A quarta-feira estava bastante chuvosa em Beirute, capital do Líbano, quando o executivo brasileiro de origem libanesa Carlos Ghosn entrou na sala em que jornalistas de diversas partes do mundo o aguardavam para sua primeira entrevista desde a espetacular fuga do Japão, uma semana antes. O relógio marcava 14h50. A escolha dos veículos credenciados para a coletiva fora rigorosa, assim como o escrutínio das bagagens de cada repórter, todos submetidos a detectores de metais. A sala parecia pequena para tanta gente.

O endereço escolhido foi a sede do Sindicato dos Jornalistas, um edifício à beira-mar próximo das pedras de Raouche, à margem do Mediterrâneo. Oficiais do exército libanês também aguardavam a chegada de Ghosn na entrada do prédio. O homem que já fora o rei do mercado global de automóveis, comandando a aliança formada pelas montadoras Renault, Nissan e Mitsubishi, daria ali sua versão sobre as razões que levaram a justiça japonesa a decretar sua prisão, 400 dias antes.

Detido no Japão Ghosn com a esposa, Carole (à esq.), e ao sair da prisão para cumprir pena domiciliar após pagar fiança equivalente a
US$ 4,5 milhões. Encontros do casal foram proibidos pelas autoriadades. (Crédito:REUTERS/Issei Kato | Behrouz MEHRI/AFP | Koki Kataoka)

De terno bem cortado, gravata rosa e com os flashes das câmeras explodindo em seu rosto, ele se posicionou atrás de um pequeno pódio, permanecendo alguns minutos impassível até que a entrevista pudesse começar, exatamente às 15h, horário marcado para a transmissão por TV e rádio para muitas partes do mundo. Anualmente, no início de janeiro, Ghosn dava uma entrevista coletiva no Rio de Janeiro, logo depois de passar o réveillon com a família no Brasil. Costumava chegar bronzeado.

Desta vez, na mesma época do ano, o cenário era outro – e o clima, bem menos festivo. Ghosn estava mais grisalho e com a pele um tanto pálida. Pouco depois de sua entrada, chegaram a esposa, Carole, e a irmã, Claudine Bichara de Oliveira. O nervosismo da entrada de Ghosn foi se dissipando à medida que ele começou a falar. Estava à vontade, assertivo, demonstrando um tanto de revolta com o tratamento que recebera da justiça japonesa e prometendo que irá limpar o seu nome. “Presumiram que eu era culpado, num julgamento liderado pelo promotor de Tóquio. Não estou acima da Justiça. Eu queria me defender”, declarou. “Eu não escapei da justiça. Fugi de uma perseguição política.”

“Presumiram que eu era culpado. Não estou acima da Justiça. Eu queria me defender. Eu não escapei da justiça. Fugi de uma perseguição política”

A acusação a espetacular fuga à qual ele se aventurou teve ares de produção hollywoodiana. Os riscos eram sabidos, assim como o destino que o aguardaria caso não saísse do Japão. “Fiquei sem opções a não ser deixar o país. Foi a decisão mais difícil da minha vida, e só aceitei o risco da fuga depois que percebi a impossibilidade de um julgamento isento.” Segundo Ghosn, mesmo os seus advogados não garantiram que isso seria possível. E levaria tempo. O processo poderia se arrastar por até cinco anos antes que chegasse a um veredito. “Eu iria morrer no Japão”, disse, citando a taxa de condenação num julgamento japonês, que é de 99,6%. “Tenho certeza de que esse índice é ainda pior para estrangeiros”, afirmou. Para o executivo, a decisão final de deixar o país decorreu do fato de que, desde que foi preso, no fim de 2018, só pode ver a sua esposa por duas horas, uma única vez, e com a presença de um advogado. Isso aconteceu nove meses atrás. Agora, ela só poderia voltar a encontrá-lo depois que terminasse o segundo julgamento, ainda sem data marcada. A expectativa é de que isso levaria mais um ano e meio.

A privação de encontros com a sua mulher, segundo Ghosn, seria uma estratégia da promotoria. Desde que deixou a prisão pela segunda vez, depois do pagamento de fiança, ele recebeu visitas de outros familiares e de seus advogados. Chegou até a caminhar livremente pelas ruas e saiu para jantar fora. A justiça só não permitia visitas da esposa. “Eles queriam quebrar o meu espírito e forçar uma confissão”, afirmou, emendando: “Eu sou inocente de todas as acusações.”

Carga valiosa: Simulando serem músicos, seguranças (à esq.) contratados por Ghosn teriam transportado caixas que supostamente levariam instrumentos. Em uma delas o executivo estava escondido. (Crédito:Mehmet Eser/Anadolu Agency | Istanbul Police Department/Handout/Anadolu Agency)

Para Ghosn, o seu caso foi montado por executivos da Nissan com o promotor japonês e o apoio de pessoas do governo. Os executivos da montadora sempre foram contrários aos planos da Renault e de Ghosn de integrar mais a operação das duas empresas. Há também rumores de que integrantes do governo queriam manter um controle japonês na companhia.“Não acho que Shinzo Abe (primeiro-ministro do Japão) tinha conhecimento disso”, respondeu, quando perguntado até que nível do governo poderia haver envolvimento no caso. Ghosn preferiu não citar nomes e evitou declarações que prejudicariam as relações entre o Japão e o Líbano, país que o recebeu, do qual ele é cidadão e onde estão amigos e familiares.

Segundo a agência de notícias Bloomberg, a Nissan estaria gastando US$ 200 milhões no processo de Ghosn, o que incluía até a vigilância de sua casa. Isso, embora o caso tenha como acusação principal o desvio de US$ 14,7 milhões. “Eles não estão preocupados com os acionistas”, acusa Ghosn. Procurada pela DINHEIRO, a Nissan emitiu um pronunciamento no qual afirma lamentar que Ghosn tenha fugido para o Líbano sem a permissão do tribunal e violando suas condições de fiança. “Por meio de uma investigação interna robusta e completa, a Nissan descobriu vários atos de má conduta de Ghosn. A empresa determinou que ele não estava apto para servir como executivo e o removeu de todos os escritórios”, afirma o comunicado (leia mais no quadro à página 37). Para o executivo, o sistema acusatório japonês é arcaico e desumano.“Fui acusado de ser um ditador frio e ganancioso”, disse. “Mas eu neguei em 2009 um convite para ser CEO da GM, com o dobro do salário. Preferi ficar no Japão e não abandonar o barco durante a crise global. Francamente, agora sei que foi um erro.”

“Eu iria morrer no Japão. Eles queriam quebrar o meu espírito e forçar uma confissão. Sou inocente”

A Justiça do Japão ofereceu diversas acusações contra Carlos Ghosn. Entre elas estão o uso pessoal de dinheiro da montadora, o pagamento de US$ 5 milhões da Nissan para uma revenda da marca em Omã e a ocultação de parte de seus rendimentos ao fisco. A mais grave se refere a um montante que, segundo Ghosn, nunca foi aprovado pelo conselho de administração ou recebido por ele: um bônus de US$ 14,7 milhões. “Qualquer pagamento desse tipo precisaria da assinatura de membros do conselho, além de mim, mas eu nunca assinei isso”, afirmou, enquanto um documento era projetado na tela ao fundo. “Agora estou tendo acesso a documentos que não conseguia no Japão, porque meu computador e celular foram apreendidos pela Justiça.”

Palácio de versalhes Não é só a Justiça do Japão que acusa Ghosn. Na França, sede da Renault, ele foi repreendido por ter realizado uma festa de caráter pessoal no Palácio de Versalhes, o que seria não só uma mostra de seu poder de influência como de que estaria levando vantagem indevida de sua posição na montadora. Ele se defendeu dizendo que, pelo fato de a Renault ser patrocinadora do palácio, a empresa realizara eventos internacionais no local, com despesas pagas de acordo com o contrato de patrocínio. Depois disso, ele teria recebido convite para usar o local, caso desejasse. Meses depois, quando resolveu comemorar o aniversário de 50 anos da esposa, Carole, Ghosn entrou em contato com o administrador de Versalhes, que “emprestou” o palácio para a festa. Uma cobrança posterior, de 50 mil euros, pelo uso do local, foi deduzida do crédito de patrocínio da Renault. Ghosn garante que restituiu esse valor para a montadora francesa.

Divulgação

Toda a trama de sua espetacular fuga de Tóquio ainda não foi esclarecida. Ghosn comentou que dará mais detalhes no futuro e disse que sua esposa, familiares e governo do Líbano não estavam envolvidos.

Seja qual for a verdade, percebe-se a digital do brilhante executivo na disciplina do plano. Segundo Ghosn, durante a fuga ele procurou eliminar qualquer emoção que pudesse colocá-lo em perigo. No ponto alto da escapada, ele se escondeu dentro da caixa de proteção de um instrumento musical — que os seguranças transportaram fingindo serem músicos. Nos longos minutos que passou acondicionado naquele recipiente, Ghosn certamente repisou várias passagens de sua ascensão e queda.

Especialista em encontrar saídas incomuns para encruzilhadas complexas, ele usou um passaporte francês que lhe havia sido deixado para pequenos deslocamentos e assim pode driblar as garras legais japonesas.

Uma câmera de segurança mostrou Ghosn saindo de casa no dia 29 de dezembro. De trem rápido japonês, chegou a um aeroporto nos arredores de Osaka. De lá, um avião particular o levou primeiro a Istambul, na Turquia, e outro ao destino final, no Líbano. O aeroporto Ataturk, fechado a voos comerciais, foi concedido para a triangulação especial. Autoridades japonesas não entenderam como alguém sob severa vigilância conseguiu escapar de seu encalço. Semanas antes da fuga, a Nissan havia sido obrigada a suspender a campana particular que mantinha sobre o executivo. Quando perceberam, já era tarde. Na coletiva, Ghosn também expressava alívio por estar ali. “Pareceu um pesadelo, que começou quando eu olhei pela primeira vez para o procurador, no fim de 2018, e terminou quando eu vi o rosto da minha esposa, na casa dos meus pais”, disse. “Durante todo esse período eu me senti anestesiado.”

“Pareceu um pesadelo, que só terminou quando vi o rosto da minha esposa, na casa dos meus país”

Depois de ter buscado asilo no Líbano, o executivo entrou para a lista de procurados da Interpol. Como o país do Oriente Médio não está ligado à rede internacional de investigação, ele só precisa evitar viagens internacionais. Mas Ghosn foi convocado pelo procurador libanês para um depoimento na quinta-feira 9. Os assuntos tratados foram o alerta de prisão emitido pela Interpol e as razões de uma visita feita a políticos israelenses, quando ele ainda era presidente do conselho das empresas da aliança Renault-Nissan. Pela lei libanesa, nenhum cidadão do país pode visitar Israel. Durante a coletiva, ele pediu desculpas pelo encontro com israelenses e demonstrou tranquilidade quanto à sua segurança. “Eu tenho a sorte de ter nacionalidade em três países que não fazem a extradição de seus cidadãos: Brasil, Líbano e França”, afirmou. “A escolha pelo Líbano foi logística”.

O Brasil, onde nasceu, nunca foi uma opção. Ghosn afirmou que o cônsul do País em Tóquio, João de Mendonça Lima Neto, foi “muito amigo”, mas considera que o governo brasileiro não o tratou da forma correta. “O presidente Bolsonaro afirmou a um jornal, quando perguntado se estava pronto a falar do meu caso, que não queria fazer isso para não atrapalhar as autoridades japonesas”, disse Ghosn. “Claro que não gosto desse tipo de declaração, mas respeito. Eu estava esperando mais ajuda por parte do governo brasileiro, o que não aconteceu, infelizmente.” A irmã de Ghosn, Claudine, contou que chegou a se encontrar com o presidente Bolsonaro, que foi receptivo. Depois, ela soube que o presidente entendera ser melhor não descontentar os japoneses, e por isso preferiu se abster do caso. “Como representante do ramo brasileiro da família, que ainda mora e se casou no Brasil, eu fiquei decepcionada. Os advogados nos diziam que o Brasil era o país que mais poderia nos ajudar”, disse Claudine à DINHEIRO. “O presidente tem visão militar, e no pensamento militar não se abandona um soldado que está ferido.” A mágoa pelo desprezo ao seu caso por parte dos conterrâneos provavelmente acompanhará Ghosn daqui para frente.

FUSÕES E SEPARAÇÕES Para compreender os bastidores da luta política dentro da Nissan é preciso entender que havia um desejo da Renault, maior acionista da Nissan, em fazer uma fusão completa com a montadora japonesa. Isso tiraria poder e a autonomia dos executivos da Nissan. A Renault tem 43,4% da montadora japonesa, que, por sua vez, possui 15% da francesa (que também é dona de 34% da Mitsubishi). Segundo Ghosn, os executivos da Nissan eram contrários à fusão. Então, ele tentava costurar um negócio que agradasse a ambos os lados. Propôs uma fusão entre as empresas e elas teriam apenas uma ação sendo negociada em bolsa de valores. Mas as operações, as linhas de veículos e as sedes permaneceriam separadas. Os japoneses, no entanto, estariam ressentidos pelo processo e perceberam que só escapariam do negócio se conseguissem se livrar de Ghosn. “E eles estavam certos quanto a isso”, afirmou o executivo. De quebra, ao acusá-lo, ainda se livrariam do bônus vultoso que teriam de pagar a ele se o conselho aprovasse a sua destituição. Para o brasileiro, o grupo que preparou a acusação era formado por seu ex-aliado e então vice-presidente, Hiroto Sakawa (que assumiu a presidência da Nissan após a sua saída, mas já destituído), e o membro do conselho de administração, Masakazu Toyoda.

Ghosn diz que não percebeu as maquinações que estariam sendo tramadas. Ao mesmo tempo, preparava um negócio ainda maior do que a fusão entre as empresas da aliança. O self made man brasileiro caminhava para construir o maior complexo automobilístico do mundo. Ele estava em negociações avançadas com a FCA, dona das marcas Fiat e Chrysler.

Se, sob o seu comando, a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi já tinha se tornado o maior grupo de vendas de veículos do mundo, agora ela poderia ficar muito maior. “A conclusão do negócio não estava longe quando fui preso”, disse. “Foi uma grande perda para a Renault.” Dessa forma, as acusações que sofre no Japão fizeram o grupo perder um negócio que seria “imperdível”. Quem se beneficiou disso foi a grande rival histórica da Renault. A também francesa PSA, dona das marcas Peugeot e Citröen, tomou à frente para fechar uma fusão com a FCA (Fiat e Chrysler). “É uma grande oportunidade para a PSA”, afirmou Ghosn. “Agora, Nissan, Renault e Mitsubishi são as únicas montadoras que estão perdendo vendas enquanto o mercado inteiro cresce.”

Futuro Desde a saída de Ghosn a aliança entre as três montadoras existe apenas no papel. As decisões só podem ser tomadas por consenso, o que significa que a busca de sinergia tende a esbarrar em qualquer ponto de atrito. O futuro, tanto de Ghosn quanto das empresas que comandou, parece incerto. Em especial, muito da energia da nova gestão da Nissan está voltada para superar o caso Ghosn. Já o executivo promete se dedicar a limpar o seu nome. Seria uma missão considerada impossível para quase qualquer pessoa, mas Ghosn se especializou em alcançar resultados improváveis. Saiu do interior de Rondônia para comandar a Michelin no Brasil. Se tornou o primeiro ocidental a assumir o comando de uma montadora japonesa — e salvou a Nissan de uma ruína quase certa no fim da década de 1990. Nada parecia impossível para quem conseguiu fugir da vigilância intensa que recebia no Japão e reaparecer em Beirute, onde foi criado. Agora, um retorno triunfal não está fora de alcance. “Eu preciso ganhar mais força, passar mais tempo com a família e amigos”, disse. “Não tenho planos para o futuro. Mas não significa que não vou ter planos daqui a pouco.”

O que diz a Nissan
Comunicado da montadora acusada por Ghosn de ser responsável por sua prisão

“Conforme declarado pelo Ministério Público, a fuga do ex-presidente Carlos Ghosn para a República Libanesa sem a permissão do tribunal, em violação de suas condições de fiança, é um ato que desafia o sistema judicial do Japão. A Nissan considera extremamente lamentável. A Nissan descobriu vários atos de má conduta por Ghosn através de uma investigação interna robusta e completa. A empresa determinou que ele não estava apto para servir como executivo e o removeu de todos os escritórios. A investigação interna encontrou evidência incontestável de vários desvios feitos por Ghosn, incluindo distorção de sua remuneração e apropriação indevida dos ativos da empresa para seu benefício pessoal. As consequências foram significativas. Além de sua acusação no Japão, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA concluiu que a conduta de Ghosn, incluindo seus esquemas de subnotificar sua compensação, era fraudulenta. Ainda estão em andamento investigações na França sobre possível má conduta. A Nissan continuará agindo com correção, cooperando com as autoridades judiciais e reguladoras sempre que necessário. A fuga de Ghosn não afetará a política básica da Nissan de responsabilizá-lo pelas graves improbidades descobertas pela investigação interna. A empresa continuará a tomar as medidas legais adequadas para responsabilizar Ghosn pelos danos que sua má conduta causou à Nissan.”

“Estou acostumado com o que se chama de ‘missão impossível”

Depois de um longo depoimento à imprensa internacional, quando se defendeu por mais de uma hora das acusações que sofreu da Justiça no Japão, Carlos Ghosn respondeu às perguntas dos jornalistas e negou que teria assinado um acordo com a Netflix para a produção de um programa sobre a sua história e fuga.

Joseph eid/afpQual foi o sentimento quando terminou a fuga?
Desde o fim de 2018 até quando a primeira pessoa chegou na casa dos meus pais (no Líbano), que foi a minha esposa Carole, eu estava anestesiado. Eu não podia sentir nada. Estava esperançoso, mas anestesiado. Quando você está em perigo, é melhor não sentir nada. Desde o fim de 2018, vivi um pesadelo, do momento em que encontrei pela primeira vez o procurador e que só terminou quando eu vi o rosto da minha esposa no Líbano.Há relatos de que o governo libanês considera convidá-lo para ajudar na administração da economia do país. O senhor tem ambições políticas?
Estou disposto a utilizar a minha experiência para ajudar o país. Mas não planejo entrar para a política.O senhor tem boas relações com pessoas influentes no Brasil. Já disse que tem amizade com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a sua irmã conversou com o presidente Bolsonaro sobre o seu caso. Não considerou se abrigar no Brasil?
O cônsul do Brasil em Tóquio, João de Mendonça (Lima Neto), é muito amigo e muito querido. Ele lutou por mim com muito carinho. Mas vocês sabem que o presidente (Jair) Bolsonaro afirmou a um jornal, quando perguntado se estava pronto a falar do meu caso, que não queria fazer isso para não atrapalhar as autoridades japonesas. Claro que não gosto desse tipo de declaração, mas a respeito. Eu estava esperando mais ajuda por parte do governo brasileiro, o que não aconteceu, infelizmente.E para a França, onde tem acusações às quais precisa se defender?
Pretendo me defender. Lá o governo me dá o benefício da dúvida. No entanto, o governo francês quer melhorar as suas relações com o Japão. Então, não está arriscando passos que o desafiem.

Agora, o que planeja fazer, já que é um fugitivo internacional?
Estou acostumado com o que se chama de “missão impossível”. Já diziam em 1999 que eu não conseguiria sair da França e comandar uma montadora japonesa. Eu não considero que não há nada que eu não consiga fazer. Posso fazer muito e vou limpar o meu nome. Quero encontrar formas de fazer a verdade aparecer.

Mas o senhor não trocou uma pequena cela no Japão por uma maior, sem poder deixar o Líbano?
Estou aqui cercado por amigos, por pessoas que me respeitam. Era o que precisava. Pode esperar que lutarei nas próximas semanas para limpar o meu nome, e isso é muito importante para mim. Vou colocar todas as provas na mesa. Não considero que estou numa prisão aqui. E preferiria essa prisão do que a japonesa. Posso usar o telefone e a internet. Eu não estou infeliz no Líbano e estou preparado a passar muito tempo aqui. Não escapei da justiça. Eu fugi da injustiça e da perseguição política.

Uma das razões que o senhor alega serem a causa das acusações foi a tentativa de fazer uma fusão entre Renault e Nissan. Seria uma fusão completa?
Não propus uma integração completa. Haveria apenas uma ação e um conselho de administração para as empresas da aliança, mas as operações manteriam sedes diferentes e linhas de modelos próprios. Eu queria agradar tanto a resistência japonesa a uma integração quanto ao desejo francês de uma fusão completa. Mas um dos lados pensou: “por que precisamos disso? Vamos nos livrar dele”.

O senhor afirma que houve uma conspiração entre a Nissan e o governo japonês para acusá-lo. Até que nível do governo estaria envolvido nisso?
Pessoalmente, não acredito que chegue até o nível mais alto. Não acho que (o primeiro-ministro, Shinzo) Abe estivesse envolvido. Digo isso em respeito a evitar fricções entre Japão e Líbano. Mas estou pronto a enfrentar um julgamento em qualquer parte do mundo que me dê um julgamento justo. Perguntei aos meus advogados se eu teria um julgamento justo, eles me disseram que fariam de tudo para que isso fosse possível. Era óbvio que havia uma perseguição

“Eu estava esperando mais ajuda por parte do governo brasileiro, o que não aconteceu, infelizmente.”