28/05/2019 - 7:36
O aposentado Carlos Leal, de 69 anos, passou a maior parte da última noite acordado, recortando moldes de papelão e pintando faixas contra a Vale, dona da mina do Gongo Soco, em Barão de Cocais (MG), que desde fevereiro está prestes a desabar. “Honestamente, no início achei até prudente nos retirar da chamada área de risco”, diz. “Mas agora não acredito que a barragem vai cair.”
Leal morava em um sítio na Vila do Gongo, um dos quatro distritos que podem ser soterrados em poucos minutos pelo mar de lama de rejeitos, caso a estrutura se rompa. Por causa do risco, foi levado para um apartamento alugado em Santa Bárbara, cidade vizinha, longe da sua horta e dos passarinhos que costumavam pousar na janela de casa. “Eu queria passar meus últimos dias ali, mas olha o que está acontecendo… Eles vão destruindo nossa vida.”
E não é exceção. Em Cocais, o número de moradores que não acreditam estar sob risco cresce a cada dia, cansados de transtornos causados pela incerteza sobre a barragem.
Na semana passada, a cidade havia parado com a notícia de que uma auditoria contratada pela Vale apontava que a parede de contenção da mina, o talude, romperia até domingo, 26, podendo causar a queda da barragem. Mas o prazo passou. Embora a queda do talude ainda seja dada como certa, ninguém arrisca mais informar prazo. Os sucessivos alertas sobre a estrutura, que não se confirmaram, têm provocado efeito colateral: o aumento de descrentes.
Autoridades envolvidas no plano de emergência já demonstram preocupação. “Quando você determina que o talude vai cair em uma data, e não cai, pode ter certeza que aumenta a comunidade que não acredita mais em nada”, diz o prefeito Décio Geraldo dos Santos (PV). “Temo que isso possa atrapalhar. As pessoas têm de ficar atentas para que a gente consiga salvar todas as vidas.”
De volta à rotina
Nesta segunda-feira, agências bancárias e dos Correios, que haviam fechado as portas, voltaram a funcionar. Escolas e o hospital também ficaram abertas. Para o prefeito, a continuidade dos serviços é importante para os moradores e para a “imagem da cidade”. “Até os parentes estavam com medo de vir aqui fazer visita”, diz o prefeito.
“Muita gente fala que a barragem não vai romper, mas quem sabe? A gente fica desnorteado”, diz o técnico de almoxarifado Adão Miranda, de 41 anos.
Também morador da Vila do Gongo, o aposentado José Sayão, de 79 anos, é outro que não acredita mais no rompimento da barragem. “Vai fazer quatro meses que me tiraram de casa e até agora nada”, diz.
Segundo conta, o imóvel foi alvo de saqueadores no período. “Arrombaram a porta e levaram TV, eletrodoméstico, acabaram com tudo. Uma zona.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.