07/12/2019 - 8:16
No início da semana, o presidente Jair Bolsonaro foi surpreendido por uma mensagem publicada pelo colega dos Estados Unidos, Donald Trump, no Twitter. Ele anunciava a retomada das tarifas sobre aço e alumínio brasileiros e argentinos, em resposta à desvalorização das moedas dos dois países, que estaria sendo patrocinada pelos governos.
O ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero avalia que o governo foi ingênuo ao imaginar que seria vantajoso se alinhar aos EUA. Ele, que também foi embaixador em Washington, avalia que a economia se recupera, mas as medidas tomadas até agora têm efeito limitado. A seguir, trechos da entrevista.
Que lições a ameaça de taxação de Trump deixa ao Brasil?
Esse episódio tornou patente o que já sabíamos: era uma ficção a ideia de que o presidente Bolsonaro e seu filho Eduardo tinham um canal direto com Trump. Neste mundo de competição pelo comércio internacional, o interesse do Brasil é ser autônomo e ganhar o máximo em cada negociação.
Foi precipitado abrir mão do tratamento especial na Organização Mundial do Comércio (OMC)?
Abrir mão do tratamento especial diferenciado na OMC e nas negociações comerciais em troca do apoio pela entrada na OCDE (espécie de clube dos países ricos) não tem cabimento. O Brasil é um país em desenvolvimento e precisa de prazos mais amplos ou de menores concessões de tarifas. China e Índia jamais aceitaram isso. Em troca do apoio incerto dos EUA, o governo abriu mão de vantagens concretas.
Entrar na OCDE, como defende o ministro Paulo Guedes, é realmente vantajoso para o Brasil?
Caso não fosse acompanhada dessas exigências, teria um efeito positivo, mas a ideia de que ser membro seria a vacina contra políticas econômicas equivocadas é errada. A Grécia sempre foi parte da OCDE.
Qual é o preço de um alinhamento automático aos EUA?
É um equívoco. Aliado significa escolher um lado – neste caso, o americano, que está em embate com países como China e Rússia. No último leilão de petróleo, as únicas empresas estrangeiras que participaram eram chinesas. Quando o Brasil precisou, quem socorreu não foi o Trump. Imagine se Eduardo Bolsonaro tivesse virado embaixador nos Estados Unidos e a gente acordasse com esse tuíte do Trump? Seria um vexame ainda maior.
O Brasil falha na defesa de seus interesses comerciais?
Como se explica que, tendo tantos equívocos acumulados, nada mude na política externa? Nem no titular do Ministério das Relações Exteriores, nem na orientação que o ministro (Ernesto Araújo) recebe. O governo está satisfeito com o Paulo Guedes, na Economia, porque há alguns sinais de retomada. Na política externa, os resultados são todos negativos. A explicação é que, nas áreas próximas ao núcleo ideológico, o importante não é o resultado, mas o alinhamento com Olavo de Carvalho.
Na economia, esse desempenho tem sido melhor?
A condução da economia – com juros baixos, melhora do crédito, liberação do FGTS – vai dar um alívio para o País. Isso deve durar até março do ano que vem. É bastante plausível que o Brasil cresça 2% em 2020. Mas não é suficiente para reduzir o número altíssimo de desempregados. Precisaria acelerar para 3,5% ou 4%.
Qual seria a saída?
Não há outra saída sem investimento público. Só pode ter crescimento por investimento ou consumo. O consumo é limitado pelo número de desempregados, e a demanda vai bater logo no teto. E o investimento privado pode aumentar, mas não no nível necessário, sobretudo em infraestrutura, que depende do investimento público. Nenhum investidor de fora vai se arriscar em aportes que demoram 20 ou 30 anos para serem amortizados.
O investidor estrangeiro não está esperando o andamento das reformas para voltar ao Brasil?
A economia internacional cresce menos do que se esperava, o comércio internacional está caindo e não há perspectivas de melhora. Do lado externo, não há nada a esperar. E investimentos dificilmente virão quando, além das incertezas, a declaração de um novo AI-5 do ministro Guedes e do filho do presidente vêm a público.
Essas declarações vieram do medo do governo de que o Brasil enfrente protestos, como os do Chile. Esse temor é justificado?
Isso só mostra a incapacidade brasileira de captar a realidade à sua volta. O que há na América Latina são manifestações contra políticas econômicas de inspiração ultraliberal, como as que o Brasil adota agora. O Brasil precisa de uma dose de liberalismo, mas não se pode fazer isso sem considerar o enorme número de desempregados e de pobres. Esse tipo de insensibilidade é justamente o que alimenta as manifestações. Não é liberalismo, mas cegueira para o lado social.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.