17/04/2002 - 7:00
Começou a seleção natural e só os fortes irão sobreviver. É esse processo de ajuste que está se desenrolando em diversos setores que foram transferidos à iniciativa privada nos últimos anos. Depois de privatizar empresas avaliadas em mais de US$ 60 bilhões, o Brasil hoje é palco de uma intensa movimentação de bastidores visando compra e venda de participações e até mesmo do controle nas antigas estatais. As negociações ocorrem nas áreas de energia elétrica, siderurgia e também na telefonia. Na prática, esse fenômeno foi batizado pelos principais executivos dessas companhias como o segundo tempo da privatização. ?Houve diferenças de gestão, muitas empresas tiveram problemas nos seus próprios países de origem e isso antecipou a fase de consolidação?, avalia José Augusto Marques, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base. O que está acontecendo no Brasil não é muito diferente do que já ocorreu no resto do mundo. Na primeira fase da privatização, o mercado é sempre tão atraente e tão promissor que acaba atraindo dezenas de investidores. No momento seguinte, com a competição intensa, começa a ficar claro quem serão os ganhadores e perdedores.
Na área de energia, de todos aqueles com mais negociações em andamento, um fator adicional abreviou o ajuste. O racionamento de energia acabou fragilizando os balanços de muitas empresas. Hoje, os especialistas que acompanham o setor já traçaram uma linha divisória entre vendedores e compradores de ativos. De um lado, surgem os nomes da Enron e da AES, a primeira em concordata e a segunda com uma dívida superior a US$ 20 bilhões. As duas empresas americanas foram dois dos grupos mais ativos nos leilões promovidos pelo BNDES. Levaram distribuidoras como Eletropaulo, Elektro e Cemig, além de geradoras como a Cesp Tietê e a Uruguaiana. Na outra ponta, com as empresas posicionadas para comprar, o nome mais forte é o da VBC, o consórcio nacional formado por Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa. O grupo até captou recursos externos para novos negócios e já admite estar estudando aquisições. Entre os estrangeiros, há empresas de peso dispostas a sacar dólares da carteira. ?Como nosso balanço é conservador nos Estados Unidos, temos condições de comprar novos ativos e estamos olhando várias oportunidades no Brasil?, disse à DINHEIRO Michael Dulaney, presidente da Duke Energy. A empresa é dona da Cesp Paranapanema é está de olho em mais geradoras. Um de seus concorrentes, a El Paso, também se diz pronta para avançar. ?Não descartamos a hipótese de comprar ativos da Enron e da AES?, afirma Eduardo Karrer, vice-presidente da empresa. No caso da Enron, a definição sobre a venda das usinas no exterior será dada em junho pelos executivos que administram a massa falida.
Nesse processo de consolidação, há espaço até para a vinda de grupos que perderam o bonde da privatização. É o caso da alemã RWE, uma das maiores empresas de energia do mundo. A GP, do empresário Jorge Paulo Lemann, também constituiu um fundo para investir em energia elétrica. ?Existem muitos novos players dispostos a entrar no mercado brasileiro?, avalia Ricardo Carvalho, sócio da Deloitte Touche Tohmatsu. Carvalho coordenou um estudo que prevê um crescimento de 10% nos negócios de fusões e aquisições na América Latina, que chegariam a US$ 55 bilhões. ?Mas os investidores estão olhando negócios mais estáveis e com geração de caixa previsível?, afirma. Isso favorece negócios em energia e também na siderurgia, uma das primeiras indústrias a serem privatizadas. Neste caso, um movimento que já vem sendo esperado é a venda das participações da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, e da Vale do Rio Doce nas empresas de aço. Para os analistas do setor, a tendência é que a médio prazo restem dois pólos no Brasil. Um, liderado pelo grupo Arceralia ? resultante da fusão entre Usinor e Arbed ?, ficaria com Usiminas, Acesita, Cosipa e CST. O outro seria composto pelas empresas do grupo Gerdau, da Açominas e da CSN.
Por último, há ainda a telefonia, o último setor a ser privatizado, que foi duramente atingido pelo estouro da bolha das empresas de tecnologia. Os ativos à venda são notórios: Embratel e Intelig, as duas empresas de longa distância, e a Vésper, empresa espelho. Os grupos mais fortes são justamente as três grandes operadoras fixas: Telefônica, Telemar e Brasil Telecom. Mas todas enfrentam o mesmo dilema. ?Existem boas oportunidades, que fazem todo sentido estratégico, mas o mercado financeiro está sinalizando que não vê com bons olhos um aumento da dívida por parte das empresas?, diz o presidente de grande operadora fixa.