Cerca de sete meses antes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, uma vistoria da Defesa Civil de Minas Gerais acusou que o sistema de sirenes no local não funcionava da maneira adequada. Em depoimento na segunda-feira, 8, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas que apura as causas da queda da barragem, o coordenador-adjunto da Defesa Civil, Flávio Godinho, disse que o órgão pediu à Vale que regularizasse o sistema. Godinho, no entanto, não soube dizer se a solicitação foi atendida.

Em janeiro, logo após a tragédia, o então presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse que o sistema de sirene havia sido “engolfado” no rompimento da barragem. “Se a lama levou aquela sirene qual é a consequência lógica disso? É que ela não deveria estar ali. Porque se existisse a possibilidade da lama varrer aquela sirene, ali não era o local adequado”, afirmou o tenente-coronel nesta segunda.

A vistoria da Defesa Civil ocorreu na metade do ano passado. “Tenho a informação de uma vistoria que foi feita no dia 16 de junho (de 2018). Nesse dia, foi verificado que as sirenes que ali estavam não estavam em pleno funcionamento”, disse Godinho. “Após isso, e sobre o momento do rompimento, não tenho como afirmar se a sirene estava ali e por que ela não foi acionada. Foi feito todo encaminhamento para que essa ação emergencial fosse feita.”

Em nota, a Vale disse que “o sistema de sirenes estava em fase de implementação em junho de 2018, seguindo a portaria 70389/2017, da ANM, que determina que estes dispositivos estejam em funcionamento até o prazo de julho de 2019”.

Segundo Godinho, no entanto, mesmo com todo o plano de emergência em funcionamento, dificilmente seria possível salvar todos os funcionários – próprios e terceirizados – da empresa. O coordenador-adjunto da Defesa Civil não quis projetar o número de mortes que poderiam ter sido evitadas caso a sirene estivesse funcionando corretamente. “Não tem como falar. É uma questão técnica que contempla várias ações. E a gente não consegue medir vidas em função de planos”, destacou.

Refeitório e explosões

A CPI também ouviu representantes dos trabalhadores da empresa. Segundo Eduardo Armond, do Fórum Sindical dos Trabalhadores Diretos, cerca de dois meses antes do rompimento da barragem funcionários da Vale pediram que o refeitório fosse trocado de lugar. A área foi uma das varridas pela lama.

“Trabalhadores alertaram a Vale sobre o alto grau de hidratação, sobre explosões, sobre a localização do refeitório. Pediram uma reunião em novembro para que retirassem o refeitório, porque durante o almoço eles ouviam as explosões. Isto está no depoimento que trabalhadores deram ao MP, que indicam claramente que a Vale sabia, tinha informações, correu o risco e matou 300 pessoas”, ressaltou Armond, que integra um movimento de funcionários terceirizados da Vale que foram atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho.

A hidratação, citada por Armond, é um volume excessivo de água na barragem que pode causar a chamada liquefação – uma das possíveis causa para o rompimento da estrutura.

Em nota, a empresa diz que “não há impedimento legal para a construção de estruturas na Zona de Autossalvamento (ZAS)”. Essa zona corresponde a uma a área de 10 quilômetros a jusante da barragem ou meia hora de rolagem da onda de lama. O refeitório e outras estruturas da empresa destruídas na tragédia estavam distantes 1,5 quilômetro da barragem.

Rotas

Também à CPI, o advogado do Sindicato Metabase em Brumadinho, Luciano Pereira, disse que depoimentos de trabalhadores da Vale falam de funcionários que teriam seguido rotas de fuga estabelecidas e que morreram nesses caminhos, atingidos pela lama. O representante do sindicato afirmou também não ter havido treinamento correto aos trabalhadores. “Alguns dos depoimentos tomados a termo pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) dão conta de que os trabalhadores da Vale não estavam sendo treinados. Não tinham situação de formação para poderem reagir a um rompimento de barragem como esse”.

Ainda segundo o advogado, funcionários disseram que no fim do ano de 2018 ocorreu apenas uma atividade de simulação para um eventual rompimento, só com trabalhadores diretos da Vale. “Nessa simulação, a empresa indicou quais seriam as rotas de fuga, e o mais absurdo é que as rotas de fuga indicadas pela empresa, especialmente a que saía da região do restaurante e ia até o ponto de encontro, era uma rota que fez com que os trabalhadores que seguiram as orientações da empresa fossem vitimados e alcançados pela lama”.

“O depoimento que temos de inúmeros trabalhadores é que os que estavam na região do restaurante e fugiram pela rota de fuga morreram. E aqueles que não obedeceram as orientações da empresa e subiram para áreas mais altas, esses foram os que conseguiram sobreviver”, relatou o advogado.

Até o fechamento desta reportagem, a Vale não havia enviado posicionamento da sobre o formato adotado para a implantação das rotas de fuga.