06/11/2018 - 21:09
A poucas semanas do fim dos trabalhos parlamentares, deputados e senadores correm contra o tempo para aprovar uma medida que retira recursos do Fundo Social do Pré-Sal, destinado à saúde e educação, para expandir a rede de gasodutos no País. Uma mesma emenda foi incluída em projetos de lei distintos que tramitam na Câmara e no Senado, que ficaria com 20% dos recursos do Fundo Social e financiaria a construção de gasodutos e unidades de processamento.
Especialistas apontam que o fundo teria natureza contábil e, portanto, faria parte do Orçamento Geral da União. Se aprovado, ele ocuparia um espaço no teto de gastos que poderia ser utilizado para investimentos públicos. Além disso, a proposta é inconstitucional, pois apenas o Executivo tem poder para criar fundos, dizem técnicos.
O texto foi incluído em um projeto de lei que tramita no Senado, que estabelece multas indenizatórias para usuários prejudicados por distribuidoras de energia. Aprovado na Comissão de Infraestrutura do Senado na semana passada, o texto está na pauta de votações do plenário da Casa e pode ser votado nesta quarta (07). O relator é o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Nesse texto, o fundo se chama Brasduto. Se aprovado, o projeto precisa passar pela Câmara.
Exatamente a mesma emenda também foi incluída em um projeto de lei que tramita na Câmara, que dispõe sobre a Lei do Gás. O relator, deputado Marcelo Squassoni (PRB-SP), apresentou parecer sobre o projeto, que tramita em caráter terminativo na Comissão de Minas e Energia. Nesse relatório, que deve ser votado nesta quarta, o fundo se chama Dutogas. Se aprovado na comissão, o projeto ainda terá que passar por outras três comissões da Câmara.
Em ambos os projetos, a emenda privilegia a seleção e construção de gasodutos que já obtiveram licenciamento ambiental. De 11 estruturas já licenciadas, seis são de empresas que pertencem ou estão ligadas ao empresário Carlos Suarez – como a Termogás e a CS Energia. Os novos gasodutos já licenciados ampliariam a rede em 6,7 mil quilômetros, dos quais 5,2 mil km, ou 77%, estão relacionados a Suarez de alguma forma. A assessoria do empresário não foi encontrada para comentar.
O líder do governo no Senado, Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que caberia à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) gerir o fundo e definir os projetos prioritários.
“Se houver ‘cartas marcadas’, também não poderemos punir alguém que investiu em licenciamento ambiental, que é um processo caro e pressupõe investimentos. Quem realizou esses investimentos é quem quer escoar gás, sobretudo nas regiões que precisam de desenvolvimento, como é o Norte e o Nordeste do País”, disse ele, ao ser questionado sobre os projetos de Suarez.
“Precisamos checar. Tem que se priorizar o que está na fila. Quem vai definir essa fila é a ANP”, afirmou o senador. “Em princípio, não estou vendo problemas. Mas sempre é bom, quando a gente recebe uma informação dessas, fazer uma checagem.”
É a terceira vez que os parlamentares incluem a emenda em projetos. Ela já foi incluída na Medida Provisória 814, que perdeu validade sem ser votada, e no projeto de lei que resolvia pendências das distribuidoras da Eletrobras, que foi rejeitado e arquivado no Senado.
“Esse movimento de aprovar esses projetos de lei com tanta rapidez nos surpreende. É mais uma proposta que vai no sentido contrário da abertura do mercado. E a proposta do fundo aparece de novo, em projetos e frentes diferentes”, disse o superintendente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro, Lucien Belmonte. Sobre o projeto que tramita na Câmara, ele destacou ainda que o texto retira as medidas que impõem transparência na divulgação de itens como capacidade dos dutos e o transporte contratado.
“De todas as estranhices do segmento de infraestrutura dos últimos anos, o Brasduto, que até ontem era Dutogas, é a mais inusitada. O Brasduto simboliza a irracionalidade que ilustra a regulação do gás natural”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Edvaldo Alves de Santana.
“As distribuidoras, que não querem a ampliação do consumo via abertura do mercado, preferem que recursos de fundos sociais sejam deslocados para subsidiar atividades que seriam privadas. O terrível é imaginar que o Congresso pode concordar com isto”, acrescentou.