Por 3 a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira, 3, aceitar denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL) pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. Pela primeira vez, o senador foi colocado no banco dos réus da Lava Jato. O emedebista é investigado em outros nove inquéritos no Supremo.

Renan já havia sido colocado no banco dos réus pelo Supremo – mas fora da Lava Jato, por conta da acusação de peculato. O parlamentar era acusado de desviar recursos públicos de verba indenizatória do Senado por meio da contratação de uma empresa locadora de veículos em 2005. No ano passado, foi absolvido pela Segunda Turma do STF.

De acordo com a denúncia aceita nesta terça-feira, Renan e o então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, acertaram pagamento de propina, por meio de doações efetuadas a diretórios estaduais (Tocantins) e municipais (Aracaju) do MDB, além do diretório do PSDB em Alagoas, em 2008 e 2010. A acusação foi apresentada em agosto de 2017, na véspera de o então procurador-geral da República Rodrigo Janot deixar o cargo.

Renan Calheiros teria procurado o então presidente da Transpetro Sérgio Machado em busca de propinas da NM Engenharia e da Lumina, antiga Odebrecht Ambiental. A contrapartida seria apoio político à manutenção de Machado à frente da estatal, posto em que ficou por mais de uma década, entre 2003 a 2014. O senador nega as acusações.

Prevaleceu no julgamento o entendimento do relator da Operação Lava Jato, ministro Edson Fachin, que votou na semana passada pelo recebimento parcial da denúncia – apenas no que diz respeito aos fatos ocorridos em Tocantins. Em relação aos outros episódios apresentados na acusação, Fachin rejeitou a denúncia por considerar que não havia elementos suficientes para corroborar as suspeitas.

As propinas teriam sido quitadas por meio de doações oficiais “disfarçadas” da LM Engenharia ao diretório do MDB no Tocantins em 2010. De acordo com a Procuradoria, a NM Engenharia depositou R$ 150 mil nas contas do partido. O pagamento da propina via doação oficial ao Diretório Estadual do MDB de Tocantins foi uma forma de lavar o dinheiro, dissimulando sua real natureza e origem, segundo a PGR.

“Esse comportamento constitui gravíssima ofensa à legislação penal da República. Agentes da República, valendo-se de doações a partido, conferem aparência de legitimidade a recursos financeiros manchados pela nota da delituosidade”, disse o decano do STF, ministro Celso de Mello.

Para a ministra Cármen Lúcia, “há uma série de dados” que levam a um conjunto de provas “mínimo”, o que justifica a abertura da ação penal. Entre os documentos destacados pela ministra estão comprovantes de depósitos e extratos telefônicos. Celso e Cármen acompanharam Fachin, formando maioria pelo recebimento da denúncia.

Divergência

A discussão do caso de Renan Calheiros rachou a Segunda Turma. Integrantes da ala do STF mais crítica aos métodos de investigação da Operação Lava Jato, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram pela rejeição da denúncia, mas acabaram derrotados.

“É um corta e cola sem nenhum nexo. A denúncia não descreve a conduta do acusado e não aponta elementos concretos de prova. Nenhuma prova! Nenhuma mensagem! Nada”, criticou Gilmar. “É um tipo de crime espiritual, uma situação constrangedora.”

Para Lewandowski, a PGR não conseguiu reunir na denúncia “elementos seguros” que justificassem a abertura de uma ação penal.

“É chegada a hora de o Judiciário impor um maior rigor em observância do devido processo legal. A utilização do instrumento da colaboração premiada é um meio de obtenção de prova, e não prova em si”, disse o ministro.

“Insuficiente, portanto, a mera delação unilateral de pessoas envolvidas em atos delituosos – que tudo fariam, como de fato fazem, com o intuito de escapar das penas da lei – para colocar-se os delatados no banco dos réus. Não vislumbro elementos que possam conferir credibilidade à palavra dos delatores, mas registros genéricos”, acrescentou Lewandowski.

Absolvição

No processo do qual foi absolvido no ano passado, Renan Calheiros era suspeito inicialmente de receber propina da construtora Mendes Júnior, que pagaria as despesas pessoais da jornalista Mônica Veloso, com quem mantinha relacionamento extraconjugal. Na época, o emedebista renunciou à presidência do Senado em uma manobra para não perder o mandato.

Com o desdobramento das investigações, surgiram indícios de que parte da verba indenizatória do Senado Federal estaria sendo desviada por Renan – uma das hipóteses levantadas era a de que o desvio teria como finalidade o pagamento da pensão.

O processo levou ao afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado em dezembro de 2016 e aprofundou a crise política entre o Supremo e o Congresso Nacional.

Em setembro do ano passado, por 4 a 0, a Segunda Turma absolveu o parlamentar.

Defesa

“Já foram arquivados 2/3 das falsas acusações e esta também será por absoluta falta de provas. É inacreditável que se investigue uma trama de Rodrigo Janot, Sérgio Machado e Marcelo Miler, trio da pior espécie. A PF foi assertiva quanto a falta de provas, o delator não se lembra do episódio. Trata-se da criminalização da doação legal ao diretório de Tocantins e sobre a qual eu não tive nenhuma responsabilidade”, afirmou Renan, em nota.