22/05/2015 - 20:00
Daqui a alguns meses, o executivo Paulo Kakinoff poderá ser chamado de comandante. O presidente da GOL Linhas Aéreas está próximo de concluir as provas que o habilitarão a receber o brevê da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Mas seu objetivo não é cumprir um mínimo de 800 horas de voo para sentar na cabine de comando de um dos 140 Boeing 737, que fazem parte da frota da companhia da família Constantino. Kakinoff começou a frequentar o curso para conhecer mais de perto o trabalho da tripulação e entrar na pele de um piloto, entender quais são seus desafios e habilidades para controlar uma máquina de aproximadamente 79 toneladas, que consome o equivalente ao tanque de 88 carros populares 1.0 para decolar.
Não era uma obrigação para o executivo, mas revela um traço de sua personalidade: Kakinoff aprecia desafios e costuma dizer que tem na palavra dificuldade sua maior motivação. Nesses quase três anos como principal executivo da GOL, nunca faltaram dificuldades para o CEO. A mais urgente delas foi o cartão de visitas quando Kakinoff assumiu o comando, em julho de 2012: deixar de pagar para voar. Até então, os custos estavam tão descontrolados que era mais barato ficar com um avião em solo do que cumprir um dos cerca de mil voos diários.
No primeiro trimestre de 2013, o prejuízo operacional havia sido de R$ 811,7 milhões. Era preciso buscar ganhos de eficiência para a empresa voltar a ser viável. Nesse período, a disciplina dos gastos garantiu a economia de cerca de R$ 320 milhões em custos, o que permitiu a reversão da situação financeira e a recuperação da eficiência operacional – nos primeiros três meses de 2015 o lucro operacional foi de R$ 514,3 milhões. “A GOL está operacionalmente mais eficiente e com a casa arrumada na gestão Kakinoff”, diz André Leite, sócio da gestora TAG Investimentos.
Sete entre 10 analistas de bancos e corretoras, que acompanham a companhia, recomendam a compra de suas ações. Com 36,1% de participação, a empresa ocupa a vice-liderança no mercado brasileiro, liderado pela TAM, com 37,8%. Kakinoff bancou mudanças que pareciam ir contra a política de baixo custo da empresa, como o corte de assentos nos aviões. Ele encomendou estudos para sua equipe de pesquisa e descobriu que se todas as aeronaves tivessem um número padrão de cadeiras, a GOL precisaria realizar mudanças mínimas na configuração interna para o aparelho voar numa ponte-aérea e numa rota internacional no mesmo dia.
Em 85 aviões havia 27 desenhos diferentes. A empresa ganhou tempo, que se refletiu em cheio no corte de custos. Não há mais a necessidade de esperar uma aeronave específica para cumprir uma determinada rota, o que garante à GOL a liderança de pontualidade do setor de aviação – de acordo com os índices da Anac, a empresa cumpre 94% dos horários. Como consequência dessa decisão, os clientes passaram a ter mais espaço entre os assentos. “Decidimos colocar carga total no motor quando há a combinação entre benefícios para os passageiros e redução de custos para a empresa”, afirma Kakinoff (leia entrevista ao final da reportagem).
O maior investimento do executivo, porém, foi em tecnologia. Ele escolheu duas frentes para atacar. A GOL investiu pesado na precificação das passagens, tanto nos melhores profissionais (administrativamente, são os salários mais altos da companhia) como em inteligência artificial, um sistema eletrônico capaz de cruzar milhares de dados e cobrar mais de um passageiro em uma rota sem que ele se sinta explorado. Vem desses resultados, por exemplo, a decisão de acabar com os lanches gratuitos nos voos domésticos (a ponte-aérea é exceção).
Em vez de embutir o custo da alimentação na passagem, a GOL passou a oferecer uma carta de opções pagas durante as viagens. Uma pesquisa mostrou que apenas 40% dos passageiros consomem o lanche oferecido sem custo, a mesma proporção dos que compram. “O preço não é embutido na passagem de quem não vai consumir e todos pagam pelo mesmo serviço”, diz o executivo. A segunda frente tecnológica foi oferecer serviços que facilitam o trânsito do passageiro até o aeroporto. O check-in remoto beneficia principalmente o cliente corporativo, que não precisa enfrentar fila para despachar a bagagem – a GOL assumiu a liderança desse segmento, com 31,3% de participação.
Como complemento, há 50 dias o aplicativo da empresa oferece um serviço de geolocalização que monitora o passageiro quatro horas antes da decolagem. Nesse período, ele cruza as informações do GPS do celular com os sistemas de monitoramento de trânsito. Se o tempo estimado for maior do que o necessário para pegar o voo programado, ele alerta o cliente, que recebe opções de transferência de passagem e remarcação. Nesse período, foram realizadas 27 mil mudanças de voos. “Nada é mais angustiante do que correr o risco de perder o voo e só saber o que vai acontecer no aeroporto”, diz Kakinoff.
“Oferecemos alternativas e ganhamos uma receita extra com a venda no balcão.” A busca por novas fontes de receita recebe atenção dobrada. Num setor em que o crescimento nos aeroportos mais rentáveis, como Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, depende da distribuição de voos da Anac, é preciso encontrar alternativas. O transporte de cargas é um bom exemplo. Uma parceria com a Air France-KLM abriu 155 destinos na Europa, na Ásia e na África e contribuiu para um aumento de receita de 10,8%, para R$ 1,1 bilhão, no ano primeiro trimestre deste ano, sobre o mesmo período de 2014.
Também é representativo o modelo de férias perseguido pela empresa. Entre março e outubro, 70% dos 4,5 mil tripulantes estão em período de descanso. Isso permite a Kakinoff retirar até oito aviões da sua frota e sublocar para a taiwanesa TransAsia, que paga o custo do aluguel e das revisões, além de garantir um rendimento para a GOL. Em outubro, quando os aviões voltam ao Brasil, a empresa consegue estar 30% maior para servir a alta temporada. “Nossa capacidade de crescer e diminuir de tamanho num curto espaço de tempo tem sido um grande diferencial”, afirma Kakinoff.
“Tiramos a complexidade, ganhamos em custo e transportamos quatro milhões de passageiros em janeiro, um recorde para a indústria.” Kakinoff é um executivo que não segue os padrões clássicos dos cursos de administração. Ele não se esquiva de falar da concorrência e busca compreender o que os outros estão fazendo de melhor ou diferente. No início do ano, por exemplo, ele pediu para os principais executivos da GOL voarem com as empresas rivais. A prática vem desde os tempos da indústria automobilística – ele trabalhou durante 19 anos no Grupo Volkswagen, os três últimos como presidente da subsidiária da Audi.
Kakinoff valoriza a participação dos funcionários e é aberto às novas ideias. “Ele é um líder nato e consegue envolver a equipe de tal forma que as pessoas trabalham 25 horas sem perceber”, diz o executivo Leandro Randomile, que trabalhou com Kakinoff na Audi e hoje é gerente regional da montadora alemã em Pequim, na China. O mercado afirma que Kakinoff é o executivo certo para a empresa certa, mas na hora errada. Todos os fatores externos que influenciam o resultado da companhia não seguiram o comportamento histórico. Quando assumiu a GOL, o acionista controlador, Constantino Júnior, hoje na presidência do Conselho de Administração, disse para Kakinoff ficar tranquilo que dificilmente o petróleo se manteria em alta por mais de três anos consecutivos.
Em 2012, eles viviam justamente o terceiro ano de preços recordes do barril. Somente no segundo semestre do ano passado a curva virou e o combustível seguiu na direção oposta. O que seria positivo para uma empresa de aviação contou com um segundo fator determinante, que anulou esse ganho. Embora o querosene de aviação seja fornecido pela Petrobras, seu custo varia em dólar e segue a oscilação da bolsa do Golfo do México. De julho de 2012 ao final de abril deste ano o dólar passou de R$ 2,01 a R$ 3,04, uma valorização de 51%. O resultado é que o endividamento em reais encolheu, mas em dólar, aumentou.
A empresa mantém uma importante posição de hedge, evita estratégias financeiras arriscadas e tem buscado aumentar suas receitas em moeda estrangeira. “As empresas aéreas brasileiras têm poucas opções de gestão”, diz Francisco Lyra, sócio da C-Fly Consultoria, especializada em aviação. “As principais variáveis são dólar, impostos e legislação, que não são controladas pelos executivos.” A variação cambial neste trimestre causou um prejuízo de R$ 672,7 milhões.
Desconsiderada a desvalorização cambial, que tem apenas um efeito de balanço, o resultado da GOL seria positivo em cerca de R$ 100 milhões, no primeiro trimestre. “Este ano temos de evitar a deterioração da companhia, manter a solidez financeira, defender a participação de mercado e garantir a política de investimento para estarmos fortes quando a estabilidade macroeconômica voltar”, diz o presidente. É difícil cravar quando o lucro líquido, que não acontece desde o quarto trimestre de 2011, voltará. Mas o fator Kakinoff tem garantido que o avião continue embicado para o alto.
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“A Gol tem musculatura para encarar um inverno rigoroso”
Confira os principais trechos da entrevista de Paulo Kakinoff à DINHEIRO:
Por que o balanço continua negativo?
O resultado negativo aconteceu pela variação cambial, de 21% no primeiro trimestre. É um efeito de balanço. O câmbio disparou e, mesmo sem aumentar as parcelas da dívida, o patrimônio líquido passa a ser negativo.
A companhia está alavancada?
Saímos de uma alavancagem de 34 vezes para as atuais sete vezes. É uma alavancagem saudável.
Qual é o tamanho desse efeito cambial?
O câmbio é o maior desafio de uma empresa aérea instalada no Brasil. Nada menos de 65% dos custos operacionais são em dólar. É preciso ter disciplina e foco nos custos, com engenharia financeira, para lidar com a volatilidade do cenário econômico.
Por que a empresa desdobrou as ações ordinárias em 35 para cada preferencial?
Numa companhia onde as ações ordinárias estão limitadas a 50% das preferenciais, é preciso manter a mesma correlação quando se fala do capital econômico. Isso limita a atratividade do investimento estrangeiro. Nessa nova estrutura de governança, houve a flexibilização para a chegada de capital estrangeiro, sem interferir no poder político e sem desequilibrar o capital econômico. Essa reengenharia representou uma grande flexibilidade para uma potencial capitalização.
A empresa está pensando em procurar o mercado de capitais?
Nosso leque de opções aumentou bastante e é especialmente importante em momentos em que a companhia precisa acessar o mercado.
Qual é a liquidez da GOL?
O caixa dos últimos 12 meses nos coloca nas melhores posições do mercado mundial e muito acima de companhias como Copa Airlines, Jet Blue, American e de outras empresas brasileiras.
Isso significa que o sr. é um comprador?
Isso significa que a companhia tem musculatura suficiente para encarar um inverno rigoroso como este e aproveitar as oportunidades que possam aparecer.
Falta infraestrutura no Brasil?
Os investimentos que foram feitos em aeroportos, com as concessões, e a agenda que conhecemos do governo, estão acontecendo. Estou falando de resultados concretos. O que toda companhia aérea deseja é infraestrutura. Se ela existe e é eficiente e disponível, o mercado se desenvolve. E isso está acontecendo.
A aviação regional continua parada.
A aviação regional está na pauta, há 24 meses, e é compreensível que haja uma discussão sobre o contingenciamento dos recursos, porque faz parte da agenda do País. Não se discute a necessidade do ajuste fiscal e do reequilíbrio das contas. É incompatível com o momento atual subsídios a qualquer tipo de setor. Existe uma agenda de infraestrutura para a aviação, que está mantida, continua sendo perseguida e sendo entregue. A nossa aposta para crescer é a infraestrutura.
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