06/04/2023 - 4:40
Patrícia Ellen, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico de São Paulo e sócia da consultoria Systemiq, tornou-se também sócia do empresário Alex Allard no hub de economia verde Aya Earth Partner, instalado no ultraluxuoso complexo Rosewood, em São Paulo. E chega ao mercado já robusta, com 30 empresas parceiras que juntas somam mais de R$100 bilhões em faturamento. Coloque na descrição um objetivo um tanto ousado de se cumprir: “Contribuir com a transformação das empresas para que o Brasil possa se tornar a primeira grande nação carbono zero até 2030 e carbono positivo até 2050”. Para a executiva, no entanto, essa proposta que pareceria impossível há cinco anos hoje não é só factível como é imprescindível. “Quando se fala em descarbonização de empresas, o custo da inação é muito mais alto do que o custo da ação.” Para ajudar seus clientes, o hub investirá em serviços como educação, mentoria, conexão de fornecedores e também servirá como espaço para networking. A seguir, a entrevista de Patrícia Ellen à DINHEIRO.
Entre tantos temas no guarda-chuva do ESG, por que a escolha pela meta do carbono zero?
Porque acreditamos quando os cientistas dizem que a gente tem uma janela de tempo de três a cinco anos para salvar a humanidade. Se não fizermos esse trabalho, vamos passar do limite de aquecimento de 1,5ºC. A escolha pelo carbono, na verdade de todos os gases de efeito estufa, incluindo o metano, é porque é a métrica já em uso dentro de todas as empresas. Mas a Aya também olhará para pessoas com indicadores de desigualdade, e para negócios. Nesta última frente, analisaremos os avanços do País, onde a métrica é o PIB; e das empresas, com análise do faturamento, da margem e da valorização das ações. Sempre correlacionando os índices com a economia verde.
É possível exemplificar essa análise das corporações?
No ano passado, por exemplo, as empresas do agro brasileiro tiveram resultados muito bons, especialmente em exportação. A receita foi boa. Mas o price earnings ratio (índice Preço/Lucro) foi ruim. Em geral, o valor das nossas empresas está com desconto quando comparado a concorrentes do mesmo setor. Isso é explicado pelo componente da sustentabilidade. O agro tem a grande oportunidade de ser o maior exemplo de transição para o modelo sustentável. É um dos únicos setores do mundo que, numa escala tão grande, consegue de um dia pro outro virar o modelo de negócio, ganhar valor de mercado, ter impacto positivo na matriz de carbono e na transformação social do País. Isso deveria resultar em um prêmio para a companhia, mas como somos vistos como um detrator ambiental, sofremos desconto.
Só que na tese do carbono zero será preciso enfrentar setores muito poderosos da economia atual. Indústria, agro… Como superar essa barreira?
A Aya não quer fazer nada sozinha. Por isso o modelo de coalizão. Mas é fato que todo mundo tem que mudar. Não há como descarbonizar a economia sem renúncias dos setores tradicionais. A boa notícia é que para grande parte dos setores no caso do Brasil, a renúncia dá retorno. Claro que há riscos, mas é calculado e com altíssimo potencial de retorno. Um exemplo é a mineração. Para a transição global, vamos precisar de níquel, cobre, minério de ferro. Precisamos falar sobre a necessidade de fazermos uma mineração sustentável para resolver a crise climática global.
Como está o Brasil no contexto dessas discussões de inovações disruptivas?
Acabei de voltar do SXSW, em Austin, onde se pensa o futuro. Até o ano passado, a pauta de sustentabilidade praticamente não existia. Este ano ocupou de 10% a 20% dos tracks de conteúdo e o Brasil não participava de nenhum painel. Isso é impensável. Hoje os padrões são definidos por outros e a gente corre atrás. Estamos fora desses fóruns. Um de nossos objetivos é colocar o Brasil nos fóruns globais como parte da solução. Por isso o carbono. Porque dá pra medir.
Mas dá mesmo?
Dá. Dentro das empresas é mais fácil ainda, porque o modelo da mensuração é com base no GHG Protocol (em tradução simples, protocolo de gases de efeito estufa) definido por coalizões globais com metas por setores até 2049 e submetas para 2030 e 2045.
Ok, mas na compensação é possível acreditar nos dados?
Temos tecnologia para isso. Tokenização, blockchain. O difícil é coordenar essas tecnologias e aplicá-las em escala. Outro ponto é a ética das empresas. Esse problema não acontece só no Brasil, é um desafio global. Só que aqui temos uma questão adicional: a demora em regular o mercado. O de carbono já deveria estar consolidado e nós deveríamos estar discutindo o mercado de metano. Lá fora, já participo de debates sobre a criação do mercado de plástico. Mas um detalhe importante da pergunta: o foco deve ser mais na redução das emissões de gases de efeito estufa do que na compensação. Porque na compensação, o greenwashing é muito mais fácil.
Há um efeito colateral possível que é uma realocação e redistribuição de renda. Os empresários brasileiros estão dispostos a expandir o grupo?
Se tiver algum empresário brasileiro que não entenda o seu papel e o seu dever de contribuir para redução das desigualdades, ele não deveria estar ocupando um cargo de liderança no País em que a gente vive. O Paul Pullman [ex-CEO da Unilever], no livro Impacto Positivo, fala exatamente isso: que o papel de uma liderança no setor privado é, entre outras coisas, deixar um legado, ou diminuindo o mal ou aumentando o bem que faz para uma sociedade. O papel de um CEO é gerar valor ao acionista. Sem ações sustentáveis, o patrimônio do acionista em vez de estar crescendo, está sofrendo desconto.
Na teoria funciona, mas na prática vemos trabalho escravo como os recentes casos em propriedades rurais e seus fornecedores.
Mas aí é crime. Essas pessoas deveriam estar presas. Aqui estamos falando de empresas idôneas. Elas não estão fazendo contas e quando fizerem vão chegar a uma só conclusão: a sustentabilidade no Brasil dá dinheiro.
Vocês já fizeram alguma estimativa desse mercado?
Está no relatório A Maratona da Amazônia: Como o Brasil Pode Liderar a Economia de Baixo Carbono da Amazônia para o Mundo, produzido pelo time da Aya. Na economia verde são US$ 150 bilhões até 2030 para o PIB brasileiro. Só na bioeconomia são cerca de US$ 50 bilhões, mas tem um porém: é a área de mais alto risco porque precisa de investimentos. Mas para cada real investido na bioeconomia, o retorno é de quatro, cinco vezes. O problema está na indústria, onde o retorno não virá proporcionalmente no curto prazo. Para algumas indústrias haverá necessidade de incentivos.
Pode dar mais detalhes?
Vou pegar o ICMS. Se analisarmos a matriz tributária hoje do estado de São Paulo, ela não incentiva, no líquido, a economia de baixo carbono. Ele é o mesmo dos setores tradicionais. Então, precisaríamos ter uma revisão imediata de tributos para fazer uma realocação proporcional e criar incentivos diretos para que a transição aconteça. Mas no fim a conta será positiva para todos.