04/08/2019 - 14:32
Aconteceu com a jornalista Miriam Leitão, com o governador Flávio Dino e até com o prefeito de Nova York, Bill de Blasio. Após ataques públicos de Jair Bolsonaro a pessoas e instituições, elas imediatamente se tornam personagens de boatos infundados de grande circulação nas redes sociais. As ondas de desinformação buscam validar as declarações do presidente e, ao mesmo tempo, manchar a reputação de seus alvos.
O quadro publicado abaixo mostra sete episódios em que esse padrão foi observado. Em todos, o Estadão Verifica – núcleo de checagem de fatos do Estadão – constatou a falsidade total ou parcial das alegações, que circularam principalmente em perfis e páginas de simpatizantes do governo no Facebook e no Twitter.
“A peça de desinformação pega carona na indignação, na tentativa de explicar o que está acontecendo ou na vontade de uma parcela do público de dar apoio ao presidente”, avaliou Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da polarização nos ambientes virtuais.
Ortellado ressalta que produzir um meme ou um boato não exige muito tempo ou esforço. São peças pouco sofisticadas que não se apoiam em dados ou argumentos aprofundados. Esse imediatismo ajuda a desinformação a se tornar língua franca em um ambiente altamente polarizado. Como explica o professor, quem já está posicionado em um dos pólos do espectro político busca conteúdos que embasem sua opinião previamente formada – é o chamado “viés de confirmação”. “Nessa característica, as redes de desinformação conseguem grande sucesso, porque elas oferecem uma rápida explicação, mesmo que seja distorcida ou falsa”, diz o professor.
Com suas declarações agressivas, Bolsonaro coloca lenha na fogueira da polarização e, dessa forma, estimula a reação imediata no debate público, diz Ortellado. “O presidente não trabalha para a sociedade se pacificar, ele trabalha para o antagonismo se reacender a todo momento. É difícil com esse tipo de estímulo pedir para as pessoas se acalmarem, refletirem, ponderarem”, comentou.
De outro lado, o codiretor do Instituto Tecnologia & Equidade, Ariel Kogan, afirma que a forma com que a desinformação se espalha após uma declaração de Bolsonaro não é uma especificidade do presidente brasileiro. “Boatos sempre existiram na história da sociedade”, afirmou. “A novidade é que a tecnologia potencializa o compartilhamento.”
Para Kogan, o principal desafio é a alfabetização midiática – ensinar as pessoas a viver neste ambiente digital. “A sociedade não estava preparada para o momento em que vivemos.”
Exemplos mais recentes de pessoas atacadas que acabaram envolvidas em boataria são o jornalista Glenn Greenwald e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que é filho de um ativista político preso e assassinado durante a ditadura militar. Sem apresentar evidências, Bolsonaro afirmou no dia 29 de julho que o pai de Santa Cruz, Fernando, teria participado da luta armada e sido morto por seus próprios companheiros. O próprio governo já reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte.
Nas horas seguintes, começaram a circular nas redes sociais peças que falsamente associavam Fernando a um atentado em Recife e que o identificavam em uma foto, armado, ao lado do então líder estudantil Jose Dirceu – a pessoa retratada era, na verdade, um policial.
No dia 19 de julho, Bolsonaro reproduziu durante café da manhã com correspondentes estrangeiros a alegação falsa de que Miriam Leitão estaria indo para a guerrilha do Araguaia quando foi presa durante a ditadura. No Twitter, a reação foi rápida: no mesmo dia, foi lançada a hashtag #MiriamLeitaoTerroristaSim, segundo levantamento da pesquisadora Luiza Bandeira, do Atlantic Council, que monitora redes de desinformação nas redes sociais.
A mesma conta que lançou a campanha de difamação contra Miriam tuitou a hashtag 444 vezes ao longo de três dias. De acordo com Luiza, nesse caso, houve uma coordenação com outras pessoas para subir a expressão ao ranking de assuntos mais comentados da rede social. Mais da metade das menções a #MiriamLeitaoTerroristaSim vieram de 10% dos usuários que usaram a hashtag. “A fala do presidente pauta a agenda tanto dos bons atores quantos desses maus atores nas redes”, afirmou a pesquisadora.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi atacado por Bolsonaro na mesma ocasião de Miriam – ele acusou a entidade de divulgar dados falsos sobre a Amazônia. O sistema de satélite que indica alertas de desmatamento em tempo real havia registrado aumento de 254% de área desmatada em julho de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior.
O Monitor de WhatsApp da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que captura o conteúdo que mais circula em grupos públicos do aplicativo de mensagens, indicou que nos dias seguintes às críticas de Bolsonaro começou a viralizar o vídeo de um médico que alega, sem base factual, que os dados do Inpe eram mentirosos. A desinformação também foi reproduzida no Facebook. O Estadão Verifica publicou uma checagem sobre o assunto no dia 30 de julho, em parceria com o projeto Comprova.
Outros casos semelhantes também ocorreram mais cedo no ano. Em maio, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, foi falsamente acusado de corrupção, tráfico de drogas e estupro. Não há documentos que comprovem as alegações. Os boatos começaram a correr após o integrante do Partido Democrata criticar o anúncio da ida de Bolsonaro à cidade americana – a viagem acabou cancelada.
Em março, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, também foi alvo de desinformação após embate com a família Bolsonaro, que criticava a articulação política para aprovação da reforma da Previdência. O presidente da República chegou a dizer que “alguns não querem largar a velha política”, sem citar nomes.
Na mesma semana da troca de farpas, o Monitor do WhatsApp registrou a circulação de memes que alegavam que Maia não poderia ser presidente da Câmara por ter nascido no Chile – o que não é verdade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.