25/08/2019 - 14:00
Em pouco mais de um mês, o governo Bolsonaro – que já recebia críticas pontuais de outros países desde o início do ano por sua atuação ambiental – azedou de vez o humor estrangeiro após uma sequência de ataques a dados científicos, a instituições e a pessoas. Até ONGs foram acusadas de botar fogo na floresta e governadores foram chamados de coniventes com o problema. Mas enquanto o presidente buscava arrumar culpados por “prejudicar o Brasil lá fora”, foram os problemas reais, como desmatamento e queimadas, e suas falas polêmicas que mudaram a imagem do Brasil no exterior.
É o que analisam alguns especialistas em ambiente, agricultura e relações internacionais ouvidos pelo Estado para tentar responder a uma dúvida: como chegamos a esse ponto? Para alguns deles, era uma tragédia anunciada desde o período eleitoral, quando Bolsonaro fazia discursos inflamados contra o que ele chama de indústria da multa por parte de órgãos ambientais e tinha planos como acabar com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e sair do Acordo de Paris.
Os dois últimos não aconteceram, mas várias medidas tomadas desde o início da gestão talvez respondam à pergunta. “Bolsonaro mudou inteiramente a abordagem em relação ao ambiente”, comenta o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda. Para ele, frequentes atos de desmoralização de fiscais e de técnicos do Ibama e do ICMBio, por parte de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram “sinais evidentes de afrouxamento da política ambiental”. “O fiscal que multou Bolsonaro (por pesca em uma unidade de conservação no Rio) foi punido. Quando o Ibama destruiu equipamentos apreendidos em operação contra madeira ilegal, em consonância com a lei, Bolsonaro teve um acesso de cólera, e Salles foi se encontrar com madeireiros”, lista Ricupero.
“O presidente contestou os dados sérios de desmatamento do Inpe e demitiu seu diretor. E seu filho Flávio apresentou no Senado um projeto de lei para acabar com a Reserva Legal (dispositivo do Código Florestal que protege parcelas de floresta dentro de propriedades rurais)”, continua.
O resultado mais evidente disso, além da alta de desmatamento e de queimadas apontadas pelo Inpe, é a redução no número de autos de infração. Até o final de junho, tinham sido aplicadas 5.826 multas, contra 7.326 no mesmo período do ano anterior. É o valor mais baixo desde 2015.
Pedidos de informações sobre o número de fiscalizações do Ibama nunca foram atendidos, mas o Estado apurou que neste ano não foi autorizado nenhum acionamento do Grupo Especial de Fiscalização no combate ao desmatamento – a tropa de elite do Ibama, que combate o crime organizado
“O governo alega que os recursos são insuficientes, mas os que vinham de doações, como o Fundo Amazônia, Bolsonaro está abrindo mão. Que credibilidade tem um governo que diz a (Angela) Merkel (premiê alemã) que pegue o dinheiro e use para reflorestar a Alemanha? Em 50 anos, essa é a maior crise de imagem e de política externa que já tivemos”, diz Ricupero.
Evolução
A pesquisadora Mercedes Bustamante, da UnB, que faz parte de uma coalizão de cientistas que vêm fazendo manifestações de teor científico sobre ações do governo, pondera que alguns indicadores já vinham piorando nos últimos anos, como a taxa de desmatamento – que desde 2013 flutua com tendência de alta após ter chegado ao seu nível mais baixo em 2012.
“Já havia sinais de que a situação ambiental estava mudando, mas o governo Temer ainda era cioso das relações internacionais. Reagiu à história da Renca (alteração de reserva). Bolsonaro, não. A forma como conduziu a situação do Fundo Amazônia foi muito ruim. Um chefe de Estado tem de justificar, no momento de crise, como estava aplicando o dinheiro para conseguir combater o desmatamento, mas falou para pegarem de volta.”
Roberto Rodrigues, do GV-Agro, argumenta que “comunicamos mal” que a agricultura do Brasil se expandiu com avanço tecnológico, com a produtividade crescendo cinco vezes mais do que a área plantada. “Mas desmatamento, queimadas, mesmo na taxa normal, não são aceitáveis. E o governo precisa ter ações específicas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.