17/09/2010 - 6:00
Confira documentário sobre a construção do primeiro túnel a cortar os Andes
São 45 minutos chacoalhando em um pequeno trem até o ponto em que algumas dezenas de peruanos se revezam, dia e noite, no árduo trabalho de perfurar a Cordilheira dos Andes.
À medida que o pequeno vagão se aprofunda na escuridão do túnel, o espírito de aventura dá lugar à sensação de vulnerabilidade. Impossível não pensar nos chilenos presos a 700 metros de profundidade ou em algumas passagens de Germinal, clássico romance de Émile Zola, que descreve com detalhes as condições de trabalho dos mineiros franceses no fim do século retrasado.
Transposição: túnel com 20 quilômetros de extensão está sendo construído para levar água
do rio Huancabamba (abaixo) para o outro lado da cordilheira
Por esse imenso túnel, escavado sobre 2,5 mil metros de rocha, as águas do rio Huancabamba serão transportadas de um lado a outro da cordilheira, levando prosperidade para uma das regiões mais pobres do Peru. Quem está conduzindo a obra, uma das mais complexas do mundo, é a empreiteira brasileira Odebrecht, que vai investir cerca de US$ 300 milhões no projeto.
Rio Huancabamba
Dos 20 quilômetros necessários para finalizar a transposição das águas do Huancabamba, 14 quilômetros estão concluídos. Ao final da obra, 400 milhões de metros cúbicos de água ? o equivalente a mais de duas vezes o volume da Represa de Guarapiranga, que abastece a cidade de São Paulo ? passarão anualmente pelo túnel.
O objetivo é irrigar uma área de 43 mil hectares de terra seca na região de Lambayeque, a mais pobre do Peru, localizada a 900 quilômetros ao norte da capital, Lima. A região beneficiada equivale a mais de 50 mil campos de futebol e tem quase o mesmo tamanho de Porto Alegre.
A Odebrecht participa de duas fases do projeto. Na primeira, que prevê a escavação do túnel, ela ganhou a licitação do Projeto Especial Olmos-Tinajones (Peot), em 2006, e vai investir US$ 200 milhões. A empresa será também responsável pelo sistema de irrigação, empreendimento que receberá mais cerca de US$ 100 milhões da empreiteira.
O túnel que está sendo perfurado nos Andes é o segundo mais profundo do mundo, perdendo apenas para o buraco rodoviário que está sendo construído sob os Alpes, na Suíça. Ele é também o primeiro a cruzar de leste a oeste a famosa cadeia de montanhas.
Utilizando um ?tatuzão?, máquina semelhante à usada na ampliação do metrô de São Paulo, a empresa vai avançando lentamente, em meio a uma montanha de dificuldades. A história desse projeto faraônico, idealizado pelo presidente peruano Augusto Bernardino Leguía (1863-1932), remonta a 1925.
Parceria: a Odebrecht quer ampliar as parcerias público-privadas
no Peru, diz Jorge Barata, presidente da empresa no país
Ao longo dos anos, ingleses, italianos e russos, além dos próprios peruanos, tentaram sem sucesso uma forma de viabilizar a empreitada. Entre os motivos para o fracasso estavam questões tecnológicas e, principalmente, falta de recursos financeiros.
Vencer tamanha demonstração de força da natureza não é fácil. No centro da cordilheira, a temperatura pode alcançar até 54°C. O transporte de materiais é difícil, exigindo um planejamento quase perfeito. Estrangeiros ainda precisam lidar com tradições locais, como a que proíbe a entrada de mulheres no túnel.
Para os índios peruanos, a mãe natureza é um ser feminino e, portanto, tem ciúmes de outras mulheres. Mas o pior obstáculos são os ?estalidos de rocha?. O engenheiro Paulo Tassi, gerente de engenharia da Odebrecht, explica que, conforme a imensa parede de rocha é perfurada, a pressão que mantém tudo aquilo em pé é relaxada.
Com isso, o material que está em volta precisa ?se acomodar?, gerando uma espécie de terremoto e também um frio na espinha para quem presencia um desses tremores. No início do ano, um estalido de enorme magnitude danificou seriamente o ?tatuzão?, paralisando os trabalhos por três meses. Não fosse o incidente, o túnel já estaria concluído.
Agora, ainda vai demorar cerca de um ano e meio para ser finalizado. Esse é apenas um dos impactos ambientais do projeto, que não teve nenhum estudo sobre o tema. O outro é evidente. Vai se alterar o curso do rio, ao se transportar água de um lado para o outro da cordilheira e transformar a paisagem da região.
A engenharia financeira por trás do projeto também é inovadora no Peru. De acordo com o presidente da Odebrecht no país, o brasileiro Jorge Barata, foi ela que viabilizou o projeto. O modelo adotado pelo governo peruano é o de Parceria Público-Privada (PPP).
Todo o investimento será feito pela Odebrecht. Em troca, a empreiteira ganha a concessão do serviço de transporte de água por 20 anos. O governo garante a compra de um montante mínimo.
Desde que aportou no Peru, há 30 anos, a Odebrecht nunca viveu um momento tão favorável no país. No primeiro semestre de 2010, a expansão da economia foi de 8,17%. O setor que mais cresce é o de construção, que registrou um avanço de 22,7% no período.
Barata explica que a Odebrecht quer ampliar no país as obras feitas no modelo de PPP. Foi assim que a empresa conseguiu a concessão da fase dois do projeto. Logo que as águas chegarem ao outro lado dos Andes, a Odebrecht começa a cobrar pelo recurso natural.
Uma nova empresa, a H2Olmos, que pertence à Odebrecht, foi criada para ser a concessionária do projeto de irrigação. Ela será responsável por construir, manter e operar um sistema que vai abastecer os 43,5 mil hectares de terra. Sem água, essas terras valem US$ 200 por hectare.
Com água, o preço deve subir para US$ 4,25 mil. A H2Olmos vai lotear e leiloar a área e utilizar o dinheiro para pagar o governo pela terra e construir o sistema de irrigação.
A intenção é atrair investidores estrangeiros, principalmente da Ásia e do Brasil. A expectativa é de que a região se transforme em um polo de produção de frutas, cana-de-açúcar e aspargos.
O dinheiro do leilão, que deve gerar cerca de US$ 120 milhões, no entanto, não será suficiente para cobrir todos os custos, estimados em US$ 250 milhões. O restante virá da Odebrecht e vai se pagar com a receita proveniente da operação do sistema.
Se tudo der certo, no início de 2012, a região de Lambayeque deixará de ser a mais seca do Peru. Cerca de 1,1 milhão de habitantes voltarão a ter esperança de um futuro mais promissor e, quem sabe, ver sua renda per capita sair de US$ 2,7 mil para US$ 8,5 mi, mais próximo da média do país. Os Andes, por sua vez, não serão mais impenetráveis.