Na década de 20, o tempo médio de vida de uma grande empresa era de 90 anos. A partir de 1950, a expectativa caiu para 60 anos. Hoje, em tempos de startups e disrupção digital, a sobrevivência está em uma taxa adolescente de apenas 17 anos.

Assim como a inovação radical advinda da digitalização dos negócios vem atingindo todos os setores que conhecemos, do transporte ao delivery de comida, dos bancos ao agronegócio, do varejo à indústria, o mercado de entretenimento também não será (já não está sendo) poupado. E isso inclui sua TV.

Para ser mais preciso, 3 grandes fenômenos já em curso irão mudar completamente o negócio da televisão:

1) A chegada do 5G

2) O movimento das empresas OTTs (Over the Top), com especial atenção aos
OTTs de esportes

3) A mídia programática

Vamos destrinchá-los.

Que venha o 5G

A primeira grande onda virá, claro, do mesmo oceano: a rápida evolução das novas tecnologias de telecomunicações e da Internet. Seu nome é 5G. Com o lançamento da nova rede, navegaremos em uma velocidade de 1Gb/s, 50 vezes mais rápida que a 4G, e receberemos imagens em alta definição passando do padrão 4k para o 8k.

Para o leitor que não está familiarizado sobre como funciona a tecnologia que faz sua TV funcionar tentarei simplificar em uma linguagem bem simples. A transmissão de imagem e som necessita de antenas (estas que ficam nos topos de prédios e montanhas) que enviam os sinais aos receptores (os aparelhos de TV). Em São Paulo, onde moro, elas estão em locais mais altos como a Avenida Paulista e o Pico do Jaraguá (exemplos).

Estas antenas e receptores funcionam a uma “determinada velocidade”. Hoje, estas antenas “conversam” apenas com sua TV. O 5G virá agregar tudo, trazendo a tão anunciada “Internet das Coisas”. No final do dia, tudo fará parte da Internet e sua TV também integrará esta lista de coisas conectadas. Desta forma, as operadoras de telecomunicações poderão “transmitir” imagem e som de qualquer lugar do planeta. Na prática, você poderá assistir (ao vivo ou não) qualquer conteúdo de qualquer lugar do mundo.

E o que isso significa?

Que a realidade da TV do futuro está mais próxima do que você imagina e que, muito em breve, a experiência predominante em frente à telinha será, cada vez mais, a mesma do computador e do smartphone. Em outras palavras, nós quem decidiremos o que, quando e onde assistir nossos programas preferidos; na SmartTV, no PC, no tablet, no celular ou em telas dobráveis que levaremos no bolso.

Em 2004, afirmei em um debate que o futuro do conteúdo passaria pelas redes das operadoras. Minhas premissas foram bem simples. Primeiro porque o custo de “entregar” conteúdo através das redes IP seria mais barato e conveniente do que qualquer outra rede. Segundo porque as redes IP estavam tornando-se móveis (celular e tablets). Seria apenas uma questão de tempo. Bingo! Este tempo chegou! Com o avanço do 5G, qualquer um, qualquer empresa poderá se tornar um broadcast onde quer que esteja. E, ao mesmo tempo, nós, os “tele(IP)spectadores”, vamos ter o poder de escolher se queremos ou não assistir comerciais. Nós iremos montar nossas “grades de programação” (aliás, grade é uma palavra desagradável, que remete à prisão).

E o que isso tudo quer dizer?

Que o modelo de negócios da TV linear que sustentou as redes de TV durante quase 70 anos, poderão ser seriamente impactados. Basta dizer que das 10 maiores empresas de tecnologia do mundo, todas (sim, todas), de uma forma ou de outra, faturam alto com a venda de mídias digitais e notícias. Das 15 maiores, exceto a PayPal não tem como core business o setor de mídia, mas é uma grande provedora de ferramentas que viabilizam as transações online, ou seja, é o motor destas empresas.

Agora, notem só, quase todas elas são “novos players” que estão pavimentando as estradas para a “Internet TV” que, quando menos esperarmos, irá se transformar no “novo eletrodoméstico” da família, uma telinha através da qual iremos controlar nossas vidas e não só assistir nossas séries prediletas.

E o que significou a TV até os dias de hoje? Bem, nos últimos 70 anos, ela foi um aparelho estático em sua casa. No futuro, será uma tela que te acompanhará em qualquer lugar. Um aplicativo. Um serviço. Um novo gadget para comunicação, compras, pesquisa e o que mais puder imaginar. Muito mais do que só entretenimento.

A nova TV será anabolizada pela segunda disrupção: o avanço das OTTs.

A matemática que está atraindo estes gigantes é bem simples. Somos aproximadamente 7 bilhões de pessoas, das quais cerca de 4 bilhões estão conectadas na Internet. A primeira empresa do planeta a se autodenominar “Internet TV” foi a Netflix, a maior deste novo modelo com 139 milhões de assinantes.
Suponha que a Internet parasse de crescer e estacionasse nos mesmos 4 bilhões de usuários. A Netflix ainda poderá alcançar 3,864 bilhões de consumidores adicionais para assinar o serviço. É ou não é um bom negócio?

Com a chegada do 5G, não é difícil imaginar que muitos consumidores deverão preferir assinar os serviços OTTs, como, além da Netflix, Amazon Prime, Hulu, YouTube Premium, HBO, NET NOW, GloboPlay e, num futuro breve, a Disney+.

Pense bem. Se o conteúdo que você quer acessar estiver no Facebook ou no YouTube, por que você irá ligar sua TV? E se você não ligar sua TV, não assistirá as propagandas. E se não assistir as propagandas, a receita das agências de publicidade e dos veículos (emissoras de TV) serão provavelmente afetadas. Todo o ecossistema será possivelmente afetado.

Quer números? Basta constatar que 45% dos brasileiros já são “telespectadores” do YouTube e 50,6% do Facebook, segundo a eMarketer.

E a publicidade, como fica?

A terceira disrupção será no setor de publicidade. Ela continuará sendo, claro, uma fonte importante de receita, mas não mais no modelo “intervalo comercial de 30 segundos”. Nos Estados Unidos, a Amazon, que lançou o site IMDb Free Dive, oferece um grande catálogo de filmes e séries gratuitamente, todos patrocinados pelos anunciantes. É algo similar ao YouTube, mas sem a distração de uma avalanche de conteúdos, oferecendo um catálogo mais “selecionado”.

Mas o ponto principal que vai tirar o sono das agências de publicidade, especialmente dos profissionais de mídia, é que na nova TV Digital a mídia será cada vez mais programática e baseada em algoritmos, entregando filmes publicitários com maior poder de conversão na medida em que o provedor conhecer mais e mais os hábitos de quem assiste (ops, navega na) TV.

E não vamos esquecer que o telespectador pode desabilitar o ACR (Automatic Content Recognition) da sua SmartTV para assegurar sua privacidade (diga adeus ao IBOPE), o que o impedirá de receber ofertas personalizadas, ou dar um ‘skip’ no comercial depois de alguns segundos, da mesma maneira que “zapeia” por outros canais quando entra o intervalo.

Em resumo, as grandes redes de TV precisarão buscar novos modelos sustentáveis, já que o controle agora será da audiência que, se não gostar do que vê, simplesmente irá pular da TV para o VOD e outras plataformas para assumir o comando da programação.

De acordo com um estudo da Ampere Analysis, este ano as receitas globais com assinaturas de serviços de streaming OTT (over-the-top) irão alcançar US$ 46 bilhões e superar as vendas globais de ingressos de cinema, que deverão fechar o ano em US$ 40 bilhões. Será que as salas de cinema irão resistir aos novos tempos com um ticket tão caro? Mais: segundo relatório da Rethink Technology Research, o tempo médio de horas assistidas do VoD irá ultrapassar o tempo médio da TV em 2023.

Dados da MarketingCharts.com, também mostram claramente a transição para nova TV. Nos últimos 5 anos, o número de horas por semana assistindo a TV tradicional caiu 50,6% entre os jovens de 12 a 17 anos, isto é, os telespectadores de hoje e do futuro. Nesta mesma faixa etária, a audiência já passa 10h12m por semana vendo a TV tradicional versus 7h55m assistindo a TV conectada. No ano passado, 32% viram seus programas favoritos na Netflix e 26% na TV ao vivo; 56% assistiram online e 48% por um set-top box (TV ao vivo, VOD ou DVR – gravador de vídeo digital).

Quais então os desafios da TV do futuro?

Para se defender da propaganda política americana e modernizar a propaganda nacional, a indústria de cinema da China vem lançando filmes como “Wolf Warrior 2”, que conta a história de um soldado chinês na África que salva as vidas de centenas de compatriotas e africanos dos ataques dos mercenários americanos. O filme termina com uma mensagem na tela: “Cidadãos da República da China, quando se depararem com o perigo em terras estrangeiras, não desistam! Lembrem-se que vocês têm o
apoio de uma pátria-mãe forte”, levando os espectadores chineses ao delírio e a até mesmo a cantar o hino nacional na sala de exibição, conforme relata matéria da Economist. O filme levantou US$ 870 milhões, dez vezes seu antecessor “Wolf Warrior” lançado em 2015.

A TV, o cinema, a música, o teatro e as outras formas de mídia e arte criam a cultura e a identidade de um país ao longo do tempo. A Internet está quebrando isto e “globalizando” a cultura no formato dos aplicativos de conteúdo. Pare por um segundo e imagine a cena de uma criança chinesa assistindo o “Capitão América” salvando o planeta.

Você consegue imaginar o governo chinês permitindo toda uma geração de jovens idolatrando heróis americanos? É capaz de visualizar um conteúdo “inadequado” (respeitando as regras de censura de cada país) sendo transmitido em países com culturas rígidas, como os países de religiões mais conservadoras? Este é o novo poder da “Internet TV”, que traz consigo a publicidade global (hoje sob o domínio do Google, do Facebook e das outras gigantes da tecnologia) que, por sua vez, traz a mídia programática. Com uma base crescente de equipamentos prontos para rodar na rede 5G e a total quebra de paradigmas, cabe perguntar: para que servirão as leis brasileiras (e mundiais) existentes de “radiodifusão” e do “cabo”?

Como podemos manter uma cultura de conteúdo nacional e ao mesmo tempo abrir o mercado de conteúdo aos estrangeiros? Deveremos seguir o modelo da China e da Rússia, que anunciou que poderá fechar o acesso aos servidores internacionais de Internet, e restringir nossas fronteiras ao conteúdo estrangeiro? Ou devemos abraçar o mundo FAANG (Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Google)?

Atualmente, a licença dos canais de TV aberta é obtida através de concessão do Estado e a legislação determina que todas as emissoras de rádio e TV deverão ter ao menos 70% do capital total e do capital votante de propriedade direta ou indireta de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que serão responsáveis pela administração dos canais e irão estabelecer o conteúdo da programação.

É uma lei aplicável para TV da época de Assis Chateubriand, mas que deixa uma série de lacunas e questões para os dias atuais. Ela pode funcionar quando, como foi até hoje, a transmissão é feita pelos donos das concessões com a mesma antena instalada na Avenida Paulista décadas atrás. Mas esta lei não funciona neste novo mundo.

Da mesma forma, a “Lei do Cabo” determina cotas de conteúdo na programação. O problema é que o VoD não tem programação porque não existe “grade”. Portanto, não adianta encher o catálogo com conteúdos nacionais se os consumidores não desejam assistí-los.

Se a rede IP permite transmitir pela Internet o que qualquer produtor de conteúdo quiser, não é o caso de criar uma lei adequada aos novos tempos que possibilite tanto exportar nossas produções quanto estabelecer controles que preservem nosso patrimônio e identidade cultural?

São todas perguntas e reflexões ainda sem respostas “certas” porque, assim como nos outros setores, os legisladores não conseguem acompanhar a velocidade do avanço tecnológico. Foi assim com o Uber. Foi assim com o Airbnb. Foi assim com o Napster, que deu início ao fim da indústria fonográfica, lembram? Está sendo assim com as editoras de jornais e revistas em todo mundo. E, ao que tudo indica, será assim também com sua TV.

É bom ficar ligado.

*Omarson Costa é conselheiro de administração do Grupo Kallas. Formado em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet.