10/05/2019 - 13:35
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério da Saúde que “se abstenha de realizar ações voltadas a abolir o uso da expressão violência obstétrica” e, “em vez disso, tome medidas para coibir tais práticas agressivas e maus tratos”.
A recomendação, assinada pela procuradora da República Ana Carolina Previtalli, tem relação com o despacho publicado na última sexta-feira, 3, pela Secretaria de Atenção à Saúde, que indica que o termo “violência obstétrica” tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado”.
A procuradora orienta que o Ministério esclareça, por meio de nota, que a expressão “violência obstétrica” já é consagrada e “usualmente empregada pela sociedade civil” e pode ser usada “livremente”, “independentemente de eventual preferência” do Ministério em usar outros termos.
O despacho do Ministério da Saúde foi editado em resposta à consultoria jurídica que pedia um posicionamento sobre o termo. No documento, o órgão afirma que a expressão “não agrega valor” e que “estratégias têm sido fortalecidas para a abolição de seu uso.
O texto diz ainda que as “normativas do Ministério têm o compromisso de se pautarem nessa orientação”. O documento indica que a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o termo violência é de “uso intencional de força física ou poder”.
Segundo o texto, essa caracterização “estaria associada claramente a intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido”.
O Ministério Público Federal diz que essa interpretação está “flagrantemente distorcida e equivocada”.
Segundo a Recomendação, a OMS “reconhece expressamente a ocorrência de maus tratos e violência no parto”, conforme documento “Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde”, publicado em 2014.
Um trecho do documento da OMS destacado pela procuradoria aponta relatos de “humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), cuidado negligente durante o parto levando a complicações evitáveis e situações ameaçadoras da vida”, entre outros.
Segundo Ana Carolina, a violência obstétrica “deve ser reconhecida e combatida como violência de gênero” nos termos da Convenção do Pará, assinada em 1994. O documento aponta que o Ministério da Saúde deve “pautar suas ações e manifestações de acordo com os compromissos assumidos na Convenção”.
Na recomendação, a procuradora menciona ainda um inquérito civil público, pelo qual é responsável, que conta com relatos de denúncia de violência obstétrica em maternidades e hospitais de todo o país. O documento tem quase 2000 páginas e 40 anexos.
A Procuradoria estabeleceu um prazo de 15 dias para que o Ministério da Saúde responda a recomendação, sob pena de “consequências legais cabíveis”.
Defesas
O Ministério da Saúde se manifestou por meio de nota: “As orientações sobre o uso do termo “violência obstétrica” foram publicadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em outubro de 2018, pelo parecer CFM 32/2018. A entidade é responsável pela regulamentação da atividade médica no país. Acompanhando a instrução e atendendo ao apelo de entidades médicas, o Ministério da Saúde publicou despacho no qual orienta que o termo ‘violência obsétrica’ não deve ser usado de maneira indiscriminada, principalmente se associado a procedimentos técnicos indispensáveis para resolução urgente de situações críticas à vida do binômio mãe-bebê relacionados ao momento do parto”.
“É importante ressaltar que o Ministério da Saúde pauta todas suas recomendações pela melhor evidência cientifica disponível, guiadas pelos princípios legais, pelos princípios éticos fundamentais de cada categoria profissional, pela humanização do cuidado e pelos princípios conceituais e organizacionais do Sistema Único de Saúde. As estratégias adotadas visam reforçar o compromisso de fortalecer e qualificar o cuidado humanizado no país.”
A OAB também se manifestou: “A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Comissão Nacional da Mulher Advogada e da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde, vem a público repudiar o despacho proferido no dia 3 de maio de 2019, pelo Ministério da Saúde, que busca abolir o uso do termo ‘violência obstétrica’, por considerá-lo impróprio.
“Tal postura dificultará a identificação da violência de gênero ocorrida durante a assistência do ciclo gravídico-puerperal, impactando negativamente a saúde pública. Ressalte-se que a violência de gênero ocorrida contra a mulher em estabelecimento de saúde, público ou privado, durante a sua assistência, é considerada um agravo de saúde pública e deve ser objeto de notificação compulsória, conforme disposto na lei federal nº 10.778/2003”.
“O ato de amenizar condutas violentas cometidas contra as mulheres, sem observar casos específicos e o reflexo do despacho no mundo jurídico, fere o artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Também contraria fortemente as políticas públicas de proteção e erradicação da violência contra a mulher e a Convenção de Belém do Pará, além da já citada Lei Federal nº 10.778/2003”.
“A medida também constitui ato de censura contra importantes atividades científicas desenvolvidas em todo país sobre o tema, por limitar a utilização de dados e evidências nos programas que serão desenvolvidos pelo Ministério da Saúde”.
“O despacho, portanto, claramente fere os direitos fundamentais das mulheres, as políticas públicas de identificação, prevenção e erradicação da violência contra mulher e o interesse público.”
Anadef
“A Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) repudia com veemência o despacho do Ministério da Saúde que abole o termo ‘violência obstetríca”, usado para definir casos de violência física ou psicológica contra mulheres e recém-nascidos na gestação ou na hora do parto.
“A Anadef julga a extinção do termo um verdadeiro preciosismo político, visto que a justificativa do Governo Federal foi associá-lo ao viés ideológico. A cinco dias do Dia das Mães, é inquestionável o retrocesso nos direitos das mulheres promovido pelo Ministério da Saúde com a medida, que está na contramão do trabalho realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pautado na redução da mortalidade materna, em muitos casos provocada pela violência obstétrica”.
“Para os defensores e defensoras federais, a violência obstétrica continua sendo qualquer ato de irresponsabilidade ou agressão praticado contra gestantes e o bebê durante o atendimento nas maternidades. A Anadef se solidariza com todas as mães do Brasil e reafirma a sua luta contra qualquer violência à mulher, seja ela física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual.”