15/07/2018 - 8:55
Todos os dias pela manhã, pastas plásticas e envelopes de papel pardo com cópias de currículos substituem embrulhos e sacolas em um dos mais movimentados centros de compras populares de São Paulo. Quatro ruas e uma travessa da Lapa, na zona oeste, concentram pelo menos 21 agências de emprego e atraem gente da região e moradores de cidades vizinhas, jovens em busca de estágio e senhores em vias de se aposentar, brasileiros e estrangeiros recém-chegados.
O “quadrilátero do desemprego” reflete a dificuldade global de recuperação do mercado de trabalho – de acordo com o último dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia em maio 13,2 milhões de pessoas sem emprego no País.
“Recebo até 1,2 mil currículos em um ‘dia bom”’, afirma o plaqueiro Maurilio Morceli, de 65 anos, e 11 na função. No começo, conta, tinha de treinar o olho para identificar possíveis candidatos a uma vaga e abordar o “alvo” no meio da rua, convencê-lo a preencher uma ficha e a se candidatar ao trabalho. Nos últimos tempos, ele se limita a fixar banquinho em uma esquina da Rua 12 de Outubro e esperar pela chuva de currículos.
Em pouco mais de 10 minutos de conversa com a reportagem, foram quase 30. O movimento ali se concentra entre 8h30 e 11h30. Depois desse horário, candidatos e plaqueiros desaparecem. “O pessoal fica com fome, não tem dinheiro para almoçar na rua e volta para casa para comer”, explica Morceli.
Em meio quarteirão, pelo menos seis plaqueiros recebem e tomam conta de montanhas de currículos que depois vão parar em bancos de dados das empresas e, talvez, virar uma oportunidade de emprego. Eles já estão acostumados a receber pedidos de ajuda. Morceli costuma dar uma mãozinha. “Se tiver o perfil de alguma vaga que eu sei que existe, falo para ir até a agência e já se cadastrar. Se der sorte, pode sair de lá direto para uma entrevista de emprego. Também tento orientar quando vejo que a pessoa não tem escolaridade nem experiência”, diz, mostrando alguns exemplos.
Pelo menos sete de cada dez currículos entregues a ele trazem a combinação pouco estudo e zero experiência, fenômeno captado pelo IBGE: o desemprego entre pessoas com o ensino médio incompleto chegava a 20,4% no fim do ano passado no País, de acordo com dados divulgados em fevereiro. No Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo (CATe) Lapa, esse é o segundo maior contingente atendido, atrás daqueles com ensino médio completo.
Perfil
A maioria das vagas oferecidas na Lapa é para trabalhos temporários, e a média salarial gira em torno de R$ 1 mil a R$ 1,2 mil. As empresas, no entanto, exigem, além de ensino médio completo, inglês fluente em alguns casos. “As empresas querem um BMW, mas pagam por um Gol”, diz Eduardo Rodrigues, diretor de Atendimento do grupo Big RH.
Com escritórios também em Guarulhos e no Rio, a agência concentra 80% do movimento na Lapa. “Quando anunciamos vagas, recebemos 500 pessoas em questão de minutos. Sem anúncio, ficamos em uma média de 200 a 300 currículos por dia”, afirma Rodrigues, que reclama do que classifica de “falta de comprometimento” dos candidatos. “De cada dez pessoas selecionadas, três não vão até a entrevista porque não têm dinheiro para a passagem e cinco não se interessam. Acabamos aproveitando duas.”
Assim como em outras empresas da região, o público-alvo da agência são moradores da Grande São Paulo, de cidades como Osasco, Jandira e Barueri, que chegam de trem à Lapa. Como as amigas Stefany Mireli, de 24 anos, e Grazieli Araújo Gomes, de 19, de Itapevi.
Parada há 8 meses, Stefany enumera vários empregos pelos quais já passou, de auxiliar administrativo a recepcionista. “Todos os trabalhos consegui desse jeito, deixando currículo com os plaqueiros ou nas agências”, conta. Grazieli, por outro lado, tem quase nenhuma experiência e procura o primeiro registro. Ambas integram duas das faixas mais vulneráveis ao desemprego no País: são mulheres e jovens. A taxa de desocupação entre quem tinha de 18 a 24 anos era de 25,3% no fim do ano passado, segundo o IBGE, número que só perdia para os que tinham entre 14 e 17 (39%).
E se nessa faixa etária o mar de contratações está revolto, o jeito é pescar o que aparece. Foi o que fizeram os amigos Rafael Soares, de 18 anos, e Victor Hugo, de 22. De manhã, eles trabalham como plaqueiros, recebendo currículos. À tarde, procuram emprego juntos. “Estou atrás de alguma coisa melhor. Estudo Educação Física, quero algo na área”, diz Victor, que calcula receber 1 mil currículos por dia.
Depois dos 40
No quadrilátero do desemprego experiência nem sempre se reflete em contratação. Depois de trabalhar durante 20 anos como recepcionista, Rute da Silva, de 46, tenta há seis meses voltar para o mercado, sem sucesso. “Depois dos 40 fica cada vez mais difícil conseguir alguma coisa, as portas se fecham”, diz. “Estou aceitando tudo, até fazer faxina, mas nem isso aparece.”
Com cópias contadas de currículos na mão, ela teve de decidir se deixava o último com um plaqueiro ou depositava em um escaninho que algumas agências deixam do lado de fora da porta. Decidiu pelo escaninho. “Tinha menos currículo ali, menos concorrência”, explica.
Aos 55 anos, Regivaldo Lino dos Santos gostaria de estar pensando em aposentadoria, mas procura uma vaga de porteiro, função que desempenhou durante mais de uma década. O problema, diz, são as qualificações exigidas. “Querem que eu faça curso, mas eu tenho experiência. Minha carteira de trabalho deveria ser meu melhor currículo, mas não é assim.”
Haitianos
No País há quase uma década ou recém-chegados, é fácil encontrar um haitiano nas agências da Lapa. Seus currículos têm como diferencial a fluência em diversos idiomas. Todos os que foram abordados pela reportagem afirmavam falar crioulo, francês (línguas oficiais do Haiti), espanhol, inglês e português.
Eles procuravam emprego na construção civil, onde dizem ser mais fácil conseguir vaga. “Mas se você concorre com um brasileiro, o emprego vai para ele. Está certo, mas também precisamos trabalhar”, diz Ynorel Julda, de 33 anos, desde 2011 no País.
Além de não conseguir uma recolocação, Onel Atis, de 32 anos, há 11 meses no Brasil, diz que sofreu um golpe. “Uma agência no centro cobrou R$ 380 em troca de um emprego. Paguei e sumiram.” Há ainda menos tempo no País, Jean Lys Gerard, de 35 anos, sorri aparentemente sem entender quando a reportagem observa que, dos cinco idiomas em que aponta fluência, pelo menos um, o português, ainda deixa a desejar. “Na construção civil não precisa falar tão bem”, defende o amigo Onel. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.