22/12/2019 - 15:00
A chegada do PSL à Assembleia Legislativa de São Paulo, aliada à alta taxa de renovação e ao acirramento da polarização política mesmo após as eleições, provocou um efeito colateral no dia a dia da Casa ao longo de 2019. De março para cá, o Conselho de Ética registrou 21 denúncias ou representações entre colegas por quebra de decoro parlamentar, marca recorde. Em 18 delas há envolvimento de algum deputado do PSL, como autor ou como alvo. Desse total, três já resultaram em advertências.
O clima quente, marcado por debates ideológicos entre representantes da direita e da esquerda, teve início ainda antes da posse da nova legislatura. Há um ano, o evento de diplomação foi marcado por uma confusão entre deputados do PSL, do PSOL e do PT, numa pista do que seria esse confronto no plenário. São esses os partidos que protagonizaram a maior quantidade de embates (veja quadro) neste ano.
No dia 4 de dezembro, essa tensão chegou ao ápice. Após xingar servidores e sindicalistas que protestavam contra a reforma da Previdência estadual de “vagabundos”, o deputado Arthur do Val (sem partido), o Mamãe Falei, quase trocou socos com colegas em plena tribuna.
Para a presidente do Conselho de Ética, deputada Maria Lúcia Amary (PSDB), as imagens revelam a imaturidade dos novatos e prejudicam a imagem da Casa diante da população. “Nunca vi isso em cinco mandatos aqui na Casa. Está certo que temos novos componentes neste ano – uma bancada de extrema direita robusta, formada pelo PSL, e uma bancada de extrema esquerda fortalecida, formada pelo PSOL, que cresceu em representantes. Mas, no Parlamento, a força não deve ser o fator determinante, mas, sim, o diálogo”, disse Maria Lúcia. Segundo ela, desde 1999 o Conselho arquivava todas as denúncias apresentadas.
Na avaliação da deputada, os novatos estão resgatando comportamentos de um tempo que se quer esquecer. Na lista de processos, há duas denúncias do PT contra Frederico d’Avila (PSL), que tentou promover uma sessão pela memória do ditador Augusto Pinochet, que governou o Chile entre 1973 e 1990. No período, 200 mil pessoas foram exiladas e mais de 3 mil mortas, sem contar os desaparecidos.
“A Alesp já liberou homenagem para (Carlos) Marighella, (Carlos) Lamarca, Dilma (Rousseff), (João Pedro) Stédile, do MST. Todos terroristas. Nunca esses atos foram barrados. A única maneira de frear isso era jogar uma bomba ninja mesmo”, disse o deputado, referindo-se à tentativa de homenagear Pinochet. “Cada um tem as suas referências.”
Para d’Avila, a chegada de parlamentares novatos, não só os do PSL, alteraram a “rotina de acordos” entre situação e oposição. “Acabou a pasmaceira mesmo. Ninguém brigava antes porque era tudo combinado. Não tem mais isso agora”, afirmou d’Avila. “Temos uma pessoa que monitora todos os discursos por meio da TV Alesp. Ela fica antenada. Depois, avaliamos se cabe ou não representação ao conselho. Ameaças a autoridades não são toleradas.”
Do outro lado do embate, a deputada Isa Penna (PSOL) disse se orgulhar de ter levado a voz de uma poeta feminina para o Parlamento – ela pode ser advertida por ter declamado Sou puta, sou mulher, de Helena Ferreira. “Acho que a violência se deve a um setor, capitaneado por Jair Bolsonaro, que se expressa por essa política do ódio, da supremacia masculina, branca, heterossexual. Mas eu faria de novo. Não será uma advertência que vai me fazer mudar de ideia. Fui eleita para dar voz às feministas.”
Reincidência
Conhecido por suas performances como youtuber, Arthur do Val, o Mamãe Falei, já foi advertido pelo conselho por usar o mesmo termo “vagabundos” para classificar parlamentares que discordavam dele em votações. Neste caso, o deputado, que foi expulso do DEM, admitiu que errou.
“Dessa vez eu me exaltei. Não posso tratar assim quem vota diferente de mim. Mas, no outro (caso), não me arrependo. Chamaria mil vezes aqueles sindicalistas – e não servidores – de vagabundos. Eles me ameaçaram de morte. Não me arrependo, aliás, tenho orgulho do que fiz.”
Do Val disse que “não é de hoje que a política é um circo” e que não mantém uma postura crítica para viralizar nas redes. “Não é o YouTube que faz o meu trabalho, mas o contrário. O que dá like é o trabalho. Quem usa esse argumento não me acompanha”, afirmou.
Deputada estadual mais votada, Janaina Paschoal (PSL) considera o embate democrático. “A gente está passando por um processo de transição. A tendência é passarmos disso e chegarmos a um pouco mais de ponderação. Mas essa fase de briga e embate é necessária. Isso tudo que eu vejo os colegas falando como negativo, considero positivo”, disse Janaina.
O regimento da Alesp prevê quatro tipos de punições: advertências verbal e por escrito, afastamento temporário das funções parlamentares e perda de mandato. Atualmente, o Conselho de Ética estima finalizar um processo gerado a partir de uma denúncia em um prazo informal de 60 dias. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.