Pandemia: segmentos como casa & decoração ganharam, bares & restaurantes perderam; deliverys ganharam, shoppings perderam. O mundo que começa a sair da pandemia vem ferido, mas com aprendizados importantes. É assim para a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). Os lojistas tiveram motivos para comemorar já em 2021, quando o setor acusou o aumento de 23,6% (R$ 159,2 bilhões) nas vendas na comparação anual, quando começou a crise sanitária — o faturamento havia recuado 33% em 2020, para R$ 128,8 bilhões, frente aos R$ 192 bilhões de 2019. Glauco Humai, presidente da entidade, acredita que a marca de 2019 possa ser superada em 2022, tendo em vista datas importantes no calendário até o fim do ano, como Black Friday, Copa do Mundo e Natal. Bom sinal para um setor que representa ao menos 2,3% do PIB do País e é responsável por 3,1 milhões de empregos na cadeia, sendo 1,1 milhão diretamente nos shoppings.

DINHEIRO – Dois anos e meio depois, como o setor se comportou na pandemia?
Foi o momento mais difícil da história do segmento. Eu brinquei com o ministro Paulo Guedes [Economia] que se a pandemia foi um meteoro, caiu bem em cima de um shopping center na Terra. Foi devastador. Porque tornou-se o único setor que recebe pessoas a ficar completamente fechado por longo tempo, em algumas cidades por até seis meses. E isso para um mercado que vive de fluxo de pessoas, de rendas diárias, para poder gerar o seu caixa, o seu fluxo, e fazer rodar toda a sua cadeia produtiva. Foi avassalador.

Como está agora?
Deixamos de cobrar aluguel de lojistas por praticamente três meses, abrimos mão de receber verbas de fundos de promoção, condomínios, fornecemos empréstimos para lojistas, renegociamos contratos com fornecedores. São mais de 110 mil lojistas em shoppings. Houve um investimento de mais de R$ 5 bilhões do setor diretamente nos lojistas. E o resultado veio. A inadimplência, que chegou a 16% no primeiro semestre de 2021, caiu para 6%, além de estar negativa em alguns shoppings. E a vacância, que alcançou 11%, está em 6%, muito próxima da média histórica de 5,1%. Então, a pandemia mostrou que o setor é pujante, acredita, investe, está preparado para as adversidades.

E as lições aprendidas?
A pandemia acelerou muitas mudanças que deveriam ocorrer entre 2021 e 2024. Acelerou a transformação digital, a confluência entre o físico e o digital. Em 2019, 18% dos shoppings tinham plataforma de e-commerce. Pulamos em 2022 para praticamente 50%. Hoje, 89% dos shoppings têm delivery. Antes da pandemia esse número não chegava a 30%. Essas ferramentas que surgiram como uma forma de manter a venda, o fluxo, foram muito bem incorporadas e aceleradas, assim como o drive thru e as entregas no mesmo dia.

O consumidor retomou a confiança em frequentar shoppings?
Os shoppings tiveram 502 milhões de visitas em média, por mês, em 2019. Esse número caiu para pouco mais de 300 milhões na pandemia. Agora já voltou para 350 milhões. Acreditamos que vamos fechar o ano com algo próximo a 500 milhões, de novo. O público brasileiro adora shopping.

Qual tem sido o desempenho do mercado, principalmente em relação a 2019, antes da pandemia?
Fechamos o primeiro semestre de 2022 com crescimento de mais de 36% nas vendas na comparação com o mesmo período do ano passado. Já em relação a 2019 estamos encostando [nos números]. Os resultados já estão praticamente iguais. Nas datas comemorativas já até maiores do que 2019, que é o nosso alvo.

Qual a perspectiva?
Ainda teremos algumas datas neste semestre que estimulam muito o nosso setor, como a Copa do Mundo, que acelera muito a venda de material esportivos e de eletrônicos, como televisão e celular. Temos também a Black Friday, as eleições, que injetam algum recurso que é utilizado diretamente no varejo e muito em serviço. E o Natal, a data mais importante do calendário. Acho que fecharemos o ano, se não como em 2019, muito próximos. Encerramos 2019 com quase R$ 200 bilhões em vendas. Em 2021, R$ 159 bilhões, queda de 20%. A expectativa para 2022 é de um incremento de 27%, 28% na comparação com 2021 [o que significa superar a casa dos R$ 200 bilhões].

É possível constatar que os shoppings deixaram de ser apenas um centro de compras e se tornaram polos de serviços. Pode-se dizer que o setor soube se transformar?
Sim, mas nem chamo de transformação. Chamo de evolução, porque está no DNA do shopping essa constante evolução e essa adequação às mudanças e à evolução da sociedade. Na década de 70 era inimaginável ter cinema em shopping, porque era perda de dinheiro, ocupação de espaço, não ajudava na venda. Hoje em dia não se inaugura um shopping center sem cinema. No Brasil 90% dos cinemas estão dentro de shopping. Antes não havia estacionamento, merchandising, evento, área gourmet. O setor foi evoluindo à medida que a sociedade foi se sentindo mais segura e mais contemplada com os serviços e com o atendimento do shopping. E esse foi o pulo do gato. Essa foi a grande sacada do setor que tornou o Brasil referência do segmento no mundo.

Como se dá essa relação com outros mercados?
Recebemos anualmente delegações de diversos países que vêm ver e entender o nosso modelo de negócio, porque os Estados Unidos, que criaram o shopping, ficaram para trás. Lá, o shopping continua sendo um centro de compras. Aqui não. Ele já foi um centro de compras, de lazer, de entretenimento e, hoje, é um centro de conveniência. A pessoa vai à Polícia Federal, ao banco, à lavanderia, ao correio, ao cinema, almoça, compra, resolve a vida. E essa evolução está ligada às transformações tecnológicas mais recentes, às microlojas, aos espaços de coworking, às lojas pop-up, além de outras que nem vendem mais, só mostram os seus produtos através de showroom.

Diante dessa evolução, qual a tendência para o segmento?
Os shoppings vão continuar investindo muito em tecnologia para facilitar a compra. Muitas vezes a experiência do cliente na loja é muito gostosa. Ele sente o produto, customiza, experimenta. Aí na hora de ele pagar tem um atrito ali. É ruim, demora, tem fila e precisa carregar o produto. Estamos caminhando para uma redução muito grande desse atrito na hora da compra, para que possamos competir cada vez mais também com o e-commerce. Mas competir no sentido de trazer o e-commerce para dentro do nosso negócio, porque você pega grandes marketplaces, você compra em três, quatro cliques. E a experiência de compra física ainda é demorada.

Qual a saída?
Visitei a China recentemente. Lá, as compras são muito mais fáceis por meio de reconhecimento facial e digital. Você mesmo paga as compras mostrando o rosto, sem tirar cartão, sem tirar celular, sem nada. Caminhamos muito para isso. Outra coisa é a questão do last mile, as entregas. As pessoas vão sair cada vez menos com os produtos das lojas. Vão receber em casa ou no trabalho de forma muito mais célere. Ou você poderá retirar os produtos no seu shopping em qualquer horário, mesmo fora do período de atendimento. Sem contar todo o backoffice de segurança, de big data, de entender o cliente, as dinâmicas de consumo que vão oferecer vitrines mais inteligentes, produtos mais customizados, experiências mais assertivas para o cliente. Isso a internet não permite.