07/08/2018 - 13:27
A secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, afirmou nesta terça-feira, 7, que, se o próximo governo acelerar a aprovação de reformas e conseguir empreender um ajuste fiscal mais rápido, é possível “eventualmente querer” mexer na regra do teto de gastos. “Agora, é emenda constitucional, tem que fazer uma discussão robusta com Congresso e sociedade”, disse após participar de seminário promovido pela Rádio CBN e pelo Iesb.
Antes, no evento, Ana Paula havia desconversado sobre a necessidade de o próximo presidente mexer no teto de gastos, como têm defendido alguns candidatos ao Palácio do Planalto. Ela afirmou, porém, que qualquer discussão dependeria do andamento das reformas.
Segundo a secretária, o governo atual desenhou a regra do teto, que limita o crescimento das despesas à inflação, prevendo um ajuste fiscal gradual ao longo de 10 anos e uma redução de 0,5 pp nas despesas em relação ao PIB em cada ano.
A secretária reconheceu que, se as reformas forem aprovadas logo, isso seria uma sinalização importante para eventualmente mexer no teto de gastos sem despertar desconfiança em relação à sustentabilidade das contas do País. “As reformas são a principal âncora para reequilibrar a condição fiscal”, afirmou.
Ana Paula citou duas reformas essenciais: a da Previdência e a do engessamento do Orçamento. Segundo ela, é necessário desindexar gastos e diminuir o volume de receitas vinculadas.
FGTS
A secretária-executiva do Ministério da Fazenda afirmou que a antecipação da ampliação do limite para financiamento de imóveis com uso de recursos do FGTS para R$ 1,5 milhão “é algo que pode vir a ser estudado”. Ela destacou, porém, que a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) já foi tomada. O colegiado determinou que a medida passe a valer a partir de 1º de janeiro de 2019.
“As decisões já foram tomadas, e o fato de se adotar para o ano que vem é gerar previsibilidade suficiente para o setor se organizar. Eu acho que precisa sim de algum tempo para o setor entender a medida”, afirmou Ana Paula.
A secretária disse ainda que todas as medidas tomadas pelo CMN para melhorar a regulamentação do setor imobiliário foram positivas. “Isso permite que os recursos à disposição do setor sejam melhor alocados, com regras claras”, afirmou.
Lei Kandir
O impasse entre Estados e a União sobre os repasses da Lei Kandir precisam ser resolvidos dentro do “realismo das contas”, disse Ana Paula Vescovi.
Como mostrou na segunda-feira, 6, o Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) diz haver R$ 21,26 bilhões no Orçamento da União deste ano que não foram empenhados e poderiam ser repassados aos Estados.
“Mesmo que haja espaço aqui e ali dentro do Orçamento, são despesas permanentes”, alertou Ana Paula.
A secretária afirmou que o governo já ofereceu algo possível dentro do contexto de restrição orçamentária, que é fixar o valor do Fundo de Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX) e corrigir os repasses da Lei Kandir e do fundo à exemplo da regra do teto (ou seja, inflação do ano anterior). “Isso seria passível de implementação”, disse.
Na comissão que analisou o tema no Congresso, a proposta do governo foi de um repasse de R$ 3,9 bilhões. Mas o relatório aprovado prevê um repasse de R$ 19,5 bilhões no primeiro ano após a aprovação, R$ 29,25 bilhões no segundo ano e, a partir daí, de R$ 39 bilhões ao ano.
A Lei Kandir desonerou as exportações do pagamento de ICMS. Em troca, previu que o governo federal faria repasses a Estados e municípios para compensá-los pelas perdas decorrentes do benefício. Nos últimos anos, porém, cresceram as reclamações de que esses repasses estão minguando, onerando os cofres dos governos regionais.
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso Nacional aprovasse uma metodologia de cálculo para o repasse. O prazo se encerra neste mês. Se não houver consenso, a tarefa será delegada ao Tribunal de Contas da União (TCU).
A secretária defendeu ainda que o efeito dessas transferências seja avaliado de perto. “Talvez a gente tenha que chegar a um momento de avaliar melhor o efeito dessas transferências. A Lei Kandir já se demonstrou importante, o Brasil multiplicou por 4 ou 5 o volume das exportações, mas os diagnósticos da época não se colocam mais hoje.
Hoje os Estados têm tributação mais no destino, e quem é mais produtor de commodities recebe royalties”, disse Ana Paula.
Caixa
A secretária-executiva do Ministério da Fazenda afirmou que não há definição sobre eventual dispensa da segunda parcela do aporte de capital previsto para a Caixa Econômica Federal. Ana Paula, que é presidente do Conselho de Administração do banco, afirmou que a instituição tem um plano de capital gerido junto ao Banco Central e que “os cálculos são refeitos no tempo”.
A Junta de Execução Orçamentária (JEO) aprovou na semana passada um repasse de R$ 878 milhões para a capitalização do banco, que precisa do aporte para cumprir normas regulatórias do sistema bancário que requerem um capital mínimo para fazer frente a riscos. É a primeira parcela de um repasse total de R$ 2 bilhões de que precisa a instituição, como antecipou o Broadcast.
Segundo Ana Paula, resultados positivos contribuem para melhorar a situação de capital, mas ela não descartou a segunda parcela do aporte. “Isso não tem nada definido”, disse.
A secretária ressaltou ainda que a Caixa tem adotado medidas internas para resolver seus problemas de governança e de capital, com ajustes operacionais, otimização de recursos, ganhos de eficiência e recuperação de créditos.
Garantias
O governo quer montar uma estrutura para reunir informações sobre a situação de alavancagem das garantias entregues por Estados e municípios a empréstimos concedidos pelos bancos, disse a secretária-executiva do Ministério da Fazenda. “A ideia é que Banco Central pudesse fazer compilação dessas informações”, afirmou.
Segundo ela, o Tesouro Nacional já encaminhou ao BC informações sobre a entrega, pelos governos regionais, de recursos dos Fundos de Participação de Estados (FPEs) e Municípios (FPMs) como garantia ou contragarantia de operações de crédito. “O BC tem informação do sistema bancário como um todo, então é passível construir isso”, disse Ana Paula, após evento promovido pela Rádio CBN e pelo Centro Universitário Iesb.
A medida está sendo desenhada porque há o temor no governo de que os Estados e municípios tenham prometido a mesma receita tributária como garantia em diferentes operações, ou até a diferentes bancos. É como se o proprietário de um veículo tivesse empenhado o bem como garantia em mais de um empréstimo. Em caso de calote, ninguém conseguiria restituir o total das garantias, o que expõe as instituições financeiras a um risco maior que o previsto.
“Temos riscos associados a esse processo. Essas garantias são dadas a múltiplos agentes, todos têm que conhecer o que foi dado em garantia. Precisamos ter conjunto bastante robusto de informações sobre o que já foi empenhado em termos de garantias provenientes desses recursos, até porque são recursos que estão à disposição da sociedade para financiar políticas como saúde e educação”, afirmou Ana Paula.
A discussão veio à tona em meio à polêmica dos empréstimos concedidos por bancos públicos diretamente a Estados e municípios, sem o aval do Tesouro Nacional. As instituições financeiras, sobretudo Caixa e BNDES, aceitaram receitas do FPE e do FPM como garantia, o que é visto como ilegal por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público junto à corte de contas. O caso foi revelado pelo Broadcast.
Além disso, a situação expõe aos bancos a um risco maior, já que não haverá a quem recorrer caso o governo regional dê o calote e não consiga recuperar as receitas prometidas como garantia. Só a Caixa tem R$ 21,4 bilhões nas mãos de Estados e municípios nessas condições, sem garantia do Tesouro Nacional, o equivalente a dois terços do saldo de operações com a administração pública direta no primeiro trimestre deste ano.
A secretária reconheceu que há controvérsia sobre o assunto. O MP-TCU e o comando da unidade técnica que analisou o tema defendem a proibição dessas operações. Outra ala dos auditores não vê irregularidade no empenho dessas garantias diretamente junto aos bancos. “Seja para qual lado for, é preciso ter solução para ter certeza jurídica de qual é caminho a seguir”, disse.
Ana Paula afirmou que a Caixa já tem uma governança bem instalada para decidir sobre os novos pedidos de empréstimos feitos por Estados e municípios. Ela ressaltou, porém, que o banco vai cumprir a decisão que for tomada pelo TCU.
Benefícios aos servidores
A secretária-executiva do Ministério da Fazenda disse que é preciso discutir não só o auxílio-moradia concedido a juízes, mas, sim, todos os benefícios pagos a servidores públicos. Ela lembrou que muitas vezes esses auxílios levam a remuneração do funcionário a ultrapassar o teto, que hoje é de R$ 33,7 mil mensais.
“A sociedade pode definir qual é o teto do funcionalismo, mas não dá para dizer qual remuneração conta ou não”, afirmou Ana Paula. Ela destacou ainda que muitos grupos são organizados e fazem pressão dentro do Congresso Nacional por medidas que os beneficiem. “Temos corporações muito fortes no Brasil, e contra essas corporações que lutam por seus interesses, temos que voltar a pensar no coletivo”, disse.
Segundo a secretária, os servidores ganham em média 60% acima de um funcionário do setor privado. “Isso é fator de desigualdades. Temos que fazer enfrentamento muito claro”, defendeu.
Ana Paula disse também que é preciso “olhar um pouco mais para a tributação do andar de cima”. Para ela, a tributação sobre dividendos é um tema que precisa ser estudado à luz de duas situações.
Uma delas é quando os dividendos são distribuídos para pessoas físicas, ou seja, deixam de ser financiamento para o setor produtivo. Outra é quando são distribuídos para pessoas jurídicas. “Aí tem que cuidar para não tributar a poupança das empresas para investir, gerar crescimento”, disse.
De modo mais geral, ela defendeu que uma reforma tributária parta de um ponto de “neutralidade” na arrecadação, para tornar a cobrança mais racional sem aumentar ou reduzir a carga tributária.