31/08/2018 - 21:02
Todo ano eleitoral, o discurso é o mesmo: educação aparece como prioridade de praticamente todos os candidatos. Mas na prática, quando eleitos, isso não acontece de fato. Embasados nos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o mais importante exame brasileiro, divulgados na quinta-feira, 30, especialistas em educação nacional debateram nesta sexta-feira, 31, formas de evitar que isso volte a acontecer na próxima gestão e estratégias para melhorar a qualidade do ensino no País.
A avaliação, que revelou que mais da metade dos alunos de 14 a 17 anos tem nota insuficiente em Português e Matemática e que o Brasil completou 20 anos sem avanços no ensino médio, serviu como linha condutora do debate conduzido na manhã desta sexta-feira, no Fórum Estadão.
Foi a sexta edição de uma série promovida pelo jornal desde o início do ano para debater os caminhos possíveis para a reconstrução do Brasil à luz das eleições gerais de outubro. Nesta sexta foram abordadas as medidas necessárias para melhorar as condições de saúde e de educação no País.
Por pouco mais de uma hora, Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas, Priscila Cruz, presidente do Instituto Todos Pela Educação, e Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco debateram o cenário atual da educação no País e medidas que deveriam ser adotadas pelo novo presidente para começar a minimizar esses problemas.
Os três buscaram reconhecer que apesar dos péssimos indicadores gerais, têm ocorrido melhoras, mas não são suficientes. “A partir de 1997, quando finalmente olhamos com seriedade a urgência de concluir a universalização do acesso à educação, os mais pobres e vulneráveis entraram na escola, mas a escola não se preparou para educar essas crianças. Então era previsível que houvesse uma piora”, disse Claudia.
“A cada ano do Saeb, temos uma melhora do 5º ano. Por isso me considero uma otimista preocupada. E acho que a gente tem de se preocupar porque o ritmo da melhora é muito lento”, complementa.
É uma visão que foi compartilhada por todos. Priscila chamou atenção para o desempenho de Alagoas no Saeb. Foi o Estado que mais avançou no quinto e no nono anos em Língua Portuguesa e foi o terceiro que mais avançou no ensino médio na disciplina. “É uma informação muito importante porque mostra que é possível reagir em um Estado que tem um PIB per capita muito mais baixo do que o resto do País”, afirma.
“Obviamente que o nível socioeconômico afeta demais, mas os Estados que mais avançaram no Saeb, que conseguiram maior variação de 2015 para 2017, são: no quinto ano – Alagoas, Ceará, Acre; no nono ano – Ceará, Alagoas, Goiás; e no ensino médio – Pernambuco, Espírito Santo, Alagoas. Tirando ES que tem PIB acima da média nacional, os outros têm nível mais baixo. É um bom ângulo para olhar de forma positiva.”
Mas, pondera ela, o resultado final ainda é muito ruim no País. “A taxa de alfabetização atual é a que os Estados Unidos atingiram há 100 anos, a Inglaterra, há 200 anos. É algo que precisamos recuperar em uma sociedade, uma economia cada vez mais complexas. A distância entre a educação e a vida dos jovens é cada vez maior.”
Henriques, que ecoou o sentimento da mesa, opinou que em momento nenhum se estabeleceu a educação como prioridade do Brasil. “Todos falam que é prioritária, mas nunca se traduziu isso em estrutura ou prática associada à prioridade”, diz.
Soluções
Para os especialistas, não há “bala de prata” para resolver o problema, e as soluções passam por uma mudança sistêmica na educação do País, com atuações em pilares já bastante conhecidos: melhorar a formação de professores (tanto na faculdade quanto em formação continuada); tornar a carreira mais atraente; estabelecer uma matriz de referenciais docentes (do que faz um bom professor); estabelecer os currículos nacionais para cada etapa escolar; ter um regime de colaboração que funcione entre Estados e municípios. Resumindo em uma expressão, o objetivo é alcançar “excelência e equidade”.
A questão salarial ainda é importante para atrair e manter o professor, mas os especialistas destacam outros fatores. Priscila destaca o resultado de uma pesquisa feita com alguns milhares de professores no Brasil. “Perguntamos se eles se sentem valorizados e um alto número disse que não. Depois perguntamos o que faria o professor se sentir valorizado. E ele quer formação. E quer ser ouvido. Não é ‘mimimi’. 78% não confiam nas políticas das secretarias. Porque chegam coisas que não têm nada a ver com o que estão lutando no dia a dia”, afirma.
“A formação que o professor recebe hoje ainda é muito centrada nos pilares da educação, mas muito pouco ligada à prática que ele vai ter em sala de aula. Precisamos usar melhor a lei que já existe e que define que um terço do tempo do professor tem de ser para atividades extra-classe (como preparar aula, se formar, estudar e planejar com os colegas)”, complementa Claudia.
Ela lembra que na sociedade atual, uma competência central valorizada pelo mercado de trabalho é a resolução colaborativa de problemas. “Mas se os professores não têm tempo para trabalhar colaborativamente com os colegas, eles não vão trazer isso para seus alunos”, diz. “Não existe professor excelente em escola que é uma desgraça. Existem equipes excelentes de escolar.”
Os especialistas defenderam também a importância da ampliação da oferta de ensino integral. “Quatro horas de aula não permitem um trabalho competente em ensinar o aluno a penar. Precisa de pelo menos seis, sete horas de aula, em turno único. O Brasil ainda não tomou medidas para isso”, recomenda Claudia.
Priscila lembrou que os Estados que apresentaram mais avanço no Saeb têm em comum a profissionalização da gestão escolar, uma colaboração maior entre Estados e municípios e um trabalho de oferecer reforço escolar, para não deixar nenhum aluno para trás e a educação integral.
Em três desses Estados – Ceará, Goiás e Espírito Santo – o Instituto Unibanco realiza parcerias justamente para promover esse tipo de atividade no ensino médio. “É um trabalho de agenda de longo prazo, de pelo menos 4 a 6 anos, em torno da gestão”, explica Henriques.
Ele destaca que cada Estado é governado por um partido, PMDB, PSDB e PT, mas que a estratégia vai além da questão partidária. “A diferença é ter uma liderança totalmente engajada no processo. Governadores sabem as métricas, acompanham regularmente. E quatro vezes por ano fazemos um acompanhamento da gestão, correção de rota, com alinhamento entre secretarias e escolas.”