31/03/2019 - 15:06
Era o penúltimo dia de uma expedição de 15 dias pela região entre os Rios Roosevelt, Guariba e Aripuanã, na fronteira entre os Estados do Amazonas e Mato Grosso, quando um grupo de macaquinhos com longa cauda avermelhada resolveu aparecer para as lentes do fotógrafo Adriano Gambarini. Era 2013, a espécie tinha sido vista pela primeira vez em 2010, mas faltava um registro fotográfico do primata e mais detalhes sobre ele.
Apelidados de zogue-zogue rabo de fogo, os animais comiam frutas de ingá, embaúba e cacauí. A expedição, organizada pelo WWF-Brasil, havia conseguido chegar até eles pela vocalização que fazem em campo, especialmente pela manhã e na estação chuvosa. Estava claro para o grupo – encabeçado pelo pesquisador Julio César Dalponte, o primeiro a ver o bicho ainda em 2010 – que se tratava de uma nova espécie.
A descrição, porém, só viria em 2014, num trabalho ao qual se juntou o pesquisador José de Sousa e Silva Júnior, o Cazuza, do Museu Paraense Emílio Goeldi. Inicialmente batizado como Callicebus miltoni, foi depois renomeado para o gênero Plecturocebus, para diferenciar do gênero Callicebus, específico para os macacos desse tipo que ocorrem na Mata Atlântica.
O rabo de fogo foi descrito dentro de um mega esforço de identificação de espécies promovido pelo Goeldi e que acrescentou, em apenas quatro anos (de 2014 a 2018), 301 novas espécies para a ciência. O balanço, que será divulgado nesta semana, foi passado com exclusividade para o jornal O Estado de São Paulo.
A realização de mais estudos de campo, aliados ao desenvolvimento de tecnologias de informática e de análise de laboratório foram fundamentais para o rápido avanço. Desde o início do século, o museu identificou 587 espécies – mais da metade só nos últimos quatro anos. Entre os achados, a maior parte (183) é de invertebrados – com destaque para os aracnídeos (141). Há também 20 peixes, 18 anfíbios, 14 répteis e 3 mamíferos, 5 fungos e 58 plantas.
‘Muitas espécies podem estar desaparecendo antes mesmo de serem conhecidas’
“O número impressiona, mas a verdade é que a Amazônia ainda é muito desconhecida, e é importante conhecê-la o mais rápido possível, porque a região está sofrendo com uma rápida dinâmica de desmatamento e muitas espécies podem estar desaparecendo antes mesmo de serem conhecidas”, afirma Ana Albernaz, diretora do museu. “Saber isso contribui para políticas públicas que possam minimizar as perdas, como a criação de unidades de conservação.”
Foi quase o que aconteceu com um outro tipo de macaco zogue-zogue. A espécie intrigava Cazuza pelo menos desde 1995, quando ele coletou um exemplar em Alta Floresta, no norte de Mato Grosso. “Eu percebia que era diferente de outros animais, mas era sutil, não muito convincente”, conta. Só quando outros pesquisadores encontraram mais exemplares e foi feita uma investigação genética, além da morfológica, que se concluiu que se tratava de uma nova espécie.
Quando a descrição do Plecturocebus grovesi foi, enfim, publicada, no final do ano passado, já foi acompanhada de uma previsão dramática. Se a região de Alta Floresta continuar sofrendo com os índices de desmatamento dos últimos anos, até 2042 poderá ocorrer uma perda de 86% do hábitat do animal. “A distribuição da espécie ficará fragmentada e extremamente reduzida, com alta possibilidade de inviabilizar a manutenção das populações na natureza”, explica o pesquisador.
A lista também encanta pela diversidade da Amazônia. É o caso das aranhas que se parecem com formigas, como a Myrmecium nogueirai. “É uma vantagem evolutiva, uma vez que as formigas tem poucos predadores. Além disso, as formigas são muito numerosas, então, alguém parecido com elas se mistura na multidão e tem menos chance de ser predado”, conta o biólogo do Goeldi Alexandre Bonaldo.
Ao longo dos últimos quatro anos, o gênero dessa espécie foi revisto e passou a incluir 38 espécies, sendo 28 delas propostas como novas para a ciência.
Segundo o pesquisador, o grupo dos aracnídeos foi o que mais teve descobertas por causa da participação do Brasil em um projeto internacional realizado entre 2008 e 2014 que teve como objetivo investigar a família Oonopidae em todo o planeta e envolveu cientistas dos Estados Unidos, da Europa, da África do Sul, da China, da Austrália, da Argentina e do Brasil.
“O projeto trouxe tecnologias da chamada cybertaxonomy para acelerar a descrição das espécies e torná-las comparáveis em todo o globo. Uma plataforma web, com tecnologias de geração de descrições automáticas, nos permitiu descrever aranhas sul-americanas em moldes comparáveis com as que estavam sendo descritas na China, por exemplo”, explica. Até 2008, quando projeto começou, 500 espécies tinham sido descobertas em 200 anos. No final, já havia mais de 3000 espécies conhecidas da família. Mesmo após concluído, as tecnologias adotadas na plataforma continuaram sendo usadas em mestrados e doutorados orientados por Bonaldo.
Espécies homenageiam primatologistas
Os dois novos macacos descritos na lista do Goeldi fazem homenagens a grandes primatologistas. O Plecturocebus miltoni é uma honra ao professor Milton Thiago de Mello, da Universidade de Brasília, responsável pela formação da maioria dos primatólogos na ativa. Aos 103 anos, ele continua participando de eventos científicos. O P. grovesi lembra o inglês Colin Groves, morto no ano passado, responsável por compilações e atualizações sobre taxonomia de primatas. E Cazuza também já viu seu nome em uma espécie. Ele faz parte da coleção do Goeldi, mas foi descrito por uma americana, por isso não compõe a lista do museu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.