21/07/2019 - 10:33
Os dias não estavam fáceis para Maria** no verão de janeiro de 2017. Vítima de uma doença grave, ela se submeteu a uma cirurgia e precisou deixar sua poodle, chamada Kika, na casa da mãe durante a internação, em São Paulo. O que ela não esperava era que aquela podia ter sido a última vez que a cachorra se estenderia sobre os seus braços.
A cadela fugiu assim que a dona se hospitalizou e ficou cinco dias sem dar sinal de vida. Foi aí que a família recorreu ao serviço de procura por animais desaparecidos da Busca Pet. Mesmo recém-operada, Maria decidiu acompanhar as investigações nas ruas da cidade e não demorou muito para se encantar com o trabalho do membro especial da equipe: o Barão, um cão farejador da raça Rastreador Brasileiro, desenvolvida pelo cientista Oswaldo Aranha, na década de 1960, para ser resistente às características climáticas e geográficas do País.
Barão, de seis anos de idade, resolveu a angústia da mulher em apenas quatro horas. Bastou seu treinador lhe dar uma pelúcia com o odor de Kika para ele descobrir pelo olfato o caminho percorrido por ela.
O segredo para o sucesso é a metodologia de ensino Rastro Purador Específico, na qual se oferece uma fonte de cheiro ao cão e ele aprende a procurar por uma igual. Isso serve para encontrar qualquer tipo de bicho, como gato, cavalo, vaca e até mesmo aranhas, tartarugas e hamsters.
A estratégia também é usada pela empresa com seus dois outros cães (Irá e Gugo) desde 2016, quando foi criada. Segundo o fundador e diretor técnico da Busca Pet, Jorge Pereira, o treinamento leva até dois anos e cada um tem sinais e especialidades diferentes, que variam de acordo com o comportamento de cada cachorro.
Irá, por exemplo, só faz buscas em mata e zona rural, sempre focando os olhos no chão. Já Gugo se destaca por dificilmente ‘pedir’ descanso nas procuras e por levantar o rabo para avisar que está no rastro do desaparecido. Enquanto isso, Barão trabalha se orientando pelas correntes de ar com o cheiro do alvo.
As investigações contam também com drones, câmeras de visão noturna e armadilhas de captura específicas para cada espécie. Há ainda um biólogo que explica o modus operandi de cada bicho, uma vez que cada espécie tem um jeito único de se movimentar e buscar sobrevivência.
“Se é um cachorro sociável, ele vai buscar a companhia das pessoas. O assustado evita se aproximar e explora a área dando voltas em forma de caracol”, descreve. “Quando o pet se perde perto de casa, ele vai para lugares que conhece, como praças. Agora quando não sabe onde está, ele procura onde tem água, de maneira sorrateira”, completa.
De janeiro de 2017 a janeiro de 2019, a empresa calcula 650 buscas, em média, no Estado de São Paulo. Dessas, cerca de cinco deram errado sob a suspeita de sequestro, pois o cheiro do animal ia até determinado ponto e depois desaparecia. Ou seja, provavelmente o pet foi colocado dentro de um veículo ou o criminoso o pegou nos braços e não deixou vestígios.
Roubos e fogos de artifício aumentam número de desaparecimentos
Crimes assim geram frustração, como no caso de Janaína Ferreira, de 23 anos. Era em uma manhã de sábado, em março de 2016, quando sua mãe saiu para passear com a bulldog francês da filha, na capital de São Paulo, e foi abordada por dois assaltantes em um carro. “Quer doar o cachorro?”, perguntaram.
O que a mulher não esperava era que a resposta negativa seria o estopim para a violência: um dos criminosos sacou uma arma e a obrigou a entregar o cão. “Minha mãe não teve como reagir. Comprei a cachorra para me ajudar na depressão e não podia fazer da perda dela algo para me afundar mais ainda”, afirma. “Cada vez que eu via um cão da mesma raça eu já achava que era ela ou que eu estava louca.”
A história da jovem não é um caso isolado. Jorge Pereira calcula que a empresa recebe de 80 a 120 pedidos de ajuda por dia de todo o Brasil, o que dá, em média, 36 mil pedidos por ano – incluindo crimes. “Houve um aumento considerável de animais roubados, englobando furtos na residência. Tivemos o caso de um canil onde levaram 45 cachorros. Com o cão farejador, ficamos sabendo do envolvimento de funcionários quando demos a ele o cheiro de cada um”, recorda.
Vale ressaltar que o número de chamados aumenta nas férias escolares, pós-feriados, em dias de chuva com trovões, datas comemorativas e jogos de futebol – que costumam ter fogos de artifício -, chegando a 400 mensagens em um único dia. Isso porque muitos animais se assustam com as explosões ou com situações incomuns, como grande movimentação de pessoas e músicas altas.
A fundadora da ferramenta de busca Procura-se Um Cachorro, Andrea Giusti, também se depara com essa alta demanda. Sua iniciativa funcionou como um serviço de geolocalização por computador, de 2012 a 2017, e ajudou no resgate de 4,6 mil animais, com divulgação no site do governo de São Paulo.
Nos últimos dois anos, a falta de patrocínios fez o projeto diminuir e se limitar ao Instagram e Facebook, onde recebe em média 1,5 mil pedidos de ajuda por mês – cerca de 50 por dia e 18 mil por ano.
Governo e Prefeitura se isentam
Apesar do alto número de casos, os órgãos do governo estadual e da capital paulista não possuem dados oficiais com o total de animais desaparecidos ou resgatados, e se isentam da tarefa de procurá-los. Questionada pelo E+, a Secretaria Municipal de Saúde, responsável pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), afirma que o serviço só recolhe animais nas ruas quando há ameaça à vida humana, se estiver em “extremo sofrimento”, ou se houver denúncias de maus-tratos. Já a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo alega que não existem trabalhos das polícias civil e militar voltados para a procura de bichos desaparecidos, embora possuam cães farejadores e treinadores.
“Faltam políticas públicas para a segurança animal. As ONGs estão conscientes sobre o problema, ajudam como podem, mas o governo deveria estar preocupado com isso muito antes delas e assumir uma responsabilidade que é dele”, critica Andrea.
Jorge Pereira concorda com a ativista. Segundo ele, a maioria dos cães de rua não foi abandonada. “São animais perdidos, que os donos pararam de buscar porque não tinham mais recursos e apoio. Então seria bom uma iniciativa do governo para diminuir o sofrimento das famílias.”
Falta de prevenção e despreparo policial
Thomas Wang, de 24 anos, perdeu a sua cachorrinha Biju em São Paulo e ficou sem ela por três dias. Assim como Janaína, ele não sabia da existência de buscas por cães farejadores e drones, limitando-se a distribuir cartazes e mobilizar vizinhos.
Apesar de ter sido só um susto, o rapaz relata que as polícias civil e militar lhe negaram ajuda. “Fomos na delegacia pedir ajuda, mas disseram que não podiam fazer nada”, conta. “[Além disso], os PMs não tinham nenhuma informação sobre desaparecimento. Sugeriram fazer cartazes com foto e colar pelo bairro”, relata.
Janaina Ferreira também critica a atuação das autoridades. Ela registrou um boletim de ocorrência após o sequestro de sua bulldog, mas nunca foi intimada a prestar esclarecimentos. “Sei que esse tipo de coisa não chama a atenção dos escrivães de polícia”, diz ela, que trabalha na área do direito criminal.
A protetora animal Andrea Giusti analisa que esse comportamento das autoridades é um reflexo da falta de uma cultura de prevenção na sociedade. “É difícil convencer as pessoas de fazer uma prevenção. As pessoas gostam de ver fotos fofas no Instagram de cachorros felizes, mas é difícil falar sobre as pessoas que estão sofrendo”, critica. “Muitas marcas querem falar de bem-estar animal e esquecem da questão dos desaparecidos. Essa é um assunto sobre o mundo animal que nunca foi vista como prioridade”, completa.
Além disso, a ativista analisa que nem todos podem pagar por serviços como o da Busca Pet, avaliado em no mínimo R$ 3,5 mil e que pode aumentar de acordo com o tempo de procura e a taxa de deslocamento até o cliente. “Tem gente que faz de tudo. Abandona o trabalho, contrata vizinhos a preços menores e mobiliza grupos voluntários, mas chegam em um momento que desistem, pois custa caro”, afirma Andrea.
Evite o desaparecimento do seu pet
O primeiro passo para garantir a segurança de qualquer animal doméstico é procurar o Centro de Controle de Zoonoses, localizado em Santana, zona norte, e pedir um Registro Geral Animal (RGA), obrigatório para cães e gatos com mais de três meses na cidade de São Paulo pela lei nº 13.131, de 2001. O documento é gratuito, deve ser fixado na coleira e consta um número único e permanente para o pet, além dos dados do proprietário.
Para obtê-lo, deve-se apresentar CPF, RG, comprovante de residência e atestado de vacina contra raiva emitido e assinado por um médico veterinário ou comprovante do CCZ expedido um ano antes. Não é necessário levar o animal.
O governo de São Paulo disponibiliza um guia completo com dicas para busca.
*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais