26/09/2012 - 21:00
Um operador desastrado no BC
O economista Francisco Lopes, indicado para a sucessão de Gustavo Franco no comando do Banco Central (BC), em 13 de janeiro, poderia ser lembrado pela criação da exótica “banda diagonal endógena”, sistema que permitia a variação do real diante de uma faixa mínima e máxima. Seu legado, no entanto, é mais conhecido pelo escândalo do Caso Marka, episódio retratado pela Dinheiro, que denunciou as manipulações dos diretores do banco. Com o fracasso do novo sistema de câmbio, que não conseguiu manter o real na banda definida de, no máximo, R$ 1,32, o governo permitiu a livre flutuação da moeda. Com apenas três semanas interino no cargo, Lopes deixou o BC. As trapalhadas da desvalorização foram ainda piores. Dois meses depois, surgiram evidências de que o banco Marka, de Salvatore Cacciola, comprou dólar barato e lucrou com o novo sistema de câmbio. Além disso, Cacciola se abastecia de informações do próprio BC. Em 26 de abril, Lopes se recusou a assinar termo de compromisso de falar só a verdade, durante sessão da CPI dos Bancos, no Senado, e recebeu voz de prisão, saindo de lá algemado. O prejuízo aos cofres públicos, segundo a CPI, foi de R$ 1,6 bilhão.
Memórias do cárcere: Francisco Lopes (ao centro), em carro do Senado, a caminho da sede
da Polícia Federal. Francisco Lopes, ex-presidente do BC, após receber voz de prisão
no senado: ”Sou um homem execrado, condenado”
A “dolce” vida de Cacciola
O banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola, sócio do falido banco Marka, se tornou o símbolo do escândalo da desvalorização do real. Preso em 2000, ele saiu da prisão com um habeas corpus e fugiu do Brasil. Foi viver na Itália, seu país natal. Em 2005, foi condenado por gestão temerária de instituição financeira. Preso em Mônaco, em 2007, Cacciola foi extraditado, no ano seguinte, para o Brasil. Por aqui, cumpriu quatro dos 13 anos de condenação, extinta em abril de 2012, na penitenciária de Bangu 8, no Rio de Janeiro.
O maestro do mercado no BC
O economista Armínio Fraga assumiu a presidência do Banco Central em um cenário de forte especulação contra o real. Fraga trabalhava para o megainvestidor George Soros, que havia especulado contra a moeda brasileira. Sua sabatina no Senado foi controversa, com políticos alegando que ele não tinha qualificações éticas para o cargo. Em sua primeira reunião no BC, Fraga confessou: “Ainda estou com medo.” Sua primeira medida foi subir os juros a incríveis 45%. Fraga será também lembrado pela criação do sistema de metas de inflação, um dos pilares do real até hoje. Ao fim de 1999, o dólar havia caído de R$ 2,15 para R$ 1,81. Depois de deixar o cargo, em 2003, Fraga voltou ao mercado financeiro e criou a Gávea Investimentos, um fundo dono de um patrimônio de US$ 12 bilhões, que foi comprado pelo J.P. Morgan em 2010.
Um brinde de bilhões
Em julho de 1999, os presidentes da Antarctica, Vitório De Marchi (à esq.), e o da Brahma, Marcel Telles, anunciaram a criação da Ambev, a suposta multinacional verde-amarela. Em 2004, a Ambev se uniu à belga Interbrew, formando a InBev.
Quatro anos depois, comprou a Anheuser-Busch, nos EUA, dando origem à AB InBev. Por trás dessa fusão estão Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, até hoje três dos homens mais ricos do mundo.
Globalização em xeque
A globalização nunca mais foi a mesma depois de 30 de novembro de 1999. Nesse dia, mais de 50 mil manifestantes protestaram contra a abertura indiscriminada das fronteiras para o comércio internacional, durante o lançamento da Rodada do Milênio, da Organização Mundial do Comércio. A batalha de Seattle, como ficou conhecido o episódio, acabou em um quebra-quebra, contido por bala de borracha e gás lacrimogêneo.
Casino no Brasil
O grupo francês Casino, de Jean-Charles Naouri, fez o seu primeiro investimento no Pão de Açúcar, comprando 24,5% de participação acionária.
Blefe do Milênio
A virada para o ano 2000 aconteceu sem grandes incidentes, depois de as empresas investirem US$ 311 bilhões para evitar falha nos computadores. O tal bug do milênio nunca aconteceu.
Corrida dos investimentos
Os juros mais altos do mundo e o dólar fazema festa dos investidores no segundo ano da DINHEIRO.
Entrevista do ano
“Não acho bom ir ao FMI. É como ir ao médico”
O presidente Fernando Henrique Cardoso falou à DINHEIRO sobre a crise bancária de 1999 e o acordo do Brasil com o FMI:
O FMI errou com a Ásia, errou com a Rússia. O que garante que vai acertar conosco?
Quem tem de acertar conosco somos nós, não é o FMI.
Como o sr. avalia hoje o Fundo?
Não acho bom ir ao FMI. É como ir ao médico. Você não faz uma cirurgia porque quer.
O que o governo pode fazer em relação a informações privilegiadas, como teria acontecido com alguns bancos às vésperas da desvalorização do real?
Não é que alguém passou a informação. Pouquíssimas pessoas sabiam, três ou quatro. Quem ganhou mesmo foram os grandes bancos, que apostaram contra.
Hoje, quando vê o País em apuros, o sr. reza para quem?
Para o mesmo Deus que você.
O sr., hoje, acredita em Deus?
Passei a acreditar.