fez isso? Sempre seremos uma nação grande exportadora de commodities agrícolas e minerais.