29/03/2019 - 19:57
A juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, decidiu nesta sexta-feira, 29, proibir os atos de comemoração do aniversário de 55 anos do golpe militar de 1964. Em decisão liminar, a juíza atendeu a um pedido apresentado pela Defensoria Pública da União (DPU), e afirmou que o ato impugnado contraria o princípio da legalidade previsto na Constituição Federal, uma vez a legislação estabelece que a proposição de data comemorativa deve estar prevista em lei.
Como revelou o jornal O Estado de S. Paulo no último dia 25, o presidente da República determinou ao Ministério da Defesa que fizesse as “comemorações devidas” da data, quando um golpe militar derrubou o então presidente João Goulart e iniciou um período ditatorial que durou 21 anos. A orientação foi repassada a quartéis pelo País. Nesta quinta-feira, 28, Bolsonaro disse que sugeriu às unidades militares que “rememorem” o 31.
Como o dia 31 cairá em um domingo, o Comando Militar do Planalto realizou nesta sexta-feira uma cerimônia para relembrar a data. O evento realizado em Brasília, contou com a presença do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol. Mesmo assim, a juíza tomou a decisão liminar.
A juíza afirma que o “ato administrativo impugnado, não é compatível com o processo de reconstrução democrática promovida pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e pela Constituição Federal de 1988” e que “afasta-se do ideário de reconciliação da sociedade, da qual é expressão a concessão de anistia e o julgamento de improcedência da ADPF 153, quando o Supremo Tribunal Federal recusou pedido de revisão da Lei nº 6.683/1979, mantendo ampla e irrestrita anistia aos crimes comuns, de qualquer natureza, quando conexos com crimes políticos ou praticados por motivação política”.
“Nesse contexto, sobressai o direito fundamental à memória e à verdade, na sua acepção difusa, com vistas a não repetição de violações contra a integridade da humanidade, preservando a geração presente e as futuras do retrocesso a Estados de exceção”, escreveu.
“Esse é o mote, inclusive, de sentença deflagrada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no ‘Caso Herzog e outros’, reproduzida ao Id Num. 43099478. Registre-se que o Brasil acatou a sentença da referida Corte Internacional, instituindo grupo de trabalho para seu devido atendimento, por meio da Portaria nº 281, de 30/07/2018, do Ministério dos Direitos Humanos”, anotou.
A magistrada ainda diz que o ato “impugnado contraria, ainda, o princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, eis que a Lei nº 12.345/2010 estabelece que a proposição de data comemorativa será objeto de projeto de lei (art. 4º), acompanhado de comprovação da realização de consultas ou audiências públicas (art. 2º), segundo critério de alta significação para os diferentes segmentos que compõem a sociedade brasileira (art. 1º)”.
“Desse modo, a Administração Pública, jungida ao princípio da legalidade, não deve estabelecer celebração de data sem a previsão expressa em Lei, previamente debatida e aprovada pelo Congresso Nacional”, escreve.
Reação
Nesta sexta-feira, o Instituto Herzog e a Ordem dos Advogados do Brasil enviaram à Organização das Nações Unidas uma denúncia contra Bolsonaro. O documento afirma que o presidente e outros membros do governo tentam “modificar a narrativa histórica do golpe que instaurou uma ditadura militar”.
A determinação de Bolsonaro gerou uma reação de órgãos e entidades brasileiras, como o Ministério Público Federal e a DPU. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do MPF, afirmou que utilizar a estrutura pública para “defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais” pode caracterizar ato de improbidade administrativa, porque “atenta contra os mais básicos princípios da administração pública”.
A ordem do dia nesta sexta, assinada pela cúpula das Forças Armadas e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, seguiu a determinação do presidente Jair Bolsonaro de “relembrar” o 55º aniversário do movimento cívico-militar. O documento foi lido na íntegra por uma civil. O documento caracteriza a data como um “episódio simbólico”. Em um dos trechos, afirma que “as Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação”.
O pedido
A magistrada acatou pedido do defensor público regional federal de Direitos Humanos do Distrito Federal Alexandre Mendes Lima de Oliveira.
Em ação civil pública, também assinada pelos defensores públicos Alexandre Benevides Cabral, Amadeu Alves de Carvalho Júnior, Thaís Aurélia Garcia e Fernanda Cristine de Paula, Oliveira pede que “seja deferida a tutela de urgência” para que se determine que a União se abstenha de levar a efeito qualquer evento em comemoração a implantação da ditadura no Brasil (Golpe de 1964), proibindo especialmente o dispêndio de recursos públicos para esse fim”.
O defensor ressalta ser necessária a proibição de gastos públicos com o possível festejo. “A ordem presidencial para comemoração do ‘Golpe de 1964’ deve ser executada no dia 31 de março de 2019 e a indefinição sobre o formato das comemorações pode gerar o dispêndio de recursos públicos em violação à moralidade administrativa e à memória de todas as pessoas que foram perseguidas, torturadas e assinadas durante a implantação do regime ditatorial no Brasil”.