22/06/2004 - 7:00
O agricultor francês José Bové, que chefia a ONG
Via Campesina, é uma espécie de enfant terrible da globalização. Já depredou lojas do McDonald?s,
queimou plantações de transgênicos e bloqueou
estradas para defender subsídios agrícolas. Por
isso, já foi preso três vezes. Presente ao encontro
da Unctad, Bové falou à DINHEIRO.
DINHEIRO ? As exportações de alimentos dos países pobres ainda esbarram nas barreiras impostas pelos países ricos. Por que o sr. é a favor dos subsídios?
JOSÉ BOVÉ ? ?Porque a globalização não tem só vencedores. A cada ano, 30 mil fazendas fecham na França. Isso é inaceitável e eu defendo os direitos dos camponeses. A agricultura, na minha visão, tem uma finalidade clara: alimentar a população dentro das fronteiras do próprio país. O livre comércio não cria riqueza nem empregos.?
O interesse de um camponês francês é o mesmo de um camponês brasileiro?
?Os interesses convergem. Num país como o Brasil, as exportações de alimentos crescem, mas as importações também. O neoliberalismo deixa um rastro de destruição por onde passa.?
Como o sr. avalia a política agrícola no Brasil?
?Lula foi eleito com duas promessas: acabar com a fome e fazer a reforma agrária. E o que me preocupa é que, nos dois casos, os avanços têm sido muito lentos. Lula faz um governo de coalizão e, hoje, eu não diria que sua gestão é de esquerda. Além disso, ele tomou uma decisão muito ruim, ao liberar os transgênicos.?
Por quê?
?Lula é pressionado pelo big business da agricultura brasileira, que é voltada à exportação. Mas a decisão é ruim para o Brasil porque os consumidores de dois dos principais mercados do mundo, Europa e Japão, cada vez mais viram as costas para os transgênicos. Liberá-los foi uma medida tomada com visão apenas de curto prazo. E o Brasil pagará um preço por isso.?
As lavouras transgênicas são mais produtivas, não?
?Ainda há muitas controvérsias em relação a isso. Mas mesmo que fosse verdade, de que adiantaria ganhar produtividade e perder mercado no comércio internacional??
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra tem radicalizado as ações no Brasil. O sr. concorda com isso?
?Sou absolutamente solidário com o MST e fui um dos incentivadores do ?abril vermelho?. O MST é hoje um dos movimentos de trabalhadores rurais mais organizados do mundo e já inspira ações na Índia e na África do Sul. Deveria ser mais admirado no Brasil.?
Mesmo quando invade propriedades produtivas?
?O Brasil é um retardatário mundial na questão da reforma agrária e isso explica a crise social do País. O que me preocupa não são as invasões de terra, e sim a lentidão do governo Lula em fazer a reforma avançar.?
O sr. virou uma celebridade do movimento antiglobalização ao fechar estradas e queimar plantações. Por que agiu assim?
?Porque há momentos na vida em que, esgotados todos os recursos legais, é preciso agir para provocar uma tomada de consciência na opinião pública. E agir de maneira clara, assumindo os riscos da ação. Eu, por exemplo, fui preso três vezes lutando pela causa dos camponeses.?
Por que o sr. depredou o McDonald?s?
?O McDonald?s é um símbolo de uma alimentação ruim e padronizada. Agi num momento em que eles pretendiam vender carne tratada com hormônios na Europa. Veja, um dos grandes problemas do mundo é a obesidade. E o McDonald?s tem
algo a ver com isso.?
Qual será a próxima ação de José Bové?
?Eu vou continuar lutando por um maior acesso à terra pelos camponeses e seguir combatendo os produtos transgênicos. Se quiserem me prender por lutar pelas coisas nas quais eu acredito, que me prendam.?