No mundo do luxo, a maison francesa Hermès é conhecida pelo refinamento discreto de seus objetos – que vão desde gravatas até talheres. Fundada em 1837como uma selaria, a grife vive hoje uma situação desafiadora. O centro de seus negócios, a Europa, enfrenta a maior crise em 60 anos, e os mercados em expansão, como Brasil e China, ainda mantêm um mercado restrito a produtos caríssimos. Afinal, a Hermès chega a cobrar R$ 1 mil por um simples – mas exclusivo – lenço de pano. Seja qual for a estratégia, tem dado certo. Em sua história, a companhia nunca fechou no vermelho. Em visita ao Brasil, o vice-presidente Patrick Albaladejo, contou à DINHEIRO como enxerga o mercado nacional de luxo e por que a classe média ainda tem dificuldades em adquirir produtos da marca.

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“No setor de produtos de luxo, o Brasil é um mercado imaturo, exclusivo à elite.
O brasileiro quer consumir, mas os impostos não deixam”

 

 

O foco da Hermès no Brasil é a classe média?

Certamente. Em países como a China e a Rússia, a classe média já consegue adquirir nossos produtos. No Brasil, a situação é complicada devido à alta tributação. Percebo que existe uma classe média brasileira com apetite para as nossa peças, mas que não consegue satisfazer essa vontade porque os impostos não deixam. Dentro dos países do Bric, excluindo a Índia, o Brasil é o que encontra mais dificuldades para melhorar o desempenho, tornando o país um mercado imaturo, exclusivo à elite. O brasileiro quer consumir, mas os impostos não deixam.

 

É verdade que um mesmo objeto no Brasil chega a custar mais do que o dobro do preço do da Europa?

Sim. Muitos brasileiros deixam para comprar suas bolsas, lenços e roupas Hermès no Exterior. Como não existem coleções locais – os produtos ofertados no Brasil são os mesmos de Paris e nossos clientes são pessoas que estão sempre viajando –, torna-se mais vantajoso para eles comprar fora do Brasil. Diante desse cenário, a maior concorrente da loja brasileira, no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, é a loja da própria matriz, em Paris.

 

O que justifica, então, manter uma loja Hermès no País?

É estrategicamente importante. No momento, temos apenas uma loja no Brasil, mas pretendemos, até 2013, abrir a segunda unidade, que pode ser em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Quando inauguramos a loja em São Paulo vendemos em um mês o que era esperado para o ano inteiro. Vemos grande potencial no mercado brasileiro.

 

Existe diferença no gosto ou no estilo entre um cliente brasileiro e o europeu?

Definitivamente, não. Somos uma grife que preza pelo bom gosto e pela qualidade em qualquer lugar do mundo. Nossos clientes buscam isso. O que acontece é que os brasileiros ainda se interessam mais por produtos icônicos, que lhes conferem um certo status social. É o caso da bolsa Birkin, que custa R$ 35 mil no Brasil. 

 

Os produtos icônicos são os mais procurados pelos consumidores brasileiros?

Não. Eles devem representar no máximo 25% do total mundial de vendas. O restante é garantido por itens exclusivos como as gravatas e lenços de seda, perfumes e carteiras, entre outros. São peças sóbrias. Nada de brilhos e dourados. Nosso estilo é clássico. 

 

A Hermès foi a primeira maison de luxo a entrar no comércio eletrônico. Isso não poderia ter popularizado a grife e descaracterizado a marca?

Não foi o que aconteceu. Apostamos no e-commerce sabendo que o cliente online não é o mesmo que irá comprar pela primeira vez um produto assinado pela Hermès. É alguém que já conhece nossa cultura e não sente a necessidade de se dirigir até uma loja física, por questões de tempo e comodidade. Começamos com o comércio eletrônico nos Estados Unidos e hoje esse tipo de operação, se fosse uma loja física, seria a quarta no ranking de faturamento. A primeira é a de Nova York. 

 

Como está o caso entre a Hermès e o grupo LVMH de Bernard Arnault, que detém 21,4% das ações?

Conseguimos no tribunal de Paris o direito de constituir uma holding com mais de 50% das ações. As vendas e aquisições dessas ações só podem acontecer no âmbito da própria holding. Hermès e LVMH estão em lados opostos. O interesse deles é financeiro, o nosso é cultural. Aproximadamente 350 artesãos trabalham com o couro, nossa matéria-prima, da mesma forma há mais de  100 anos.

 

Ao longo dessa história centenária, a Hermès nunca fechou no vermelho. Qual foi a estratégia?

Os bons resultados são embalados por uma estratégia de longo prazo. Se produzirmos mais, venderemos na mesma proporção. A Hermès, no entanto, precisa de três anos para formar um artesão habilidoso. Não é uma questão de comprar outras máquinas, é um custo humano. Aliás, a Hermès não se posiciona como uma companhia de luxo, mas como uma casa de artesanato excepcional, que produz objetos resistentes ao tempo. Nosso segredo é combinar artesanato e criatividade. 

 

A pirataria de marcas de luxo é algo que preocupa a Hermès?

Não. Quem conhece nossos produtos logo percebe o acabamento, a costura dupla, o tipo de forro, detalhes impossíveis para a indústria da falsificação. Nossa qualidade é tão boa internamente quanto externamente. 

 

Quais são os próximos desafios para a Hermès no Brasil e no mundo?

Continuar comprometida com materiais da melhor qualidade e perseguir o ideal de excelência para todos os nossos produtos. Só entramos em um novo nicho de negócios se pudermos fazer a diferença.