17/03/2019 - 13:10
O cineasta Jawad Rhalib, de 53 anos, afirma não ser “nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”. O homem que deturpou declarações da repórter Constança Rezende, do jornal O Estado de S. Paulo, para acusá-la falsamente de querer arruinar o presidente Jair Bolsonaro resolveu atacar o que chama de “esquerda” em sua primeira entrevista desde que pôs em seu blog o texto que deu origem à publicação no site bolsonarista Terça Livre. Esta acabou utilizada pelo presidente para atacar a imprensa em razão das investigações contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Dizendo-se “um jornalista independente e sem nenhuma conta a prestar a ninguém”, Rhalib negou ter relações com partidos políticos ou com políticos. E afirmou: “Quando fazia trabalhos abordando questões da esquerda, a direita jamais me atacou. Mas quando eu trato de um tema da direita, aí tudo é uma tempestade. É o que eu chamo de ‘ditadura da esquerda’.” Rhalib não especificou o que ou quem seriam os integrantes dessa esquerda.
O homem que procura se colocar como vítima do que chama de esquerda publicou seu texto Para onde vai a imprensa? no site de informações francês Mediapart, em 6 de março. Com apenas 20 seguidores, o blog de Rhalib foi encontrado e serviu de base para um artigo em defesa de Bolsonaro no jornal ligado à alt-right americana Washington Times, controlado pela Igreja da Unificação, fundada pelo reverendo Moon. Dois dias depois, o mesmo texto com a notícia falsa foi retomado pelo Terça Livre.
Durante a semana, o diretor do Mediapart, o jornalista Edwy Plenel, não só chamou o texto de Rhalib de mentiroso, como afirmou que o cineasta baseou-se em “conclusões erradas e traduções incorretas”. Em razão disso, o Mediapart retirou do ar o texto de Rhalib por concluir que ele trazia uma notícia falsa, o que desrespeitava as regras do site.
O Estado de S. Paulo entrevistou Rhalib em Bruxelas, quando o cineasta de origem belgo-marroquina se preparava para viajar para o Canadá. Amanhã, ele vai apresentar seu documentário No tempo em que os árabes dançavam no Festival Internacional de Filmes de Arte, em Quebec. A semana começou para ele com dezenas de telefonemas para seu apartamento, na Rua de Molenbeek, no bairro homônimo de Bruxelas.
Ali, o cineasta mora no quarto andar de um dos quatro blocos de prédios do condomínio quase ao lado do porto fluvial da capital belga, no Rio Senne. O bairro, que ficou conhecido por abrigar árabes ligados ao extremismo salafista, passa nos últimos dois anos por obras por todos os lados, nas quais os antigos galpões industriais dão lugar a novos prédios de apartamentos.
“Não temos mais sossego. Até de madrugada o telefone toca. Não consigo dormir”, disse Christine Migeotte, a diretora da R&R Productions, a empresa da qual Rhalib é sócio. O outro sócio da produtora é o publicitário Nourdin Rhaleb, CEO da agência VMLY&R, no Marrocos, que detém as contas de diversas empresas multinacionais.
Funções
O Estadão procurou Rhaleb para saber quais suas funções na produtora e se a agência que ele dirige no Marrocos tem participação editorial ou financeira nos projetos da R&R Productions, mas não obteve resposta. “Jawad Rhalib é um conhecido cineasta e ele, antes, é um homem de esquerda. Não tem nenhuma relação com a extrema direita”, disse Christine. “Ele deu essa opinião (o artigo em que distorceu as declarações de Constança) na internet e daí foi essa tempestade midiática.”
No bairro em que mora, Rhalib é um homem conhecido – ele vive há cerca de cinco anos no mesmo apartamento. Foi somente depois de o Estadão contatar Christine e o sócio do cineasta que Rhalib decidiu responder por escrito às perguntas do jornal. Antes, porém, Christine chegou a ameaçar a reportagem no meio da rua. “Se você continuar batendo em cada porta do bairro, nós vamos acionar nossos advogados para processá-lo.”
Nascido em Meknès, no Marrocos, Rhalib se formou em comunicação na Universidade Louvain-La-Neuve, que tem o francês como língua de ensino. “Não sei porque esse cineasta, que nunca trabalhou sobre o Brasil, e que trabalhou apenas sobre o mundo árabe muçulmano e a região do Magreb, de repente postou essa manipulação em seu blog no Mediapart”, afirmou o jornalista Edwy Plenel à Radio France Internacional.
Rhalib também se diz iluminado por um livro de três autores franceses – dois deles são antigos oficiais da área de informações, formados pela Escola de Guerra Econômica, em Paris. Trata-se de As redes de Soros para a conquista da África, que acusa o milionário George Soros de usar organizações não governamentais, como a Human Rights Watch, para derrubar governos africanos e assim dominar a riqueza dessas nações.
A mãe de Rhalib era uma dançarina no Marrocos e serviu de inspiração para seu documentário a respeito do preconceito contra a dança que se espraiou entre os árabes do Magreb ao Nilo. Rhalib disse que não esperava que seu blog pudesse despertar a “tempestade” que se seguiu à sua publicação sobre a imprensa e Bolsonaro. E afirmou que pretende produzir um documentário sobre a mídia. “O caso Bolsonaro não é o tema do meu documentário investigativo, mas sim o tratamento da informação pelos jornalistas.”
O cineasta se negou a fornecer a cópia completa da entrevista de Constança Rezende ao seu “colaborador”, que ele identificou como um estudante da Universidade do Texas. “Vou guardá-la para meu documentário.” Ele reafirmou que a imprensa quer “arruinar” Bolsonaro e diz que isso pode ocorrer com outros presidentes, inclusive aqueles “de esquerda”.
Ao justificar como seu blog foi encontrado em pouco tempo pela direita americana, iniciando o processo que levou ao tuíte de Bolsonaro, Rhalib comparou seu post a um filme. “Depois de fazer um filme, ele não mais lhe pertence. Você sabe bem disso. Infelizmente, nós não temos mais nenhum controle sobre isso, todo mundo pode usá-lo como bem entende. Esse foi o caso”, afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.