06/11/2018 - 18:41
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, propôs mandado de segurança contra decisões do ministro Gilmar Mendes que revogaram prisões provisórias do ex-governador do Paraná, Beto Richa (PSDB) e de outros investigados da Operação Radiopatrulha e de outras pessoas que pediram a extensão da medida. Concedidos de ofício, os habeas corpus foram analisados pelo ministro em decorrência de ter sido ele o relator da Arguição por Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) 444, que resultou na proibição da condução coercitiva. Os pedidos da PGR são para que sejam cassadas as decisões já dadas tanto na ADPF 444 quanto na Reclamação 32.081, sejam restabelecidas as ordens de prisão e para que Gilmar fique impedido de analisar outros habeas que tenham como fundamento a ADPF.
As informações foram divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria.
A Radiopatrulha aponta Beto Richa como principal envolvido em suposto esquema de desvios de verbas públicas em contratos de manutenção de estradas rurais do Paraná. O tucano nega enfaticamente a prática de ilícitos.
Beto Richa foi preso em setembro, por ordem da Justiça estadual do Paraná. Gilmar o soltou alguns dias depois.
Raquel explica que, ao apresentar uma petição individual no âmbito da ADPF, Richa utilizou-se de “subterfúgios processuais para escolher o julgador do seu pedido de liberdade”.
O ex-governador alegou que a medida, determinada em primeira instância, era, na verdade, condução coercitiva travestida de prisão temporária. Afirmando-se prevento para o feito, em 14 de setembro – três dias após a prisão -, Gilmar concedeu, de ofício, a liberdade ao tucano, bem como aos demais acusados da Radiopatrulha.
Na mesma oportunidade, o ministro determinou a revogação de outras prisões provisórias que viessem a ser decretadas com base nos mesmos fatos objeto da investigação. Em seguida, com base na decisão na ADPF, ele acatou pedido na Reclamação 32.081 e revogou outras prisões decretadas na Operação Integração II.
Na decisão, o ministro reconheceu que “a legislação e a jurisprudência do STF” não admitem a interposição de ADPF por pessoa física. Ele acrescentou, no entanto, que esse fato não impede a concessão, de ofício, de habeas, ainda que proposto por parte ilegítima, caso se esteja diante de segregação que configure evidente constrangimento ilegal, caso dos autos, conforme avaliação do ministro.
Tanto a Procuradoria-Geral quanto o Ministério Público do Estado do Paraná recorreram da decisão.
Em 5 de outubro, ao julgar os recursos, Gilmar manteve a decisão anterior – pela liberdade dos investigados -, afirmando tratar-se de ordens de prisões “ilegais e teratológicas”.
Sobre o argumento apresentado por Raquel de que, a prevalecer a decisão, o ministro se tornaria revisor universal de todas as prisões provisórias determinadas no País, Gilmar Mendes, escreveu que eventuais pedidos que não tenham relação com o objeto dos autos e que não guardem indícios de ilegalidade ou teratologia não seriam acatados, sendo encaminhados para distribuição.
Novo julgador
Na petição, a PGR requer que o mandado de segurança seja distribuído ao ministro Luiz Fux, por prevenção. Fux foi escolhido para apreciar um outro mandado de segurança do Ministério Público do Paraná, também contra a decisão de Gilmar, favorável a Beto Richa.
No mandado de segurança, a PGR detalhou o andamento dos recursos e das reclamações apresentadas no âmbito da ADPF 444 – desde o início de setembro – , e reafirma que, ao conceder HC de ofício a Beto Richa e a outros investigados, o ministro proferiu uma decisão teratológica e que viola o devido processo legal.
“É que, em nova decisão, o ministro relator reforçou que, sempre que julgar estar diante de prisão eivada de ‘manifesta ilegalidade ou teratologia’, conhecerá de novos pedidos de liberdade ajuizados diretamente nos autos da ADPF 444, o que, na prática, equivale a permitir que tal autoridade julgadora escolha os casos que apreciará, sejam eles oriundos de qualquer parte do país”, pontua um trecho do documento.
A Procuradoria acrescentou que a decisão impugnada não representa ato isolado de afronta ao devido processo legal e ao juiz natural, não se restringindo a macular, apenas, o procedimento no qual foi concedida a liberdade de Beto Richa.
“Trata-se de decisão apoiada em fundamento aplicável a inúmeros e incontáveis outros casos, a rigor, a todas as prisões provisórias do país que, ao ver do ministro relator da ADPF 444, sejam manifestamente ilegais”, enfatizou, destacando que o ministro poderá ser o relator de todas elas, de modo que “a ofensa aos princípios do devido processo legal e do juiz natural, bem como às regras de distribuição de competência, pode ser reiterada e constante”.
Ao explicar a violação ao devido processo legal, Raquel lembrou que uma das exigências para se respeitar esse princípio é a necessidade de assegurar que as decisões sejam proferidas por juízes independentes e parciais, aspecto que remete ao juiz natural.
Para a procuradora, a decisão, apontada como ato coator do ministro, fere os princípios, por permitir que uma parte – de forma arbitrária, escolha o relator da ADPF 444 para analisar sua prisão e que, este, escolha que casos quer julgar.
“Esse entendimento dá azo à supressão de instâncias e desrespeita os ritos e procedimentos legais que preveem a competência por distribuição aleatória”, enfatizou.
Supressão de instância
No mandado de segurança, a PGR afirma que a decisão do relator da ADPF também afronta as regras procedimentais consolidadas em julgamentos recentes do STF, segundo as quais, a Corte só pode conceder um HC de ofício se a concessão fosse possível caso tivesse sido requerida pelo interessado.
No caso concreto, conforme explica Raquel, os envolvidos (Beto Richa e outros investigados) não poderiam solicitar HC ao Supremo, uma vez que a ordem de prisão não partiu de autoridade diretamente sujeita à jurisdição do STF.
Nesse contexto, “o acatamento do pedido configura supressão ilegal de instâncias”.
Para Raquel, além de fragilizar o processo legal, a decisão que suspendeu ordem de prisão dada por um desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, sem que tivesse sido apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, “causa insegurança jurídica”.
“A sensação é de que, a qualquer momento, a sociedade pode ser surpreendida com decisões tomadas completamente fora do compasso procedimental previsto na ordem jurídica”, anotou. Ela completou que “o sentimento de insegurança jurídica é nefasto ao sistema de Justiça”.
Por fim, a Procuradoria afirmou que “ainda que se considere que ministros do STF têm competência para conceder habeas corpus de ofício em atendimento a pedidos de liberdade submetidos diretamente à Suprema Corte”, é certo que tais pedidos devem ser distribuídos livremente aos integrantes da Corte e não direcionados a um ministro específico, como fez Beto Richa na petição.