28/11/2019 - 7:53
Uma conversa que envolve um diretor de uma ONG é considerada pela polícia como principal elemento que liga ambientalistas e brigadistas a incêndios registrados em Alter do Chão, no Pará. Na terça-feira, 26, uma operação resultou na prisão de quatro pessoas consideradas suspeitas e em buscas na sede de organizações que atuam na região. Nenhum elemento ligado a perícia, testemunhas ou imagens conclusivas é apresentado no pedido de prisão preventiva, ao qual a reportagem teve acesso. O documento foi deferido pela Justiça, que manteve nesta quarta-feira (27) as prisões.
Para os investigadores da Delegacia de Conflitos Agrários do Baixo e Médio Amazonas, da Polícia Civil, a conversa entre Gustavo de Almeida Fernandes, diretor de logística da ONG Projeto de Saúde e Alegria, e uma pessoa identificada apenas como Cecília tem relevante destaque no inquérito. Na conversa, ele diz que “está por trás de tudo”, identificando-se na sequência como membro da brigada de Alter, acrescentando que está “recebendo apoio de todo mundo”.
Na sequência da conversa, ele ressalta que a situação “foi triste”. “A galera está num momento pós traumático, mas tudo bem.” À interlocutora, Fernandes adverte que haverá bastante fogo quando ela chegar. “Se preparem. O horizonte vai estar todo embaçado”.
Para a polícia, o áudio representou uma guinada na investigação. No pedido de prisão, os delegados escreveram que as interceptações telefônicas “indicavam apenas que o grupo de brigadistas estava se aproveitando da repercussão internacional tomada pelo incêndio ocorrido na APA Alter do Chão, buscava beneficiar financeiramente a ONG Instituto Aquífero Alter do Chão”. A queimada no local foi entre 14 e 16 de setembro e ganhou repercussão internacional.
A conversa, para os investigadores, deixa perceptível a referência a “queimadas orquestradas”, “uma vez que não é possível prever, mesmo nesta época do ano, data e local onde ocorrerão os incêndios”. Os investigadores demonstram incômodo com a busca por recursos realizada pelas organizações para combater as chamas.
No pedido à Justiça, sem acrescentar elementos objetivos que sustentem a tese, a polícia diz ser “cógnito”, sabido, que é comum brigadas de incêndio, “sobretudo as não oficiais, atearem fogo em pequenas áreas para depois debelarem as chamas e, dessa forma, divulgarem suas ações com a finalidade de obter patrocínio”. Os investigadores reforçam que essa é a linha de investigação, “havendo indícios sobejos de que os membros da brigada de Alter do Chão tenham lançado mão deste artifício, pois todos os presentes durante a ação de combate ao fogo (…) notaram que tanto o incêndio como a atuação da brigada era tratada como um verdadeiro reality show”. A reportagem não conseguiu contato com a polícia na noite de quarta.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que se trata de uma investigação estadual e é preciso acompanhar o caso. Os advogados dos quatro presos entrarão nesta quinta-feira, 28, com pedido de habeas corpus. “Tivemos acesso aos inquérito hoje (quarta) e não há nada de substancial que possa amparar o decreto prisional”, disse o advogado José Ronaldo Campos, que representa dois deles. O Ministério Público Federal pediu acesso ao inquérito.
Prisão preventiva
Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, o grampo divulgado seria suficiente para fundamentar a prisão. “Não precisam ser muitos indícios.” Já o criminalista Everton Seguro diz que o termo “garantia da ordem pública”, por ser amplo, pode levar a prisões desnecessárias. “É um coringa que existe na lei e as autoridades usam como praxe”, disse ele, que destacou não ter lido o inquérito para analisar os detalhes do caso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.