06/05/2018 - 7:16
Pelo menos 162 movimentos sociais disputam espaço na extensa fila por moradia na cidade de São Paulo. A relação inclui desde organizações com mais de 30 anos de atuação, que participam dos programas habitacionais, até grupos novatos tachados de oportunistas por aproveitarem a onda de ocupações de imóveis vazios para cobrarem aluguéis de famílias pobres submetidas a condições precárias de habitação.
O levantamento feito pelo Estado considerou as 149 entidades cadastradas no Minha Casa Minha Vida na capital paulista e outras 13 mapeadas pela reportagem, mas que não estão inscritas no programa federal. As maiores e mais tradicionais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), a Frente de Luta por Moradia (FLM) e a União dos Movimentos por Moradia (UMM), têm nas ocupações de terrenos e prédios um dos principais instrumentos para pressionar o poder público a construir novas moradias para a população de baixa renda.
Embora sejam as mais estruturadas, as três organizações e suas respectivas filiadas respondem hoje por apenas 28 das 206 ocupações no Município. As demais foram comandadas por movimentos independentes ou lideranças sem histórico de atuação na luta por habitação.
É o caso dos coordenadores do Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), responsáveis pela invasão do edifício no Largo do Paiçandu, centro da capital, que desabou na terça-feira, deixando, até agora, um morto, dois feridos e cinco desaparecidos. O MLSM cresceu com uma série de invasões em 2014 e seus líderes são acusados de achaque por cobrarem R$ 400 de aluguel e expulsarem quem não pagasse.
Abusos. Segundo moradores, a administração do local era autoritária. Amigos e parentes das lideranças tinham vantagens, como morar nos primeiros andares, onde o acesso era mais fácil e não faltava água. Não havia prestação de contas sobre o dinheiro recolhido. E mesmo com a arrecadação as condições do prédio eram precárias. “A gente sabia que não era totalmente seguro. Não morreu mais gente porque nós sempre dormimos com um olho aberto e o outro fechado”, conta a ajudante de cozinha Susana Santiago Sousa, de 43 anos.
As práticas denunciadas foram alvo de críticas dos movimentos mais tradicionais. Segundo líderes de FLM, UMM e MTST, as regras das ocupações devem ser sempre definidas em assembleias com a participação de todos os moradores. A cobrança de aluguel é vetada. Em alguns casos, porém, é permitida a arrecadação de uma taxa de manutenção para os gastos comuns do imóvel, como portaria e limpeza, mas essas despesas devem ser justificadas em prestações de contas periódicas.
“Esse valor não pode ser uma taxa. Tem de ser uma contribuição voluntária, não obrigatória. Ninguém pode expulsar um morador por ele não poder pagar”, afirma Osmar Silva Borges, membro da coordenação da FLM, entidade criada em 2004 que hoje conta com 13 filiadas, a maioria atuando no centro de São Paulo.
No MTST, organização de 20 anos que privilegia as ocupações de terrenos nas periferias, a regra sobre taxas é ainda mais rígida. “Podemos receber doações da sociedade e das próprias famílias, mas sempre em produtos, como alimentos, nunca em dinheiro”, diz Josué Rocha, um dos coordenadores.
Participação. Outra diferença entre os movimentos mais tradicionais e os “novatos” é a participação no diálogo com o poder público e a elaboração de propostas de políticas públicas. FLM e UMM, por exemplo, fazem parte do Conselho Municipal de Habitação e de outras instâncias governamentais de participação popular. “Quem tem uma postura que não é transparente, quem cobra aluguel, quem não organiza o povo para pressionar por política pública, a gente não chama movimento. Esses grupos (oportunistas) são uma deturpação. Nunca os vi em uma reunião de conselho ou em uma passeata de Prefeitura”, diz Evaniza Rodrigues, militante da UMM, entidade criada em 1987 e que hoje conta com mais de 30 filiadas na capital paulista.
Os movimentos mais antigos exigem participação prévia no grupo e até um cursinho de formação política de três meses para aceitar novos moradores. É o caso do Movimento de Moradia na Luta por Justiça (MMLJ), filiado à FLM, que tem três ocupações no centro com mais de 800 famílias. “Para entrar aqui é preciso conhecer a nossa história e o regulamento interno”, explica Júnior Rocha, coordenador da ocupação da Rua Mauá, antigo Hotel Santos Dumont, na região da Luz.
No prédio, ocupado pelo grupo há 11 anos, é proibido beber nos corredores e fazer barulho após às 22 horas. Consumo de drogas e violência doméstica são passíveis de expulsão. O movimento cobra mensalidade de R$ 180 das 237 famílias para bancar funcionários de limpeza, portaria e administração – e até câmeras de segurança. A prestação de contas é feita todo mês em assembleia com os moradores, como ocorreu na última sexta-feira.
“Não tem bagunça e é seguro. Todo mundo que entra tem de deixar documento na portaria. A parte ruim é que a gente nunca sabe até quando vai ficar aqui”, relata a desempregada Nilda Santos, de 26 anos, que deixou o aluguel de R$ 500 há quatro anos e já foi despejada de outra ocupação no centro.
Segundo o pesquisador Julio Braconi, que em seu mestrado pela USP estudou os movimentos de moradia no centro, as regras de segurança nos movimentos são rígidas para que não haja argumentos contrários à entidade. “Nas minhas visitas às ocupações, presenciei líderes dando broncas duras em moradores que deixavam materiais e sujeira espalhados. Também mantinham extintores. Tentam seguir todas as regras de segurança para não perder a ocupação”, relata. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.