27/11/2018 - 19:57
Uma semana depois de o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão (PRTB), afirmar que metade dos cubanos não voltaria para a ilha caribenha após o rompimento do acordo do Mais Médicos, o representante da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no Brasil, Joaquim Molina, ironizou a declaração. “Metade dos brasileiros não retornaria, caso fizessem um programa em Miami. Há sempre uma atração pelo diferente”, rebateu.
Molina disse não haver no momento uma estimativa de quantos profissionais recrutados pela Opas para participar do Mais Médicos deverão ficar no País, depois do rompimento do acordo, há duas semanas. Mas garantiu que o oposto também ocorre. Profissionais que, com o fim da colaboração do Mais Médicos, vão levar a família formada no Brasil para viver em Cuba.
No cargo até o fim de dezembro, quando se aposenta, Molina lembrou que o Mais Médicos garantiu o acesso da população mais necessitada à saúde e ajudou o Brasil a resolver um problema que havia anos se agravava: a falta de médicos em locais mais distantes. “É um projeto lindo”, resumiu, numa cerimônia de lançamento do Relatório 30 Anos de SUS – Que SUS para 2030.
“O Brasil estava numa situação desesperadora. Eram milhares de postos vagos, lançados em anos sucessivos, que não eram ocupados ou, em alguns casos, eram preenchidos de forma parcial. Com médicos trabalhando 8 horas, 12 horas por semana, quando muitas vezes o acertado eram 40 horas.”
Justamente por isso, Molina afirmou que o programa garantiu não apenas profissionais, mas estabilidade no atendimento. “O Mais Médicos é um programa mais estável que já conheci em minha vida profissional, eram três anos de permanência”, disse. No caso de profissionais brasileiros, argumentou, há uma série de fatores que afetariam a estabilidade. “Médicos daqui podem ter interesse em participar de uma especialização, recebem outra oferta de emprego”, observou.
Embora admita que o fim do acordo já estivesse no horizonte, Molina considerou o rompimento abrupto. “Estávamos sabendo que isso poderia ocorrer”, disse. Mas não com tamanha rapidez. A ideia inicial era de que o acordo fosse aos poucos minguando até não haver mais necessidade do provimento de médicos cooperados. “Seria o tempo para medidas adicionais, como o serviço social para aumentar o número de profissionais.”
Questionado se o Brasil já reúne condições suficientes para dispensar profissionais cooperados, ele foi evasivo. “Não tenho elementos suficientes para responder”, disse.
Molina, no entanto, foi enfático ao dizer que o acordo de cooperação foi mutuamente vantajoso. Para o diretor, o recrutamento de médicos em grande escala garantiu agilidade para provimento das vagas. Também ajudou a reduzir os custos com transportes dos profissionais, evitou gastos com interrupções de trabalho. “Em caso de doença ou qualquer outro problema, garantíamos a reposição.”
Molina classificou ainda o programa como de baixo custo e rebateu as críticas de que a prestação de contas era pouco transparente. “Foram 18 auditorias internas e externas”, observou.
Sobre as dúvidas lançadas pelo presidente eleito à formação de profissionais sem registro no País, Molina afirmou que médicos cubanos trazidos para atuar no País são especializados em atenção básica. “Nunca foram enviados para o Brasil médicos recém-formados. Além disso, os profissionais estavam sob supervisão”, completou.
Molina afastou ainda as comparações com trabalho escravo, feitas pela equipe do presidente eleito. “O médico que estava aqui estava sob um convênio firmado com seu empregador. Ele conservou seu posto em Cuba, o salário, os benefícios de previdência, aposentadoria. Ninguém veio a força, eles vieram e ficaram, livremente.”
Ele afirmou que os profissionais recebiam na ilha caribenha algo em torno de US$ 100 mensais. Mas logo se defendeu: “Não se pode comparar os valores.” De acordo com ele, esse é o rendimento da maior parte dos profissionais com nível universitário na ilha caribenha.
O representante da Opas afirmou ainda que os valores recebidos pelos profissionais em Cuba não eram tema de negociação da entidade. “Esse era um assunto entre o médico contratado e a empregadora.”
O diretor não quis arriscar uma previsão sobre o futuro do Mais Médicos. “Os cubanos vão ser substituídos, não sei se total ou parcialmente. Talvez possa haver uma mudança no nome. Mas o programa não era para sempre.” Sobre o acesso à atenção básica, arriscou: “Não sei se vai se reduzir. É preciso ver que aceitação terá essa vaga entre os brasileiros e estrangeiros.”