14/12/2019 - 12:10
O anúncio da conclusão de uma “fase 1” do acordo comercial entre Estados Unidos e China é uma trégua que interessa a ambos os governos, segundo Lia Valls, pesquisadora associada ao Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Se por um lado, o governo Trump precisa mostrar avanços nas negociações com os chineses, para não perder eleitores nos Estados agrícolas prejudicados pelas retaliações às exportações de grãos, para os chineses também interessa entregar taxas constantes de crescimento econômico, disse ela ao Estado.
Sobre os efeitos do acordo para a economia brasileira, a pesquisadora afirmou que o governo não pode querer se aproximar apenas de um dos lados. “O Estado brasileiro deve ter alinhamento automático apenas com os interesses nacionais. Tem de ter o olhar voltado para os vários setores exportadores do País.” A seguir, trechos da entrevista.
O que este primeiro passo representa na prática?
É uma trégua. Não há interesse de nenhum dos lados que a guerra comercial chegue a um ponto que prejudique os negócios dos dois países. Estava programada uma nova rodada tarifária, que iria gerar um custo grande sobre multinacionais de tecnologia. A China, certamente, iria retaliar essas novas tarifas, o que prejudicaria o mercado americano. A China também ainda tem interesses muito complicados, um sistema de governo permanentemente tensionado, que precisa mostrar crescimento da economia o tempo todo para manter o controle do poder.
O governo Trump esperava que os chineses retaliassem as tarifas?
É um estranhamento que surge da necessidade de duas grandes potências econômicas terem de conviver. Nos últimos anos, a China tem se expandido, aumentado o grau de internacionalização das suas empresas e investido muito em setores estratégicos. Basta olhar para o setor naval, há uma participação crescente dos chineses nesse setor. Tudo isso assusta os americanos.
A guerra comercial pode estar a caminho de acabar?
A questão é que não é apenas uma guerra comercial. A origem do problema entre os Estados Unidos e a China é que os chineses têm conseguido alcançar a liderança em alguns setores tecnológicos e estratégicos. E eles fazem isso com uma forma de produção muito particular, pela via estatal ou com grande influência do Estado, o que os Estados Unidos consideram uma competição desleal.
Trump sempre se vendeu como um grande negociador. A tensão com os chineses prova o contrário?
Ele talvez seja um grande negociador, mas só no mundo corporativo – talvez nem isso. Mas um país é algo maior e muito mais complexo do que uma empresa, tem interesses e questões mais delicadas, que não podem ser tratadas da mesma maneira.
Alguns dos lados ganhou com a guerra comercial até agora?
Ninguém ganha com uma guerra comercial. É sempre melhor sentar para negociar. Trump faz parecer que ele está ganhando a queda de braço dos chineses, mas ele tem o problema dos eleitores do Meio-Oeste americano, agricultores que não estão nada satisfeitos com as barreiras de exportação de soja para a China. O governo americano até teve de aumentar os subsídios para compensar a queda nas vendas, mas o agricultor quer vender. Esse é o problema de guerras comerciais, começa uma escalada que não tem fim.
Qual é o reflexo desse primeiro passo no Brasil?
Para o Brasil, vai ser mais complicado. O País conseguiu ganhar espaço nas vendas de soja e de carne para a China. A gente já exportava muita soja e vai continuar exportando, mas deve ter uma redução desse ganho nas vendas, que todo mundo sabia que era circunstancial. Não era algo que o agricultor brasileiro contasse que se sustentaria por muito tempo. A questão da carne é um pouco mais complicada, porque a China era um mercado em que o Brasil ainda estava tentando se consolidar, e a perda pode ser maior.
O governo brasileiro deve se aproximar de um dos lados nessa disputa?
O Estado brasileiro deve ter alinhamento automático apenas com os interesses nacionais. Tem de ter o olhar voltado para os vários setores exportadores do País e em como ganhar eficiência e vender mais ao exterior. O Brasil não ganha nada com esse tipo de conflito, precisa é de uma pauta diversificada e lutar pelo fortalecimento do sistema multilateral de comércio.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.