11/06/2003 - 7:00
Como ocorre todos os anos, desde 1996, o dia 11 de junho põe em luto 350 famílias de Osasco, na Grande São Paulo. Foi numa data como esta que o município assistiu, há exatos sete anos, a uma das maiores tragédias do País: a explosão do Osasco Plaza Shopping, que matou 42 pessoas e feriu centenas. Nesta quarta-feira, novamente um 11 de junho, o sentimento de perda vai permanecer. Mas há pelo menos um alento para as famílias. Juntas, elas conseguiram colocar a Ultragaz no banco dos réus. Por meio da Associação das vítimas, a Anpvde, o grupo acaba de entrar com uma ação civil pública na 27ª Vara Cível de São Paulo citando a fornecedora de gás como uma das responsáveis pelo acidente. As vítimas garantem que têm novas provas e querem cobrar a conta, pedindo na Justiça que a Ultragaz as indenize. É a primeira vez que a companhia vai enfrentar um batalhão nos tribunais, num caso coletivo de forte apelo emocional e com novas evidências que fecham o cerco sobre ela. ?Temos grandes chances de vitória?, diz o advogado Flávio Yarshell, que representa a Anpvde.
Até aqui, o que se tinha eram processos individuais movidos contra a Ultragaz. Algumas vítimas tentaram, logo após o acidente, responsabilizar a empresa pelo episódio. Mas as ações foram derrubadas pelos advogados da companhia. A Ultragaz (que instalou a central de fornecimento de GLP, Gás Liqüefeito de Petróleo), estranhamente, não havia sido citada na ação movida pelo Ministério Público logo após a tragédia. Além dela, ficaram de fora a Projeção, autora do projeto e a BRR Engenharia, administradora das obras (também processada pela associação). Até hoje, foram condenados apenas o shopping e a Wisling Gomes Construtora, responsável por parte das instalações. Ao shopping coube ressarcir as vítimas. A conta foi paga pela Itaú Seguros, que entre indenizações e reconstrução do empreendimento, gastou R$ 20 millhões. A seguradora, aliás, também move uma ação contra a Ultragaz.
Em 40 dias, o advogado Flávio Yarshell deverá ficar frente a frente com os advogados do grupo Ultra. A Anpvde quer provar que a Ultragaz tinha conhecimento das irregularidades cometidas nas instalações de gás do shopping e ainda assim continuou
fornecendo o produto. Entre as várias gambiarras descobertas por peritos após a explosão, há algumas pérolas. Por exemplo: a canalização foi instalada no subsolo, fixada diretamente no concreto, sem contar com tubos-luva, usados para evitar o confinamento do fluido em locais não ventilados. Além disso, o material usado era de qualidade duvidosa e não havia acesso aos dutos para manutenções. ?Assim é impossível detectar um vazamento e corrigi-lo?, diz o técnico de gás Bernardo da Silva.
Confissão. Em depoimento ao Ministério Público, o ex-técnico da Ultragaz, Antonio Carlos de Souza, destacado para atender o Osasco Plaza em 1996, conta que foi chamado duas vezes pelos administradores do shopping para verificar queixas sobre vazamento de gás. ?…lembro como se fosse agora. Estava suspeitando que era vazamento e que a gente precisaria fazer o teste…? , disse Souza. Em outro depoimento, o ex-funcionário reconhece: ?… pelo tipo de instalação e as reclamações, ali poderia haver algum risco de acidente…?. Questionado pelos juízes se avisou seus superiores, Souza afirmou: ?… Sim. Alertei…?. Celso Barchi Júnior, um dos superiores de Souza, admite que o técnico realmente avisou a Ultragaz. E que o teste não foi feito. ?Várias empresas poderiam fazer o teste. Esta era uma decisão do shopping e não da Ultragaz?, defende Rodrigo Barcellos, advogado da empresa.
Ele sustenta ainda que a empresa ignorava o projeto e desconhecia o estado das instalações. ?O papel da Ultragaz era cuidar da central de GLP. A rede interna era de responsabilidade de outras companhias?, diz Barcellos. ?As vítimas já receberam indenização e as acusações contra a Ultragaz nunca foram acolhidas pelo judiciário. A Anpvde vai perder feio.?
Ainda que todos os depoimentos de técnicos e ex-funcionários
sejam derrubados com argumentos jurídicos do advogado
da Ultragaz, há normas legais que não podem ser deixadas de lado. De acordo com o advogado da Anpvde, o artigo 4º da Portaria de 19/7/1991 do Departamento Nacional de Combustíveis, determina o seguinte: ?A distribuidora somente poderá abastecer uma instalação centralizada, após comprovar que tanto a construção, quanto os ensaios e testes foram realizados de acordo com as normas vigentes. O fornecimento de GLP deverá ser suspenso pela distribuidora se constatado que a instalação não mantém as condições técnicas e de segurança previstas no projeto?. Além disso, segundo Yarshell, o Código Civil estabelece que atividades perigosas (como o fornecimento de gás) geram responsabilidade objetiva, independentemente de culpa ? que pode ser caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência. ?Se a Ultragaz depois vai cobrar a conta de alguém é uma decisão dela. O que queremos provar é que ela é também responsável pelo acidente?, diz Yarshell.