01/10/2018 - 7:41
Estudantes brasileiros de 15 e 16 anos que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), têm, em geral, baixo desempenho na área que mede o letramento financeiro. Mas a nota delas ultrapassa a deles, apesar do desempenho pior das garotas em Matemática. Isso mostra que as meninas têm mais habilidade para lidar com o dinheiro.
Um estudo elaborado pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) compilou dados de 23.141 estudantes brasileiros que fizeram a prova em 2015 – segundo ano em que o teste de letramento financeiro foi aplicado pelo Pisa. A nota média das meninas é 397,5, enquanto que a dos meninos cai para 389,2. Ambos, porém, estão abaixo do nível mínimo adequado (400 pontos).
A avaliação do Pisa mede habilidades como a leitura de um boleto e a interpretação de mensagens sobre uma conta bancária. Para especialistas ouvidos pela reportagem, a diferença de desempenho entre os gêneros expõe uma característica da área: o letramento financeiro não depende apenas do domínio de cálculos matemáticos – para o qual as meninas, historicamente, recebem menos incentivo.
Segundo Ernesto Faria, diretor do Iede, o aspecto emocional ajuda a explicar o resultado. “Algumas avaliações socioemocionais já apontam as meninas melhores em conscienciosidade, em buscar tomar consciência para decisões.”
Outra hipótese está na organização das famílias: as jovens estariam mais habituadas ao manejo com o dinheiro por serem envolvidas, desde novas, em atividades domésticas das quais os meninos são culturalmente apartados. “Muitas são responsáveis por coisas em casa e, com isso, são obrigadas a administrar”, diz Ana Rosa Vilches, diretora pedagógica da DSOP Educação Financeira, que faz capacitações em escolas.
Mudança de hábito
A educação financeira é vista como forma de oferecer ferramentas para que os estudantes adotem estratégias de consumo conscientes no futuro. “O brasileiro poupa pouco e não se planeja para o consumo”, diz Luís Gustavo Mansur, chefe do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira do Banco Central.
O tema foi incluído na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que vai definir a aprendizagem de todo o ensino básico. A ideia é que a educação financeira seja trabalhada de forma transversal, em disciplinas como Ciências e Matemática. O estudo do Iede mostrou que um em cada três estudantes já teve o conceito nesses moldes. Procurado, o Ministério da Educação não quis comentar o estudo.
Para Amarildo Melquíades da Silva, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e especialista no tema, é importante que as estratégias nas escolas levem em conta a realidade socioeconômica dos alunos. “Uma educação financeira nas públicas pode formar crianças e adolescentes para ajudar os pais. Para as classes altas, gostaríamos de trabalhar conceitos de sustentabilidade e respeito em termos salariais aos seus empregados.”
Mão na massa
É aula, mas termina na cozinha. Em um colégio da zona leste de São Paulo, estudantes do ensino médio misturam leite condensado e chocolate para fazer brigadeiros. Antes, pesquisam o preço dos ingredientes e colocam cifras na ponta do lápis. “Para muitos, é a primeira vez em que pisam no mercado. Ficam impressionados com o valor das coisas”, diz a professora de Matemática Patricia Baccaro, do colégio particular Mary Ward.
Ao fim da atividade, os alunos comparam o custo do brigadeiro que confeccionaram com o que encontram nas lojas. “Percebemos que o melhor seria comprar os produtos e fazer o nosso brigadeiro em casa”, avalia o estudante Daniel Borsetti, de 16 anos.
A escola aproveita as aulas de Matemática para trabalhar conceitos de educação financeira com os jovens. Além de dominar os cálculos de juros simples e compostos, os alunos ficam de olho em reportagens e trazem questionamentos sobre valor do dólar e Imposto de Renda. “Falamos bastante de cartão de crédito, sobre controle dos gastos”, diz Giovanna Cruz, de 16 anos, colega de Daniel. Ela conta que agora se esforça para poupar 60% do que recebe dos pais – e já tem planos para o dinheiro. “Penso em viajar depois da faculdade, ter uma vivência de mundo.”
No Colégio Stance Dual, na região central, atividades de economia colaborativa são desenvolvidas desde o início do ano por um professor de Geografia. Os estudantes de séries diferentes – entre 10 a 14 anos – se reúnem uma vez por semana, à tarde. O professor Thiago Pereira se surpreendeu com o interesse. “No mesmo momento, estou ‘competindo’ com aulas de futebol e vôlei. Hoje, temos alunos que preferem ir para a aula de Economia.”
Como no Mary Ward, eles também vão para a prática e já usaram a linguagem de programação para criar uma espécie de quiz sobre os diferentes perfis de consumidor. Querem agora aprimorar ferramentas tecnológicas para incentivar a economia colaborativa, como a troca de produtos usados entre colegas.
Nas aulas, já fizeram simulação de gastos para a Copa do Catar e pesquisaram o custo de vida de outras cidades. “Querem construir um manual. Um livreto, na linguagem deles, voltado para economia”, comenta Pereira.
Já na Escola Lourenço Castanho, na zona sul, o tema aparece quando se aprende Matemática. Conceitos de porcentagem, logaritmo e funções são um convite para trabalhar finanças e, segundo a professora Maria Daltyra de Magalhães, ficam mais fáceis quando aplicados em problemas com dinheiro. “O tempo todo a pergunta do aluno é: ‘O que vou fazer com isso?’ Quando ele vê utilidade para o conceito, se interessa em aprender também teoricamente o conteúdo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.