21/11/2019 - 21:45
Uma missa celebrada na quarta-feira, 20, em homenagem ao Dia da Consciência Negra numa igreja da Glória (zona sul do Rio de Janeiro) terminou na polícia. Um grupo tentou impedir a celebração e atacou fiéis com frases racistas. Até o padre foi acusado de ser pecador por permitir a celebração. Um fiel que diz ter levado um tapa de um integrante desse grupo registrou o caso na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) nesta quinta-feira, 21.
A celebração é realizada há 15 anos na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na rua Benjamin Constant, e segue o rito católico tradicional. A única diferença é a inclusão de cantos e danças africanas, com o uso de instrumentos musicais próprios, como atabaques.
Segundo testemunhas, pouco antes da missa um grupo com cerca de 20 pessoas chegou e se dirigiu ao padre, tentando dissuadi-lo de celebrar a missa, que segundo eles desrespeitava o ritual católico. Os homens usavam ternos e as mulheres, vestidos e véus. Até a noite desta quinta-feira os nomes deles não haviam sido divulgados.
Segundo relatos de testemunhas, o grupo disse que tinha ido até a igreja em nome do cardeal d. Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, mas em seguida foi confirmado que não havia nenhuma ligação ou determinação do cardeal aos manifestantes.
O padre não atendeu ao pedido e iniciou a celebração, durante a qual um outro padre fez discurso em que ressaltou que não estavam fazendo nada errado ao incluir na missa os cantos e danças africanos.
Testemunhas relatam que o grupo então passou a rezar o terço em latim, em voz alta, na tentativa de atrapalhar a celebração. Ao final da missa, os manifestantes acusaram o padre de cometer pecado ao permitir aquela celebração e recomendaram que ele “cuidasse de suas ovelhas negras”, numa referência à cor da maioria dos fiéis que prestigiaram a missa. Houve tumulto e a Polícia Militar foi chamada. Em meio ao tumulto, os manifestantes acusaram fiéis de injúria (crime que consiste em ofender alguém fazendo acusações falsas para atacar sua dignidade ou decoro).
Nesta quinta-feira, o professor Diogo Pinheiro, que é negro e pai de participantes da apresentação artística de origem africana, foi à Decradi para relatar o caso e acusar os manifestantes pelos crimes de racismo e intolerância religiosa e pela infração de vias de fato.
“Ele relatou ter levado um tapa de uma pessoa que havia tentado interromper a missa”, contou o advogado Rodrigo Mondego, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ). Mondego acompanhou o depoimento de Pinheiro ao delegado.”Outras vítimas vão depor nos próximos dias. É preciso punir esses racistas, um grupo de fundamentalistas religiosos que não conseguiu impedir a celebração e então decidiu tumultuar”, disse.
A Igreja Católica não havia se manifestado sobre o episódio até as 21h desta quinta-feira. Em nota, a secretaria estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos afirmou que, embora não tenha sido procurada por nenhum dos envolvidos, contatou a paróquia e está agendando uma reunião para propor uma série de debates e palestras sobre liberdade religiosa.