O PTB entrou na sexta-feira, 20, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal contra a lei, sancionada pelo governador Márcio França (PSB) em 28 de junho, que proibiu a caça em todas as suas modalidades no Estado.

O partido alega que a lei é inconstitucional por ofender o “princípio constitucional da separação dos poderes”, uma vez que a definição sobre normas gerais sobre caça seria uma matéria que cabe à legislação federal, restando aos Estados somente legislar sobre matéria suplementar.

De fato, uma lei federal de 1967 já proíbe a caça no Brasil. E o pedido do PTB lembra que o artigo 37 da lei 9.605 de 1998, que disciplina crimes ambientais, estabelece algumas exceções em que a caça não é crime: como em estado de necessidade, para saciar a fome; ou para proteger lavouras e rebanhos; ou quando o animal é considerado nocivo. Em todos esses casos, é preciso autorização do órgão competente.

O pivô do questionamento é o fato de que a lei estadual tornou ilegal o abate de javalis, espécie exótica e invasora que se multiplicou e se espalhou pelo País e é considerada um problema para a agricultura. Há diversos relatos de que o animal – e sua variante apelidada de javaporco (cruzamento com o animal doméstico) – destroem lavouras de milho, cana-de-açúcar, mandioca, amendoim.

O problema motivou o Ibama a elaborar uma instrução normativa em 2013 que liberou especificamente o controle da espécie por meio de abate para quem tiver autorização do órgão ambiental. Com a lei estadual, essa instrução deixa de valer no Estado. Ficou para o governo a responsabilidade de controlar a espécie.

O projeto, de autoria do deputado Roberto Trípoli (PV), e apoiado por entidades de defesa dos animais, vem sendo questionado pelo setor produtivo e chegou a ser criticado por pesquisadores que trabalham com o tema por não apresentar uma saída para o problema.

A prática, porém, é bastante controversa. Há diversos relatos de javalis sendo observados em lugares onde eles não teriam como chegar sozinhos, como Ilhabela (no litoral paulista) ou o Amapá, o que levanta a suspeita de que seria uma forma de liberar a caça nesses locais. O Ibama também já interceptou conversas de grupos de caçadores orientando que não sejam mortos fêmeas e filhotes – uma forma de se perpetuar a espécie para sempre haver material para caça.

Trípoli também argumentou que vem ocorrendo abusos e maus-tratos na prática. “Convertidos em alvo de caça, javalis são perseguidos, capturados e abatidos, ou diretamente executados, no chamado ‘manejo de controle’. Com o uso de armamento pesado, muitos são alvejados e agonizam, por dias, antes do óbito. Utilizados na maior parte das caçadas, cães são destroçados por aquela espécie, em uma luta sangrenta e desigual”, pontuou o projeto de Trípoli.

Pelo texto da lei estadual, esse controle fica limitado e não mais poderá ser realizado por pessoas físicas ou jurídicas não governamentais.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na época da aprovação, o deputado disse que a questão dos javalis poderá ser resolvida com a regulamentação da lei. “Hoje saem para matar o javali e matam o que veem pela frente, bugio, preguiça, onça. Dei ao Estado o poder de controle, mas não entramos em detalhes, está aberto para discutir. O projeto não é um embate contra o agronegócio, mas a favor da fauna brasileira”, diz.

Questionamentos

No pedido da ADI, o PTB alega que “a legislação federal admite a atividade da caça em situações ‘excepcionais’, a fim de preservar a vida, diante da legítima defesa e o estado de necessidade, bem como para preservar as lavouras e pomares, visando a preservação da cadeia alimentar e a economia”.

O documento destaca também o artigo 29 da mesma lei que diz que é proibido “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”. Para o partido, por esse trecho “presume-se que o ato de caçar é legal, desde que a pessoa possua a licença/autorização para o ato”.

O texto da ADI lembra ainda a instrução normativa do Ibama a qual, segundo o partido, foi elaborada “após vários estudos, onde se concluiu que a proliferação estava incontrolável e que o javali é um animal selvagem que ataca animais e seres humanos, e ainda, destrói plantações”.

Este já é o segundo pedido de ADI contra a lei. Também na semana passada, o deputado Carlão Pignatari (PSDB) entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado. “Sou contra a inclusão do javali nessa lei porque ele traz muito problema para a agricultura. Pode transmitir a febre aftosa e isso pode contaminar o gado. Não poderíamos mais exportar boi assim. O Estado não tem braço para fazer o controle sozinho”, disse à reportagem.

O governo foi procurado pela reportagem para comentar as alegações das ADIS, mas ainda não se manifestou.