Por Beto Silva

Lucas Delgado se apresenta como “um engenheiro apaixonado por inovação e empreendedorismo baseados na ciência”. A formação foi na Universidade Federal de Juiz de Fora. E durante a faculdade já mostrava seu espírito empreendedor aguçado. Liderou o movimento Empresa Júnior e foi diretor da Confederação Brasileira de Empresas Juniores, que representa mais de 28 mil empreendedores de 1,6 mil organizações sem fins lucrativos. Foi uma das cabeças que criou o ranking de universidades empreendedoras do País. Sua preocupação sempre foi colocar em prática o conhecimento adquirido em sala de aula, com um olhar que vai além da pesquisa e extensão. Essa característica inata aliada à inquietação de ver a produção científica longe da indústria que Delgado criou a Emerge em 2017, juntamente com Daniel Pimentel e Rodrigo Brito. A empresa conecta cientistas de todo mundo a companhias que visam avançar em inovação. Nesta entrevista, ele fala dos desafios do setor e como estão os investimentos públicos e privados em ciência.

Como surgiu a ideia de criar a Emerge em 2017?
Brasil é o 15º maior produtor de artigos científicos do mundo. Melhoramos em inovação pela Global Innovation Index de 2022 e estamos na 54a posição. Somos respeitados em diversas áreas científicas, temos laboratórios estruturados. Mas não estávamos vendo isso se converter em inovação e competitividade. E não existe nação que prosperou sem ter na sua equação ciência, tecnologia e inovação. Existe aqui uma barragem e não estamos sabendo abrir as comportas de maneira correta.

Queríamos contribuir e entender por que cientistas não estavam transformando pesquisas em negócios. Inicialmente, ajudamos cientistas a criarem negócios. Foram criadas 40 startups de base científica, entre elas BioLinker, inclusive investida pelo CEO do iFood, Fabricio Bloisi, e a TissueLabs, que visa imprimir o primeiro coração em impressora 3D.

E depois a empresa evoluiu para qual modelo de negócio?
Conseguimos algumas evoluções, mas não o suficiente em dois aspectos. Não estávamos conseguindo destravar a comporta e como negócio não era sustentável. Em 2019 transitamos para um modelo de empresa para não só empurrar a ciência para o lado do mercado como também trazer o mercado para o lado da ciência. Hoje somos uma consultoria de inovação focada em deep techs. Trabalhamos com soluções que utilizam ciência para construir soluções.

Como tem sido o interesse do mercado?
Hoje temos clientes em grandes campos da indústria, com mais de 40 projetos com campanhas como Ache, Natura, Eurofarma, Novarts, Boticário e outras. Facilitamos os resultados entre esses dois universos. Apoiamos a compreensão de campos estratégicos, auxiliamos na análise de P&D, indicamos tecnologias para serem acopladas, construímos business case dessas soluções. Transformamos tecnologia em um projeto capaz de ser avaliado pela companhia. Falamos em conceito mais amplo da inovação, como contratos de codesenvolvimento, serviços, licenciamentos tecnológicos, criação e investimento em startup. Agora temos uma comporta realmente aberta. Acertamos a direção como negócio e contribuímos com a elevação do propósito de aproximar ciência e mercado para elevar a competitividade.

Tem de ter tecnologia para essa conexão?
Temos mais de 100 universidades parceiras no Brasil e no mundo, com 30 mil cientistas cadastrados. Nossa metodologia é baseada em análise bibliométrica. Temos metodologia e tecnologia proprietária para essa busca. Olhamos as principais bases de publicações e patentes mundiais e recortamos para encontrar quem tem a ciência que interessa às empresas. Depois disso, contatamos os cientistas para entender o ecossistema. Estamos trabalhando agora na busca de moléculas de tratamento de dor junto coma Eurofarma, por exemplo.

Entre 2019 e 2020, o momento global era de apreensão com a pandemia de Covid-19 e no Brasil a ciência era colocada em xeque. Como passaram por isso?
Foi um período difícil não só pelo questionamento da ciência, mas pelo esvaziamento forte dos investimentos da ciência, praticamente desde 2015 e de forma mais aguda a partir de 2019. A ciência não deixou de ser produzida, não tem reflexo agora, mas vai ter nos próximos 10 anos. Houve sucateamento muito grande da ciência. Vai demorar um pouco para ajustar. Sobre os questionamentos que a ciência recebeu, foram duros de assimilar, porque é a causa que a gente vive, acredita e trabalha. Foi incompreensível.

Qual sua avaliação sobre a atual situação dos aportes governamentais na ciência?
Retomamos uma corrida que é uma maratona, não é de 100 metros. Houve melhora, mas precisamos tornar isso mais previsível na questão de financiamento. Temos exemplos interessantes no Brasil. A própria Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], que tem previsibilidade de recursos atrelado ao ICMS do Estado. Cria constância. Precisamos nacionalmente de algo mais sólido sobre isso. Houve agora reajuste de bolsas de estudos, comemoramos isso, temos um movimento ocorrendo, porém precisamos de estratégia de longo prazo no País, tanto de ciência como de inovação. Não adianta atacar em todas as frentes. Estamos em caminhada inicial e precisamos aproveitar nossos potenciais. Temos dois ativos valiosos para trabalhar a pauta climática, por exemplo: biodiversidade e matriz energética renovável.

Como observa a formação do cientista brasileiro?
Pela ótica da ciência voltada à inovação, existe um preconceito que deveríamos estar dispostos a desconstruir que é o de falar que a academia não quer se envolver com a indústria. Nossa pesquisa com 697 cientistas mostra que 100% deles querem ter ou estão em relacionamento direto com a indústria. Nem toda ciência foi feita para chegar ao mercado de imediato. Mas definitivamente muita ciência quer e tem foco de chegar ao mercado. Vemos muitas coisas acontecendo nas universidades, como a consolidação dos núcleos de transferência tecnológica. Existe uma jornada a ser percorrida.

E na questão da infraestrutura?
Temos extremos. Por um lado, há laboratórios superestruturados que não perdem nada para o de países desenvolvidos, como do IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas] da USP, do Senai, da Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial]. E do outro lado é inacreditável pensar que produzimos uma ciência de ponta com estrutura tão precária em alguns locais.

O que falta para que o cientista chegar de maneira mais fácil até a indústria?
Muitas coisas. Mas a hélice tríplice é fundamental. No campo governamental, falta estratégia nacional. Decidir campos e áreas que serão exponenciais e promissoras em um ciclo de 8 a 10 anos e, obviamente, consolidar a segurança jurídica para que isso aconteça. Sob o aspecto da universidade, ela precisa incluir e priorizar um pouco mais a quarta missão, de criar oportunidades. O graduando e o mestrando, quando pensar em ciência, não podem apenas ter a opção de virar professor. É possível ser cientista inovador e empreendedor, mas é preciso mostrar os caminhos e as ferramentas para isso. É preciso uma ciência mais empreendedora sob a ótica da inovação. E do lado do mercado precisamos ter mais boa vontade de aproximar. As grandes empresas do mundo são relevantes por sua atuação em P&D. Essa discussão toda é muito pulverizada. Essa tríplice deve ser centralizada e robusta, e não ter debates pontuais apenas. E não falar para convertidos, mas ampliar. Essa construção de massa crítica foi um dos pilares do Emerge Deep Tech Summit, que realizamos dias 8 e 9 de novembro.

Como os fundos de investimento têm olhado para a ciência?
Estudo da Techstars, um dos principais fundos do mundo, revelou que os principais focos de aportes em curto prazo e para daqui a cinco anos são climate techs, deep techs e bio techs. Existe um conceito comum global que essa é a grande onda. É uma grande oportunidade, pois essa área ainda não foi explorada de maneira volumosa. O Brasil começa a acordar para isso. É preciso readequar essa régua e os investidores precisam ajustar seu risco em uma nova equação.