Nascido e criado em São Paulo, Rafael Grassetti está entre os maiores nomes brasileiros do universo de games em todo o planeta. Ele começou na indústria como modelador digital e hoje acumula uma bagagem de mais de 17 anos em experiência na indústria do entretenimento, sendo um dos escultores digitais mais conhecidos do mundo. Ao longo da carreira, ele contribuiu para algumas das franquias mais bem-sucedidas dos games, como Mass Effect e Dragon Age. Além disso, ganhou diversos prêmios, incluindo o de melhor diretor de arte, NAVGTR Award (por design de personagem) e melhor escultor digital. Atualmente está vinculado ao Santa Monica Studio, de desenvolvimento de jogos da Sony. Desde 2013 atua como diretor de arte na franquia God of War, que já vendeu mais de 23 milhões de unidades, contando os oito jogos diferentes lançados e somando aproximadamente US$ 500 milhões, segundo a Playstationlifestyle.

Como você começou no design gráfico?
Sempre fui meio invocado nessa parte de arte. Em 2000, tive a oportunidade de começar a trabalhar com marketing e publicidade no Brasil, segmento que acabou me levando para essa parte de criação de personagem. Acabei gostando. Fiz faculdade de design no Brasil, mas não me formei, porque na época eu comecei a trabalhar em estúdios em São Paulo. Eles foram realmente minha escola, trabalhando com produção de comerciais, impresso ou coisas do tipo. E foi isso que me levou à criação de personagens.

Você já começou a carreira nos games?
No começo eu ainda não conhecia muito sobre produção de games. Nem tinha exposição a isso, o que é algo difícil de acontecer no Brasil também, né? Na época, quando eu comecei a fazer esse tipo de trabalho de publicidade e marketing, passei a receber algumas propostas para trabalhar com jogos. Fui aprendendo conforme fazia e trabalhava com essas empresas de fora do país, como Ubisoft e algumas outras.

Como surgiu a oportunidade de seguir para o exterior?
Já trabalhando para empresas de fora, aqui do Brasil, surgiu a oportunidade de ir para o Canadá, trabalhar com o Mass Effect [franquia de sete jogos de ficção científica] na BioWare. Foi aí que minha carreira realmente começou dentro da indústria. Fui aprendendo realmente como se faziam os games, tive exposição às ferramentas e outras coisas que os estúdios usam e são difíceis de obter do lado de fora.

Como foi a ida para a Sony?
Eu já tinha um contato com a Sony, na época que eles tentaram abrir um estúdio em São Paulo. E apareceu essa oportunidade de vir para a Sony nos Estados Unidos, onde eu estou há dez anos. Eu aprendi e continuo aprendendo muita coisa nesse mundo dos jogos.

Você enfrentou alguma dificuldade ou preconceito por ser estrangeiro?
Eu acho que a indústria, por ser tão variada em termos de nacionalidade, não há esse preconceito em relação a sua origem, até porque é uma indústria que exige muito talento. Você precisa contratar muita gente porque o segmento cresce todo ano e há cada vez mais estúdios aparecendo com novos investimentos. É bem competitivo em relação a isso, então a indústria sabe que precisa de talentos do mundo inteiro para poder funcionar, principalmente nos Estados Unidos. A dificuldade maior é conseguir vir para cá e entrar na indústria saindo do Brasil. A parte de visto é difícil, além de outro ponto complexo que é o profissional conseguir ter uma boa experiência e bagagem dentro do Brasil.

O que você faz pessoalmente para mudar esse cenário?
Eu contrato bastante gente do Brasil. Estou sempre tentando contratar artistas que eu conheço. Por causa da pandemia as portas se abriram um pouco mais para isso. Contratar alguém de fora do país sem a pessoa ter que vir para cá facilita um pouco, mas ainda acho que a maior dificuldade é a pessoa conseguir se envolver no mundo dos games trabalhando de fora. O conselho é continuar tentando vir para cá, forçando essa barreira. Mesmo com os artistas brasileiros que trabalham comigo, é muito difícil a gente mandar um dev kit [kit de desenvolvimento usado na produção dos jogos] para o Brasil. Existe uma barreira de aprendizado de conhecimento quando você não está envolvido dentro do estúdio e do país. O maior impedimento é esse gap de conhecimento que é difícil de conseguir não estando aqui.

Qual a maior diferença de um estúdio brasileiro de games para um como o Santa Monica Studio, da Sony?
A maior diferença é a maturidade do estúdio em relação ao cronograma, tamanho dos projetos e investimento. Fora isso, a organização é a principal diferença. É tudo muito organizado e específico. Quando vai ficar pronto, o que vamos fazer em cada etapa, quanto vai custar ou quem vai trabalhar com isso ou aquilo. A organização é muito grande pelo número de pessoas que a gente tem. Chegamos a trabalhar com centenas de artistas ao mesmo tempo e até outros estúdios aqui da Sony. Tem muita gente, diferentemente dos estúdios no Brasil.

O Brasil tem potencial para ter um estúdio grande que consiga emplacar um jogo triple A (com os maiores orçamentos e níveis de promoção)?
Para falar a verdade, eu não sei nem como a gente, aqui nos EUA, consegue entregar um triple A, porque o desafio de fazer um jogo dessa escala é muito grande. As maiores dificuldades são o investimento e os talentos, sendo algo que vem se construindo por muitos anos nos Estados Unidos e em outros países. Quando você tem esse tipo de investimento para fazer um jogo, mesmo no Brasil, ainda falta você conseguir os talentos com experiência e os estúdios que já tentaram fazer acabam trazendo pessoas de fora. Por outro lado, as ferramentas estão ficando mais acessíveis e você não precisa mais desenvolver todas dentro do estúdio. Então, conforme o tempo vai se passando, as coisas vão se facilitando um pouco.

Qual a diferença dos games para outro produto audiovisual?
Quando a gente consegue alinhar a parte de storytelling com a parte cinemática, junto de uma boa experiência de jogo, você acaba construindo um universo que seja realista o máximo possível. Aí que está a magia dos games. Você consegue viver o que está acontecendo.

Qual a diferença em criar uma narrativa para um jogo e um filme?
A narração e a história são contadas de uma forma linear, assim como nos filmes, e os pontos jogáveis são inseridos na história para tornar a experiência mais interativa. No desenvolvimento do God of War, uma das dificuldades foi o cuidado com a preservação da mitologia presente no enredo, que é a nórdica. A gente começou a estudar sobre, mas existem poucas informações, o que é bom e é ruim ao mesmo tempo, porque a gente acaba não tendo tanta referência. Mas podemos colocar nossa interpretação daquilo também.