Pelo menos três equipes paulistas vão participar, em abril de 2020, de uma das maiores competições de arbitragem do mundo. A Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot ocorre em Viena, na Áustria, e deve contar com mais de 400 instituições de ensino. Dentre os participantes estão Fundação Getulio Vargas, PUC-SP e Mackenzie.

O objetivo da competição, que é feita com base na simulação de casos fictícios, é mostrar aos estudantes como ser advogado de uma parte envolvida nesse tipo de julgamento. Os professores são unânimes quanto à importância da simulação para o crescimento profissional dos futuros advogados.

“Com essas competições, além de adquirir o conhecimento teórico, os alunos passam a desenvolver habilidades necessárias no dia a dia de qualquer área do direito, ganham resiliência mental”, diz Daniel Tavela, professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie e treinador da equipe que representará a faculdade em Viena.

O coordenador da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial (CBMAE), Eduardo Vieira, afirma que o alto nível de capacitação dos campeonatos proporciona a própria ida das equipes. “Os principais atores que se beneficiam das competições, na maioria das vezes, são os escritórios de advocacia, que vão ter profissionais qualificados. Normalmente, eles patrocinam a ida dessas equipes”, explica.

A equipe da FGV Direito SP está sendo treinada por José Victor Zakia, ex-aluno da instituição que também acompanha alunos na Competição Brasileira de Arbitragem Petrônio Muniz, realizada pela Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb). Ele defende as simulações como forma de abrir portas para o mercado profissional, já que chamou a atenção do atual chefe durante uma sustentação oral. “Eu consegui meu emprego por conta da competição”, afirma.

O que é arbitragem?

A arbitragem é o julgamento de um impasse patrimonial de forma particular por uma autoridade máxima – o árbitro -, convocada pelas partes envolvidas.

Ela pode ser aplicada nos chamados direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, que envolvem litígios com valor de mercado mensurável. A modalidade, portanto, não é aplicável a causas corriqueiras do cotidiano cível. “Exclui questões que são de jurisdição exclusiva do poder judiciário, como criminais e divórcios, por exemplo”, diz Tavela.

A medida costuma ser tratada erroneamente como um método consensual, juntamente com a mediação e a conciliação. Existem, porém, algumas peculiaridades: enquanto a mediação e a conciliação podem ser adotadas pelo poder público, a arbitragem não envolve o poder judiciário – as negociações são feitas de forma particular e de forma totalmente extrajudicial. O método, portanto, é chamado de heterocompositivo.

Zakia explica que a indicação do árbitro – ou árbitros, sempre em número ímpar para evitar empates – tem como principal vantagem contar com a análise de um profissional especializado no assunto em questão.

Para Zakia, a arbitragem é uma prática bem difundida no Brasil. Por ser utilizada principalmente no direito empresarial, porém, a ferramenta muitas vezes não chega ao conhecimento do público e aparenta ser um universo distante. “Geralmente é uma disputa que envolve grandes quantias e difundida no meio empresarial, não é uma questão que circula para a população porque talvez não seja o método adequado para resolver problemas de pessoas físicas”, explica.

Cláudio Finkelstein, coordenador de Comércio Internacional da PUC-SP e orientador da equipe da instituição na competição, defende essa visão e ressalta o uso da medida em áreas ligadas ao mercado financeiro. “A arbitragem está extremamente desenvolvida, só não é popularizada. Hoje, o mercado de capitais, de valores mobiliários, é totalmente aderente à arbitragem. A Bolsa de Valores, B3, adotou uma instituição arbitral própria”, diz.

Tavela afirma que, proporcionalmente, a arbitragem pode de fato parecer um universo restrito quando se considera o volume de litígios e de advogados no Brasil – a área conta com pouco mais de 1 milhão de profissionais, segundo dados da Ordem dos Advogados do Brasil.

De acordo com o professor, porém, pouco a pouco a arbitragem se torna realidade para causas menores e, consequentemente, ganha mais espaço.

Disputa mundial

A Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot é uma das principais competições mundiais de arbitragem. Embora não exista uma hierarquia entre as disputas realizadas em todo o mundo, as competições em nível regional e nacional servem como termômetro para os estudantes.

Cada instituição de ensino, a partir de critérios próprios, seleciona os estudantes que vão compor a equipe para a Willem. No caso da Fundação Getulio Vargas, por exemplo, são levados em conta desempenho acadêmico e fluência em inglês. Na PUC, o projeto é apresentado no início do curso aos calouros e todos podem participar. “Toda semana nos encontramos para discutir material relativo a arbitragem internacional, e depois de dois ou três meses ocorre uma depuração natural, ficando 12 a 15 pessoas”, explica Cláudio Finkelstein, coordenador de Comércio Internacional da PUC-SP.

A partir da homologação das inscrições, começa a preparação das equipes para a disputa. Cada equipe recebe um caso fictício de arbitragem, desenvolvido pela organização do evento, e deve construir argumentos para uma linha de defesa e uma linha de ataque em relação à outra parte envolvida – os chamados requerente e requerido.

Argumentos

Nessa etapa, as equipes têm seis meses para formularem os argumentos e contam com a ajuda dos treinadores – como José Zakia, treinador da equipe da FGV. “Nosso papel é orientar os alunos principalmente na parte técnica, corrigindo os memorandos que vão entregar. Mas o material é todo produzido pelos alunos”, diz.

“Essas reuniões exigem muito trabalho prévio de leitura e produção de documentos, os alunos são convidados a apresentarem pesquisas de jurisprudência e doutrina”, explica Daniel Tavela, treinador da equipe do Mackenzie.

A competição de fato ocorre presencialmente, em Viena, e cada sustentação oral é feita por uma dupla. Durante os 15 minutos de apresentação, os estudantes são interpelados pelos juízes e devem aprofundar a defesa de suas teses, que serão avaliadas pela comissão julgadora.