07/04/2019 - 7:49
Coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), Armando Castelar considera que o governo Jair Bolsonaro apresentou planos “ambiciosos” para a área, mas nestes quase 100 dias vem pecando na articulação para garantir a aprovação da principal delas: a reforma da Previdência. Ele vê no diálogo com parlamentares o único caminho para garantir que essa pauta passe no Congresso. Ainda assim, segundo Castelar, isso não vai garantir um crescimento substancial do País neste ano – sua estimativa é de uma taxa de, no máximo, 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Castelar é um dos participantes do evento – uma parceria entre o Estado e o Ibre – que vai analisar os 100 primeiros dias do governo, no próximo dia 12, no Rio. A seguir os principais trechos da entrevista:
Qual a avaliação que o sr. faz dos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro?
Na economia, o governo veio com uma agenda ambiciosa, que combina uma parte de natureza fiscal, ligada à redução do déficit público e do papel do Estado, e garantir que o teto de gastos seja respeitado. E tem toda uma outra agenda que em certo sentido é ainda mais cara ao governo, que é a microeconômica, de redução de Estado, abertura econômica e redução da carga tributária, mas que não pode ser implementada sem outras coisas serem resolvidas porque o ambiente macroeconômico seria muito ruim para essas reformas poderem funcionar.
O governo está sendo eficiente em apresentar essa agenda?
Logo quando Bolsonaro deu posse aos ministros, Paulo Guedes (Economia) chegou a mencionar que iria soltar uma reforma a cada dois dias. Ele criou uma secretaria da privatização, falou em privatizar subsidiárias estatais, em reduzir a participação dos bancos públicos na economia, em abertura comercial. Lá no final de janeiro, começou uma atitude muito forte de que a reforma da Previdência deveria ser a grande prioridade deste início de governo. E aí essa agenda sumiu do noticiário, ficou só a reforma da Previdência.
Como o sr. avalia a ida e Paulo Guedes à Câmara? Amenizou a dificuldade de articulação com o Congresso?
Não conseguir desenvolver uma relação positiva com o Congresso compromete a dimensão do que será a reforma. Provavelmente, a mesma coisa pode acontecer com as outras reformas que venham a ser propostas na sequência, com esse improviso que se fez. Acho que a ida de Guedes à Câmara foi um bom começo – a gente viu a repercussão negativa quando ele desmarcou. Mas também evidenciou uma desorganização da base. Ninguém apareceu como defensor da reforma.
O presidente fez uma rodada de conversas com alguns partidos. Depois sinalizou que pode mudar o comando do MEC. É o caminho?
Não vejo outra forma. É importante o presidente conversar com os partidos. Mas há a demanda de o presidente se identificar com a reforma. Ele tem dado declarações dúbias a respeito. Não está identificado com a reforma da Previdência.
E como reverter isso?
O que poderia ter mais impacto agora é uma melhora na relação entre Legislativo e Executivo. Existe uma boa vontade do Congresso com a reforma da Previdência. A sociedade tem falado muito nos últimos anos sobre o assunto. Mas é preciso pacificar esse clima para dar confiança às pessoas de que será uma reforma significativa, com impacto na vida das pessoas e nas contas públicas, e que o País vai deslanchar daí em diante. As pessoas precisam de confiança. O que atrapalha é o conflito e a percepção de que não está claro que a agenda econômica é prioridade.
A taxa de desemprego ainda continua alta. Quais sinais o governo deu no sentido de melhorar esse quadro?
O governo não deu nenhuma sinalização mais forte, a não ser dizer que quer fazer uma nova reforma trabalhista. Na proposta de capitalização que está sendo colocada, não há nenhuma previsão de contribuição previdenciária do empregador. Também estava na proposta da reforma previdenciária o item que acaba com o pagamento de multa do INSS do empregado aposentado. Então, tem componentes ali sem relação direta com a Previdência e, sim, com o mercado de trabalho. Isso mostra que o governo pretende fazer uma reforma trabalhista reduzindo, principalmente, os encargos.
Isso é suficiente?
São medidas de impacto a longo prazo, que não vão resolver o problema imediato da taxa de desemprego elevada. O que vai resolver é um crescimento mais rápido da economia. Neste sentido, a reforma da Previdência pode ajudar, mas, se ela for desidratada, por essa falta de confiança, isso afeta o crescimento e a capacidade de baixar a taxa de desemprego. Não existe a perspectiva de nos próximos três, quatro anos essa taxa de desemprego cair de uma forma muito significativa. Chegaremos em 2020 provavelmente com uma taxa mais baixa, mas não muito mais baixa da que a gente tem hoje.
O que fazer para o País retomar o crescimento?
Ter uma situação fiscal que permita aos agentes econômicos olharem e dizerem: a dívida pública não vai explodir. Quando isso for feito, aumenta a confiança dos investidores porque dá um sinal de que o País tem planejamento, está fazendo investimentos, e vai reduzir os juros. Aí é que entra a agenda liberal, mas seu impacto não vai ser este ano. Neste ano, seria muito mais a questão da confiança, da questão fiscal. A perspectiva de recuperação da economia para este ano depende do clima – e aí eu acho que os conflitos políticos atrapalham muito. A gente vê isso na revisão para baixo da previsão de crescimento do PIB. A tendência é que teremos um crescimento na faixa de 1,5% a 2% este ano. Não vai ser uma melhoria tão significativa. Então, a gente vê que nesses 100 dias o governo falhou em criar um clima mais favorável. O ambiente externo está favorável aos países emergentes, mas, apesar disso, nesses primeiros 100 dias o governo não foi bem sucedido em construir um clima favorável para a retomada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.