09/03/2019 - 10:32
O leilão da ferrovia Norte-Sul, marcado para acontecer no dia 28 de março, pode ter mais uma baixa. A estatal russa RZD, uma das maiores companhias ferroviárias do mundo, cotada para entrar na disputa, informou que não deve participar. A avaliação da empresa é que o edital publicado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) contém uma série de fragilidades que acabam beneficiando as empresas Rumo e VLI, que já operam malhas ferroviárias que se interligam com o trecho que será leiloado.
O trecho da ferrovia que será licitado tem lance mínimo de R$ 1,3 bilhão. O empreendimento já recebeu investimentos públicos de R$ 16 bilhões. Trata-se do principal projeto da agenda de infraestrutura do governo Bolsonaro. A ferrovia, que corta o eixo central do Brasil, tem 1.537 quilômetros de extensão e liga Porto Nacional (TO) a Estrela D’Oeste (SP). Seria a primeira ferrovia concedida à iniciativa privada em 12 anos.
Segundo Bernardo Figueiredo, ex-presidente da ANTT no governo Dilma Rousseff e consultor da RZD no Brasil, a principal preocupação dos russos está relacionada ao chamado “direito de passagem”, regra que permite o tráfego de cargas em trechos de diferentes concessionárias.
A avaliação da empresa é que o tema ficou mal resolvido no edital e não haveria garantia efetiva de que esse direito de passagem seria respeitado. A Norte-Sul não dá acesso direto a terminais portuários. Para escoar carga, portanto, o vencedor do leilão teria de utilizar ferrovias da Rumo, que vão até o Porto de Santos, ou da VLI, para os terminais do Maranhão.
Em janeiro, os russos enviaram um questionário com 30 perguntas sobre o edital para a ANTT. Na semana passada, segundo Bernardo Figueiredo, a estatal foi informada que só receberia as respostas cinco dias antes do leilão. “É uma situação muito difícil, porque não dá nem tempo de analisar as respostas. Além disso, nada do que foi sugerido pelos russos nas consultas públicas foi acatado”, comentou.
Um representante da RZD está vindo ao Brasil para conversar com o governo, segundo Bernardo. A estatal russa já atua em países como Alemanha, França e China, mas ainda não entrou na América Latina.
Procurada pela reportagem para falar sobre o assunto, a Rumo declarou que encontra-se em período de silêncio devido à emissão de debêntures e que, por isso, não podia se manifestar. A VLI reiterou o teor de manifestações já dadas sobre o assunto, quando afirmou que o edital da Norte-Sul “é público, transparente e aberto a todos os interessados em participar do processo de forma igualitária”.
A ANTT negou “veementemente a afirmação da empresa russa” e disse que o plenário do Tribunal de Contas da União “acompanhou todas as etapas de construção da documentação da concessão, tendo a agência acatado diversas recomendações feitas pela corte de contas”. A agência destacou ainda que o edital contou com cinco sessões públicas e que a equipe técnica respondeu a “70 manifestações e contribuições vindas da sociedade”.
Sobre o direito de passagem, a agência declarou que o valor máximo a ser pago para esse acesso foi fixado previamente à publicação do edital, para que as empresas possam avaliar o risco na formulação da proposta econômica. “A ANTT sempre balizou suas decisões e seus trabalhos com base em estudos e pareceres técnicos de seus servidores, dentro da legalidade e lisura, respeitando todos os princípios éticos da administração pública, e em permanente contato com os órgãos de controle do governo federal”, afirmou.
Contestação
O leilão da Norte-Sul já vem atraindo polêmica há algum tempo. Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério da Infraestrutura e à ANTT que suspenda a licitação, para que justifique a escolha do “modelo vertical” de concessão, em que apenas uma empresa controla o trecho. O MPF também questionou o fato de o edital não prever transporte de passageiros.
Duas semanas atrás, a Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente) entrou com uma ação popular na Justiça para tentar impedir o leilão, sob a justificativa que o edital privilegia empresas que já atuam no setor. Essa também é a percepção do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). “O edital dessa licitação, tal como está desenhada, favorece amplamente a empresa VLI e não acrescenta nada ao País”, afirmou o procurador do MP, Júlio Marcelo de Oliveira.