DINHEIRO ? O acordo obtido na reunião com os bancos em Nova York significa que os problemas de crédito do Brasil estão resolvidos?
CHARLES DALLARA ? O encontro foi muito positivo. O ministro Pedro Malan e Armínio Fraga fizeram uma excelente apresentação. A disposição dos bancos em se comprometer voluntariamente a manter seus negócios no Brasil foi um passo encorajador. Sem dúvida isso vai ajudar a estabilizar as linhas de comércio e também a montar um ambiente mais favorável no mercado financeiro em geral. O acordo certamente diminui a pressão sobre o real.

DINHEIRO ? Mudou radicalmente a percepção sobre o Brasil?
DALLARA ? Seria um exagero dizer isso, mas houve uma clara melhora no tom do mercado em relação ao Brasil e seu futuro. Mas isso foi causado também pelo esforço do presidente Cardoso em encontrar os candidatos à Presidência e pelas declarações posteriores dos candidatos. Elas foram muito construtivas. Acho que não podemos esperar muito mais em meio a uma campanha política.

DINHEIRO ? Como a boa vontade dos bancos vai aparecer?
DALLARA ? Acredito que os grandes bancos vão manter seus negócios no País, como se comprometeram a fazer. É claro que esse compromisso não cobre todos os bancos atuando no Brasil, mas cobre a vasta maioria dos que estão no País ou têm com ele linhas de comércio. E porque isso foi feito voluntariamente, acredito que haverá um efeito muito positivo sobre outros bancos que não foram convidados para o encontro mas percebem, agora, que o ambiente está mais tranqüilo. O maior desafio para o mercado e para as lideranças políticas no Brasil é entender que é no melhor interesse de todos minimizar os riscos durante o período eleitoral.

DINHEIRO ? Como o sr. compara o ambiente atual com o de 1999, quando o Brasil sentou-se com os bancos pela última vez?
DALLARA ? Há fatos que são piores agora e outros que eram piores no passado. Uma das coisas que pioraram é a aversão ao risco, que está muito alta. O dinheiro dos investidores foi queimado nas bolsas de valores dos países do G-7 e na Argentina. Há uma enorme ansiedade criada pela combinação da economia global fraca e pelas questões de governança corporativa nos EUA, além da situação da Argentina. Não obstante, a economia brasileira tem atrás de si três anos de progresso firme na privatização e consolidação do sistema financeiro. O País tem demonstrado disciplina na arena fiscal, política monetária sólida e taxa de câmbio flexível. Na primavera de 1999, o País havia emergido de um período de sérias distorções na economia causadas pela política cambial. Eu acredito que os fundamentos econômicos do Brasil estão mais fortes hoje do que estavam três anos atrás, em todos os aspectos.

DINHEIRO ? Seu ponto de vista é representativo dos grandes banqueiros mundiais?
DALLARA ? De um modo geral, sim. É claro que eu não posso falar por todos os 320 bancos associados ao Instituto. Mas eu posso comprovar a existência de uma visão ampla, compartilhada por todos, de que o Brasil é mais forte do que era três anos atrás.

DINHEIRO ? Seria justo dizer que o Brasil está sofrendo devido ao cenário externo e não a seus próprios problemas?
DALLARA ? Em boa medida isso é verdade, embora a situação não seja exatamente preto no branco. Parte do que ainda paira sobre o Brasil é o seu passado. O fato de que há três anos havia tamanha turbulência, o fato de que 15 anos atrás o Brasil tentou abandonar suas obrigações internacionais, essas coisas ainda estão no fundo do quadro. A história tem um jeito de gruda na gente, às vezes. Um dos motivos pelos quais os investidores ficam tão nervosos quando os políticos brasileiros falam sobre a dívida é que eles conhecem a história. E ela não é inteiramente boa.

DINHEIRO ? Muitos de nós acham que o Brasil sofre porque os analistas de mercado em Londres ou Nova York não conhecem o Brasil e tomam decisões mal-informadas…
DALLARA ? Acho que todos
nós sofremos com os problemas
da percepção equivocada e falta de informação. Quando eu vou
para a França como turista sou esnobado como se tivesse acabado de chegar do Texas… Mas há vantagens no caso brasileiro, porque os investidores institucionais ainda estão aprendendo sobre o Brasil. É importante que seus líderes entendam isso. O País está emprestando de investidores que até há dez anos jamais tinham investido no Brasil. Eles ainda estão aprendendo a viver com as incertezas de uma democracia jovem e com as complicações de um País que tem muita presença do Estado na economia. É claro que os mercados necessitam continuar estudando o Brasil, mas vocês não deveriam se preocupar tanto com os analistas. São os investidores que têm a tendência a reagir histericamente.

DINHEIRO ? As pessoas melhor informadas estão tranqüilas
com a eleição?
DALLARA ? Se eu tivesse papéis brasileiros, certamente estaria preparado para uma eleição confusa. Eu não ficaria surpreso com as pesquisas de maio, que mostraram o quanto Lula estava à frente. Quem acompanha o Brasil sabe que Lula tem essa tendência a sair à frente nas pesquisas e que isso tende a mudar à medida que a eleição se aproxima.

DINHEIRO ? Mas este ano pode ser diferente…
DALLARA ? É verdade, por isso as lideranças políticas no Brasil devem entender que o caminho para o crescimento e o fim do desemprego é muito estreito. Os políticos não podem se dar ao luxo de perder a confiança dos investidores e dos mercados globais. O custo seria muito elevado para os cidadãos brasileiros. Veja o que aconteceu em 1998 e 1999: por causa da ansiedade eleitoral e da crise cambial, o Brasil perdeu dois anos de crescimento. Isso significa que os projetos de milhões de brasileiros tiveram de ser postergados ou esquecidos. É preciso ter isso em conta.

DINHEIRO ? Algumas pessoas temem que o dinheiro internacional para o Brasil tenha acabado. Elas dizem que se encerrou um ciclo de crédito e que agora virá um período de vacas magras.
DALLARA ? Eu discordo inteiramente. É claro que há uma redução inevitável em investimentos diretos, por dois fatores. Primeiro, a privatização de vocês foi quase toda feita. Segundo, o investimento de grandes empresas nos EUA e na Europa está mais difícil por causa da baixa lucratividade. Mas, de um modo geral, os banqueiros e os investidores continuam muito interessados no Brasil. Eu pude constatar isso no encontro de Nova York. Por que você acha que os bancos se mostraram dispostos a cooperar voluntariamente? Não foi apenas porque eles querem evitar as perdas 30 dias ou 90 dias depois da eleição, mas porque eles têm um comprometimento de longo prazo com o Brasil. Se conseguirmos navegar essa eleição, se o novo presidente projetar uma imagem de confiança e se o Brasil reafirmar seu compromisso com políticas econômicas sólidas, haverá um ambiente econômico muito favorável em 2003.

DINHEIRO ? O sr. acha que o Brasil pode continuar contando com a comunidade financeira internacional para financiar o déficit externo que parece ser uma parte inevitável do atual modelo econômico? Os candidatos estão dizendo que é preciso mudar o modelo…
DALLARA ? A resposta não é trocar o modelo, mas reforçá-lo. Como se faz isso? Reduzindo o tamanho do Estado brasileiro. Ele é muito grande, é muito caro, ele pesa nas costas dos brasileiros. Segundo, é preciso abrir o País ao comércio global. Se o novo presidente puder dirigir-se ao presidente George Bush com uma mensagem a favor do livre comércio no continente, vai conseguir atenção. Há no momento uma porta aberta ao Brasil em Washington. O País também deveria aprofundar seu próprio mercado de capitais, porque existe muita dependência dos capitais externos. Se essas coisas forem feitas, acho que o modelo econômico pode funcionar e produzir um padrão de vida mais elevado para os brasileiros.

DINHEIRO ? O sr. realmente acredita que é possível para o Brasil tanto ou mais capital do que tem atraído nos últimos anos?
DALLARA ? Certamente é possível. Isso em parte vai depender do novo governo e da imagem que ele projete, assim como do sentimento geral de mercado. O sentimento não é bom no momento, mas deve melhorar à medida em que a economia americana melhore. Mas, em parte, isso depende também do FMI, que está tentando criar mecanismos que permitam aos países devedores ignorar os direitos dos investidores e iniciar uma reestruturação de seus débitos. Essa proposta do Fundo tem gerado ansiedade entre os investidores. Eles não querem isso e não acho que o governo brasileiro queira. É uma idéia de Anne Krueguer, a vice-gerente do Fundo que, infelizmente, tem sido ventilada em meio a esses períodos de incerteza. Essa proposta do FMI tem aumentado a ansiedade dos investidores em relação aos mercados emergentes. Ela deveria ser posta na prateleira.

DINHEIRO ? Muita gente no Brasil viu a derrocada Argentina como um exemplo de que não se deve confiar o futuro do País aos mercados internacionais e ao modelo econômico liberal.
DALLARA ? O problema na Argentina não foram as políticas econômicas liberais. O fato é que eles se agarraram demais a uma taxa de câmbio irrealista. Além disso, o mercado se baseia no respeito à lei e aos direitos dos cidadãos, e os governos da Argentina perderam sua credibilidade por causa da corrupção. Devemos ser claros a respeito disso, infelizmente. Por fim, é difícil para qualquer modelo econômico funcionar se os próprios cidadãos não têm fé no futuro do país. Lamentavelmente, os argentinos continuam a apostar no futuro de Miami, no futuro de Nova York e no futuro da Suíça mais do que apostam no futuro do seu próprio país. Essa é uma triste realidade. Se a Argentina quer reconstruir seu futuro, os cidadãos terão de se comprometer com seu país. E uma última coisa: a situação no Brasil não tem nenhuma semelhança com isso tudo.