02/04/2019 - 7:22
As desigualdades sociais do Rio inspiraram o economista americano Glen Weyl, pesquisador da Microsoft e da Universidade Princeton, a desenvolver parte das ideias do livro Mercados radicais, em coautoria com Eric Posner, professor da Escola de Direito da Universidade de Chicago. No livro, cuja tradução brasileira acaba de chegar às livrarias pela Companhia das Letras, os autores defendem um aprofundamento radical da economia de livre mercado, por meio da criação de um sistema de “leilão perpétuo” que, no extremo, mudaria completamente a concepção de propriedade privada.
No sistema, cada bem (edifícios, fábricas, lojas, lotes de terra, etc.) teria seu preço corrente declarado. Quem desse um preço maior por eles poderia tomar sua posse. Os leilões seriam conduzidos por meio de aplicativos para celulares baseados em configurações-padrão. Leis definiriam regras básicas. O sistema tornaria a propriedade privada, em larga medida, pública, já que os bens à volta de cada um se tornariam, parcialmente, de todos.
O economista, que morou no Rio por três meses em 2007, está no País para lançar o livro. Confira a entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo:
O livro propõe o “radicalismo de mercado” para contrapor o “fundamentalismo de mercado”, como chama a visão tradicional de que os mercados devem ser fortalecidos, com menos intervenção estatal. Quais os problemas do fundamentalismo de mercado?
O fundamentalismo de mercado destruiu os mercados. Criamos a internet, todos pensavam que isso iria abrir tudo para muita competição e, agora, temos o Facebook e o Google, que provavelmente têm mais poder do que qualquer outra organização na história humana. Eles controlam de duas a três horas, na média, do tempo de cada pessoa mundo afora. Isso é a versão mais extrema de planejamento central (modelo econômico do Bloco Soviético) que já vimos e foi criada pelo “livre mercado”.
O fundamentalismo de mercado leva ao monopólio?
A ideia de que podemos simplesmente deixar o sistema de propriedade privada com o qual estamos acostumados funcionar e que isso levará a competição e produtividade no benefício dos mercados é completamente ingênua.
Como o Rio inspirou as ideias do livro?
O Rio é uma cidade tão impressionante. É a cidade mais bonita do mundo, na minha opinião. E, ao mesmo tempo, tem algumas das mais extremas e visíveis desigualdades do mundo. Você vira a cabeça em um lado do Leblon e vê a Rocinha em cima do morro. Ao mesmo tempo, você vê no Leblon poucas casas para as pessoas pobres que trabalham na área. Tudo é alocado para o propósito errado. Isso me fez pensar que tem de haver uma forma melhor de alocar a terra, que poderia ser tanto mais igualitária quanto também permitir que se faça melhor uso de todos os recursos em volta.
É viável colocar em prática o sistema de leilões proposto no livro?
Queremos desenvolver as ideias gradualmente, num processo de experimentação, por meio de startups, de experimentos em pequena escala. E isso já está acontecendo. Em todos os lugares há gente experimentando com essas ideias. No Chile, tem gente pensando em fazer isso com recursos naturais. Nos EUA, com o espectro (de ondas de rádio, concedido pelos governos). Isso não vai começar com as casas das pessoas no Rio ou nas favelas, mas vai começar em espaços de coworking, onde se pode alugar espaços de trabalho nesse modelo. Poderia começar em desenvolvimentos imobiliários comerciais, em trabalhos de arte, em endereços de internet.
Como funciona o sistema?
Qualquer um pode pagar o preço que a pessoa que detém o bem no momento publicou, mas a pessoa tem de pagar um imposto sobre o preço publicado. Então, isso impede que a pessoa publique um valor muito alto. Esse sistema foi originalmente proposto para o Chile, por Arnold Harberger, um economista famoso de Chicago.
Já que você citou o Chile e Harberger, as reformas liberais que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, propõe não são baseadas no “fundamentalismo de mercado”?
Os “Chicago boys” foram originalmente para o Chile porque Arnold Harberger era casado com uma chilena. A proposta original dele não era privatização, era essa ideia de leilão contínuo para a propriedade privada. Ele propôs isso em 1962, dez anos antes da ditadura (o regime liderado por Augusto Pinochet assumiu em 1973). Foi só mais tarde que (o economista liberal da Universidade de Chicago) Milton Friedman veio, quando já havia a ditadura, quando os negócios estavam no poder. Eles (os “Chicago boys”) foram para essa versão (das reformas), que teve alguns benefícios para o Chile, mas foi muito desigual e deu muito poder para um número pequeno de pessoas. A versão original e correta da ideia de Chicago, na verdade, distribui o poder, faz as coisas mais livres no mercado e levanta o dinheiro necessário para distribuir o valor igualmente entre os cidadãos.
E quais as consequências de se aplicar, no Brasil de hoje, reformas como as que o Chile de fato fez?
Se não se controlar a competição, não se garantir que as coisas sejam constantemente realocadas para novos usos, chega-se a grandes monopólios. E provavelmente esses monopólios serão controlados pelo número pequeno de famílias que tradicionalmente tiveram o poder no Brasil. Isso é muito perigoso, porque reduz a inovação e o potencial empreendedor. Foi o que aconteceu na Rússia.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.