DINHEIRO ? O que os empresários devem esperar dos próximos anos?
LUIZ FERNANDO FURLAN ? Eu e o ministro Antônio Palocci temos a convicção de que 2004 será o ano da microeconomia. Em 2003, fizemos um ajuste macroeconômico muito bem-sucedido, que impediu a volta da inflação e o colapso da economia. Mas agora são necessárias ações de governo que proporcionem uma dinâmica produtiva maior e, fundamentalmente, gerem empregos.

DINHEIRO ? Mas o espetáculo do crescimento ainda não aconteceu e os resultados de 2003 foram tímidos.
FURLAN ? Isso é passado. Nós somos pagos para olhar para a frente. Estamos confiantes quanto a 2004 e 2005 porque agora sim existem as condições para o crescimento.

DINHEIRO ? Quais são elas?
FURLAN ? Um saldo comercial recorde, câmbio estável e juros em queda. Além disso, já se pode notar um movimento de contratações na indústria. O mercado interno está se recuperando e isso vai gerar uma melhora na renda do trabalhador. Estamos certos de que entramos num ciclo virtuoso.

DINHEIRO ? O Brasil fechará 2003 com um saldo comercial recorde, de US$ 23 bilhões, mas muitos analistas estimam uma queda em 2004 com a volta do crescimento. O que o sr. prevê?
FURLAN ? Não acho que isso vá acontecer. Até porque a meta de exportações em 2004, de US$ 80 bilhões, é bastante factível. Só na soja, estima-se que o saldo avance de US$ 8 bilhões para US$ 10,5 bilhões. E esse é só um exemplo, entre muitos.

DINHEIRO ? Mas as importações também não irão crescer?
FURLAN ? Os analistas dizem que, a cada 1% de crescimento do
PIB, as importações aumentam 4% ou 5%. Mas isso não é um problema. As importações podem crescer 20% no ano que vem que não comprometerão o saldo comercial. Isso porque nós também teremos um crescimento da ordem de 9% ou 10% nas exportações. Como a base das exportações é bem maior, o saldo comercial será bastante positivo em 2004.

DINHEIRO ? Qual será a taxa de expansão do PIB?
FURLAN ? Será de, no mínimo, 4%. E, em 2005, as coisas não
serão muito diferentes. Serão os anos da colheita.

DINHEIRO ? Alguns economistas defendem a tese de que, com um câmbio ainda mais desvalorizado, seria possível reduzir os juros e crescer com mais vigor. O sr. concorda?
FURLAN ? Nós trabalhamos com o câmbio ao redor de três reais. Uma taxa nesse nível e estável, assim como uma inflação baixa, garantem a manutenção da dinâmica das exportações. Mais que isso é desnecessário.

DINHEIRO ? O empresariado, por vezes, queixa-se da política gradual de redução dos juros adotada pelo Banco Central.
FURLAN ? A gestão do Henrique Meirelles
no Banco Central tem sido um grande sucesso. Ele devolveu às empresas algo fundamental, que é a previsibilidade. O BC reduziu a dívida em dólar do País e, assim, diminuiu a volatilidade cambial. E é esse cenário estável que está permitindo a
volta dos lucros e dos investimentos. Tenho recebido muitos empresários que voltaram a acreditar no futuro.

DINHEIRO ? Qual a mensagem que o sr. transmite nesses encontros?
FURLAN ? Que o crescimento não virá na velha linha do stop-and-go. Será algo sustentável. Fizemos uma pesquisa no Ministério com vá-
rios setores da economia e se descobriu que as intenções de investimento tiveram um crescimento extraordinário. Até outubro de 2003, o volume de projetos chegou a R$ 67,8 bilhões, bem acima dos R$ 41 bilhões do mesmo período do ano passado.

DINHEIRO ? Como eram os contatos com empresários no início
do ano?
FURLAN ? Houve uma mudança radical. Antes eles vinham para reclamar. Agora vêm demonstrar confiança. Até porque os balanços financeiros já começam a mostrar resultados muito bons. E o melhor fertilizante de um negócio é o lucro.

 

entrev_02[1].jpg

?Meirelles deu estabilidade ao câmbio. E isso está trazendo de volta
os lucros?

DINHEIRO ? Não há riscos de o crescimento previsto para 2004 revelar novos gargalos na infra-estrutura?
FURLAN ? Primeiro, há muitos segmentos que têm capacidade ociosa, como é o setor elétrico. Em vários portos e aeroportos, há ainda espaço para ser ocupado, mas a Infraero tem projetos pesados para ampliar a capacidade de transporte de cargas por Guarulhos, em São Paulo. O orçamento do governo também contempla investimentos nos portos de Santos e Sepetiba, no ferroanel de São Paulo e em muitas outras obras. Além disso, temos confiança de que a Parceria Público Privada irá trazer recursos privados para a infra-estrutura.

DINHEIRO ? Não haveria problemas na área regulatória?
FURLAN ? No começo do governo, de fato, houve uma certa
confusão sobre os papéis das agências e dos Ministérios. Mas o governo já se deu conta de que é preciso ter regras claras para
atrair investimentos.

DINHEIRO ? Como será a política industrial?
FURLAN ? Grande parte dela será baseada em políticas horizontais, com redução da burocracia, melhora da logística e desoneração dos investimentos. Vai na linha do combate ao velho Custo Brasil.

DINHEIRO ? Mas que setores serão favorecidos?
FURLAN ? Os de produtos fármacos, microcomponentes, softwares e bens de capital. Escolhemos aqueles que têm uma dinâmica horizontal. Se você melhora a competitividade da indústria de máquinas, acaba-se por ampliar a competitividade de toda a economia. O mesmo vale para os softwares.

DINHEIRO ? Como o sr. pretende superar as notórias divergências com Carlos Lessa, o presidente do BNDES?
FURLAN ? O BNDES passou por uma série de ajustes com sua nova diretoria, mas acho que o banco já está ajustado ao novo momento da economia. E nós propusemos uma grande mudança para o ano que vem. O orçamento, que em 2003 foi de R$ 34 bilhões, será de R$ 47 bilhões em 2004. Estamos prevendo maior demanda por crédito e preparando o banco para esse cenário. Os três grandes eixos do banco,
que são a modernização das empresas, a infra-estrutura e o apoio à exportação, continuam mantidos.

DINHEIRO ? O sr. não falou das divergências.
FURLAN ? No início de um governo, há sempre o ajuste natural de uma equipe. Mas já ficou muito claro que o BNDES precisa andar no rumo da política de governo e isso tem sido debatido entre os conselheiros do banco. Teremos novas reuniões do Conselho, mas não prevejo nenhuma turbulência maior.

 

entrev_03[1].jpg

?Divergi do Carlos Lessa porque o BNDES precisa seguir a política
de governo?

DINHEIRO ? Na área das exportações, como o sr. avalia a aproximação do Brasil com mercados como o árabe, o russo e o chinês, que parecem ser a prioridade da política externa?
FURLAN ? Estamos dando prioridade aos mercados em que a presença brasileira ainda é muito tênue. Na Rússia, cuja economia vem crescendo vigorosamente, as empresas brasileiras podem desenvolver suas marcas próprias. No mundo árabe e na China, o potencial de expansão é extraordinário. Há mercados em que as nossas vendas estão crescendo mais de 200%, enquanto nos Estados Unidos, nosso maior parceiro, o ritmo de expansão é de 10% ? o que não é desprezível. Mas existem países em que uma pequena ação de governo pode dobrar ou triplicar nossa capacidade de exportar. Estamos abrindo caminhos.

DINHEIRO ? Na relação com os EUA, aparentemente irá prevalecer a tese da Alca light. Isso é bom para o Brasil?
FURLAN ? Eu acompanho a discussão da Alca desde o começo, dez anos atrás. É melhor termos um bom acordo inicial do que algo belicoso e tumultuado. Sou partidário de uma filosofia que diz pensar grande, começar pequeno e andar rápido. A Alca é um projeto grandioso. Mas se tivéssemos começado pequeno, cinco anos atrás, já teríamos andado cinco anos.

DINHEIRO ? O exemplo mexicano, que tem superávit de US$ 20 bilhões com os EUA, não deveria encorajar a Alca?
FURLAN ? Intrinsecamente, acredito que a Alca é um bom movimento para o Brasil. Mas não vamos repetir o exemplo dos mexicanos, que concentram 80% das receitas com comércio exterior nos Estados Unidos. No nosso caso, estamos falando de 25% com os americanos, 25% com a Europa, 25% com a América Latina, 15% com o extremo Oriente e 10% com o resto do mundo. Nós seremos um jogador autônomo, o que não significa que não possamos abrir novos caminhos nos EUA, com produtos de software, engenharia e combustíveis não poluentes, por exemplo.

DINHEIRO ? O sr. trabalhou 30 anos na iniciativa privada e um no governo. Como foi a adaptação?
FURLAN ? Tive dificuldades iniciais, ligadas ao tamanho da máquina governamental e à morosidade para se alcançar objetivos. Mas também colhi uma experiência muito positiva, com a confiança do presidente Lula e o entusiasmo que ele transmitiu à nossa equipe. Outra grande vitória foi a reformulação da Agência de Promoção das Exportações, a Apex, que ganhou autonomia e tem seus recursos assegurados, que vêm da iniciativa privada, através do Sebrae. São US$ 180 milhões por ano para financiar as exportações, que estão sendo usados da melhor forma possível.

DINHEIRO ? A Apex acaba de financiar a Semana do Brasil, nos Emirados Árabes. Quais os resultados?
FURLAN ? Um evento desses é importante porque traz novas empresas, pequenas, para o jogo do comércio internacional. Pode ampliar as exportações em pelo menos US$ 50 milhões. Além disso, tivemos até experiências como a do Hospital Sírio-Libanês, que foi aos Emirados para vender gestão.

DINHEIRO ? Alguns analistas criticaram a aproximação com os árabes, alegando riscos geopolíticos.
FURLAN ? Não confrontamos ninguém. Mas é importante notar que o Brasil tem uma política externa independente. E que cada país árabe tem um significado distinto. No Líbano, a relação é afetiva. O governo libanês nos ofereceu um terreno de 8 milhões de dólares, onde será feita a Casa do Brasil. Teremos exposições culturais e mostras de produtos. Na Líbia, há empresas brasileiras que sonham em realizar grandes projetos habitacionais. Por que não?

DINHEIRO ? O sr. começou a vender para o Oriente nos anos 70, através da Sadia. Sente-se um precursor?
FURLAN ? Minha satisfação é ver que aquilo que algumas em-
presas descobriram no passado, o Brasil está descobrindo agora.
Não temos que reinventar a roda.